O cenário político no legislativo municipal após as eleições de 2020 – os casos de Macapá e Santana

Ivan Silva, Paulo Gustavo Correa, Marcus Cardoso

1. Apresentação

As eleições de 2020 foram marcadas, no caso do Amapá, por duas variáveis intervenientes fundamentais na compreensão dos seus resultados: o agravamento das condições sanitárias, oriundo do avanço da pandemia de COVID-19, por um lado (nesse caso, fator que impactou as eleições em todo o país), e a crise energética de novembro de 2020. Durante 22 dias o estado viveu uma crise energética que atingiu 13 dos 16 municípios do estado, sendo quatro dias de um apagão completo que iniciou uma reação em cadeia, impossibilitando o fornecimento de água – o que acarretou um aumento dos casos de diarreia e intoxicação entre crianças, que, por sua vez, pressionou ainda mais o sistema público de saúde (já bastante afetado por uma nova onda da pandemia) – e colocando em risco a segurança alimentar de centenas de milhares de amapaenses, dada a especulação inflacionária e a constante ameaça de desabastecimento. A crise energética teve início no dia 3 de novembro, após um incêndio na Subestação de Energia de Macapá, operada pela empresa Linhas de Macapá Transmissoras de Energia (LMTE) – no momento do incêndio, apenas dois dos três transformadores necessários (sendo um deles o reserva) estavam disponíveis, já que o terceiro se encontrava danificado desde dezembro do ano anterior.

Além de ter contribuído para uma elevada taxa de abstenção no primeiro turno (25,81%), o apagão também afetou de modo direto as eleições municipais de 2020 pelo menos em outras duas direções: em relação à realização do pleito, e, ainda, em relação aos resultados das eleições na capital. Embora o TSE tenha garantido a manutenção do calendário eleitoral em quase todo o estado – inclusive com a cessão de 1,2 mil baterias novas para as urnas eletrônicas ao TRE-AP (transportadas pela FAB) –, no caso de Macapá houve um pedido de adiamento do pleito por parte do Tribunal Regional Eleitoral. Sob o argumento de que não seria possível garantir a segurança dos eleitores e eleitoras – face a uma explosão de manifestações populares em vários bairros da cidade –, o TRE-AP solicitou ao TSE que o primeiro turno fosse suspenso até que houvesse o restabelecimento regular do fornecimento de energia elétrica. Após uma intermediação do então Presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (DEM), junto ao então Presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral referendou, de maneira unânime, o adiamento das eleições em Macapá, que ocorreram nos dias 6 e 20 de dezembro. Embora o apagão tenha impactado igualmente o município de Santana, apenas na capital o primeiro turno das eleições municipais de 2020 foi adiado.

2. A Câmara Municipal de Macapá

As eleições de 2020 em Macapá contaram com dez candidaturas ao Executivo no primeiro turno: João Capiberibe (PSB), Gianfranco (PSTU), Paulo Lemos (PSOL) e Professor Marcos (PT), pela esquerda, e Josiel Alcolumbre (DEM), Antônio Furlan (CIDADANIA), Guaracy Júnior (PSL), Patrícia Ferraz (PODEMOS), Cirilo Fernandes (PRTB) e Haroldo Iran (PTC), pela direita[1]. De início, chama atenção a profusão de candidaturas identificadas com a direita ideológica: considerados apenas os votos válidos, as candidaturas abertamente identificadas com a direita receberam 78,95% dos votos, restando à esquerda apenas 21,04%[2].

Quanto ao Legislativo, não houve alterações quanto ao padrão de renovação das cadeiras na Câmara Municipal de Macapá (CMM) durante as eleições de 2020: tal como na eleição anterior, apenas 10 vereadores(as) foram reeleitos(as), o que representa uma taxa de renovação de 56,5% – uma taxa considerada alta, embora mais ou menos em consonância com o padrão nacional desde meados da década de 2010[3]. Tampouco houve alteração significativa no padrão de fragmentação partidária (bastante elevado): a legislatura eleita em 2016 possuía, num universo de 23 vagas, 17 partidos representados no legislativo municipal (com nenhum partido superando a marca de duas cadeiras), e, a legislatura atual, eleita em 2020, conta com 18 (e, novamente, nenhum partido superou a marca de duas cadeiras na Câmara).

Do ponto de vista ideológico, há um dado importante – e que está em consonância com o padrão verificado em toda a Amazônia Legal nos últimos anos: a passagem de 2016 para 2020 significou uma robusta guinada conservadora também no legislativo da capital amapaense: em 2016, os partidos de esquerda conseguiram eleger 30,4% dos(as) vereadores(as), os partidos de centro ficaram com 26,1% das cadeiras, e os partidos de direita, por sua vez – que já representavam a maior fatia da CMM –, conseguiram 43,5%; já em 2020, a participação da esquerda e do centro caiu no âmbito da CMM (passando para 17,4% e 21,7%, respectivamente), enquanto a direita aumentou significativamente sua participação para 60,9% do total.

Entre os(as) vereadores(as) eleitos(as) em 2020, duas figuras merecem destaque – tanto por sua atuação quanto por suas vinculações familiares: Janete Capiberibe (PSB) e Cláudio Góes (DEM). Janete é um quadro histórico do PSB amapaense, e, junto com seu esposo, João Capiberibe (o patriarca da família e principal liderança do partido), possui uma longa trajetória política no estado desde 1989, quando foi eleita vereadora pela primeira vez, tendo sido eleita, também, por sucessivos mandatos, deputada estadual e deputada federal. Cláudio, por sua vez, pertence à família que disputou a hegemonia política no Amapá com a família Capiberibe ao longo dos últimos 30 anos: a família Góes. Cláudio é irmão de Roberto Góes (ex-vereador de Macapá, e ex-deputado estadual e federal) – que é primo de Waldez Góes, governador do Amapá por quatro mandatos e principal liderança da família.

3. A Câmara Municipal de Santana

Como Santana – segundo maior município do Amapá, que pertence à Região Metropolitana de Macapá –, com pouco mais de 120 mil habitantes, não possui segundo turno, as eleições para a Prefeitura foram encerradas já no dia 15 de novembro. O vitorioso foi Bala Rocha (PP) – que, embora eleito por um partido situado à direita no espectro ideológico, dividiu a chapa com a socióloga Isabel Nogueira, do Partido dos Trabalhadores. Com 36,45% dos votos, Bala Rocha foi seguido por Offirney Sadala (AVANTE) com 25,96% – que concorria à reeleição –, em segundo, e Professora Marcivânia (PCdoB) com 19,19%, em terceiro.

No caso da Câmara Municipal de Santana (CMS), houve um aumento na taxa de renovação, que saiu de 53,9%, em 2016, para 60% (uma taxa bastante elevada), em 2020. O quadro de alta fragmentação partidária se manteve (e até cresceu um pouco): de um total de 15 vagas na CMS, em 2016 havia 11 partidos com representação no legislativo santanense, e, em 2020, 13.

Quando considerada a distribuição ideológica na casa, ao contrário da tendência verificada tanto no âmbito estadual como regional, a passagem de 2016 para 2020 apresentou um recuo na participação dos partidos de direita na CMS, por um lado, e um crescimento da esquerda, por outro: em 2016, os(as) vereadores(as) vinculados a partidos de direita representavam 80% do total, e passaram a corresponder a 60%, em 2020; os(as) vereadores(as) de esquerda, que representavam apenas 20% do total em 2016, passaram para 33,3%, em 2020; o centro, que não havia eleito ninguém em 2016, conquistou uma cadeira em 2020 (6,7% do total).

Na legislatura eleita em 2020, merece destaque a vereadora Socorro Nogueira (PT): ela é irmã da vice-prefeita Isabel Nogueira (PT) e do presidente do PT amapaense Antônio Nogueira, que já foi prefeito e vereador de Santana, além de deputado federal. Além de sua relevância política no município, a família Nogueira também exerce forte influência no Partido dos Trabalhadores do Amapá.

4. Conclusão

Há, nos dados apresentados aqui, uma série de padrões que se repetem – e apenas um elemento desviante: por um lado, é possível verificar a reprodução de elevados índices de fragmentação partidária, bem como de renovação na CMM e na CMS, além de uma participação bastante robusta dos partidos de direita nos legislativos municipais (em consonância com os dados do Amapá, de modo mais específico, e da Amazônia, de modo mais geral). A forte influência do bolsonarismo – bastante enraizado no território amazônico (SILVA, TESTON, 2023) –, mesmo em meio à piora significativa das condições materiais da população e ao caos provocado tanto pela pandemia quanto pela crise energética no Amapá, pode ser um elemento chave na compreensão desses dados. Há, todavia, um elemento desviante: no caso de Santana, houve um aumento da participação da esquerda na câmara de vereadores pari passu com uma queda importante na participação dos partidos de direita.

Quanto às eleições de 2024, os municípios de Macapá e Santana contam com um aspecto compartilhado: tanto Antônio Furlan (Cidadania), prefeito de Macapá, quanto Bala Rocha (PP), prefeito de Santana, serão provavelmente candidatos à reeleição contando com altos índices de aprovação popular e amplas bases de apoio partidário. No caso de Macapá, será fundamental a posição que será assumida pelas famílias Alcolumbre (DEM) e Capiberibe (PSB) – já que a família Góes, na esteira do último mandato de Waldez Góes à frente do governo estadual, perdeu parte importante de seu capital eleitoral. No caso de Santana, a principal ameaça à reeleição de Bala Rocha deve ser a provável candidatura da Professora Marcivânia – deputada federal, com forte reduto eleitoral em Santana.

5. Referências

SILVA, Ivan Henrique de Mattos e; BEZERRA, Caio Araujo; OLIVEIRA, Nilson Gomes de. Bíblia, farda, empreendedorismo e luta contra o “sistema”: a cosmovisão das candidaturas bolsonaristas à prefeitura de Macapá em 2020. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 41, p. 1-34, 2023.

SILVA, Ivan Henrique de Mattos e; TESTON, Luci Maria. Political Dynasties, Bolsonarismo, and the Environmental Agenda during the 2022 Elections in the Brazilian Legal Amazon. Brazilian Political Science Review, vol. 17, n. 1, p. 1-20, 2023.

  1. A despeito das vinculações dos seus respectivos partidos, a inferência feita aqui parte das vinculações aferidas pelos(as) próprios(as) candidatos(as). Ver Silva, Bezerra, Oliveira (2023).
  2. Todos os dados eleitorais foram retirados da base do TSE.
  3. Ver http://www.cepesp.io/%EF%BB%BFo-que-e-uma-grande-renovacao-na-politica-municipal/.