FAMÍLIAS POLÍTICAS E PODER LEGISTATIVO NO AMAPÁ

Ivan Silva, Paulo Gustavo Correa, Marcus Cardoso, Giovanna Lourinho

Introdução

A história política do Brasil foi constituída por um processo que deixa turva a relação entre alguns grupos familiares e a constituição de grupos de poder local e nacional. Famílias políticas como a do atual presidente com seus filhos distribuídos em diferentes postos eletivos não se trata de uma novidade no Brasil. Sobrenomes como Covas, Sarney, Arraes, Campos, Macedo e Capiberibe estão presentes na trajetória política do país e tiveram sua gênese como força local em seus estados.

No Estado do Amapá esse processo não foi distinto. Entretanto, assim como outras localidades nacionais, o Amapá obteve sua autonomia na federação apenas com a Constituição Federal de 1988 e apenas em 1991 promulgou a Constituição do Estado do Amapá. Esse dado histórico torna-se pertinente, pois faz do Amapá, junto com Roraima e Tocantins, os estados mais novos do Brasil.

A constituição do Amapá como Território Federal se assentou nos objetivos de enfraquecer processos de desnacionalização, principalmente pelo fato de ser vizinho da França (Guiana Francesa) e fomentar desenvolvimento econômico. Esse processo trouxe uma estruturação de uma administração territorial com aparato institucional e de justiça, assim como a criação de municípios como o Oiapoque na fronteira com a Guiana Francesa.

O processo de constituição dos Territórios Nacionais foram parte de um modelo político-administrativo para formação de novos Estados na federação nacional. Dessa forma, ao fortalecer os objetivos acima mencionados os territórios eram modelos transitórios para a emancipação e “invenção” dos novos estados.

No Amapá, sua constituição como estado foi fruto de forças exógenas (governo federal) e endógenas (poder local). Uma trajetória desenvolvida por vezes em concordância com o governo federal e outras vezes em discordância com o poder central brasileiro. Os conflitos, alguns presentes até os dias de hoje, foram pautados nos modelos de desenvolvimento e recursos para a constituição do estado.

É importante ressaltar que as forças políticas locais em um território isolado no extremo norte do Brasil tiveram na sua atuação práticas políticas de autonomia local autoridades e autoritarismos dos governantes que fertilizaram a força política em algumas famílias.

A primeira eleição onde executivo e legislativo foram eleitos em conjunto pelos eleitores do estado do Amapá aconteceu apenas em 1991. Nessas três últimas décadas, então como estado da federação, o Amapá apresentou em seu cenário político algumas famílias que ocuparam cargos de governador, senador, deputado federal, deputado estadual e vereador. Entre essas destacam-se as famílias: Capiberibe, Góes, Gurgel e Borges. O critério de destaque é a capilarizarão das famílias nos cargos eletivos.

Considerando o histórico da relação entre parentesco e poder político no Brasil, é possível afirmar que este fenômeno não pode ser tratado como uma particularidade dos estados e municípios das regiões Norte e Nordeste. A presença de indivíduos de famílias tradicionais, com capital simbólico e significativo poder econômico, que se sucedem nas disputas eleitorais e no cumprimento de mandatos legislativos e executivos é uma realidade que ultrapassa as fronteiras regionais, podendo ser identificado em todo o país.

No estado do Amapá, quatro famílias exercem influência decisiva nos partidos políticos e nas eleições locais, sendo elas: a família Capiberibe; a família Borges; a família Gurgel; e a família Góes.

Famílias Políticas no Amapá

Família Capiberibe

Os Capiberibe são uma família tradicional no espectro político de esquerda no estado do Amapá, que até o período de escrita deste relatório tiveram quatro membros que exerceram cargos no legislativo e no executivo. João Capiberibe, quadro histórico do Partido Socialista Brasileira (PSB), do qual é membro desde 1988, é o patriarca da família. De origem paraense, nascido em maio de 1947, João Capiberibe possui uma trajetória publicamente reconhecida de resistência e enfrentamento ao regime ditatorial instituído no Brasil em 1964, tendo sido capturado, sofrido tortura e, posteriormente, vivido em exílio político pelo período de oito anos após conseguir fugir do cativeiro. No ano de 1988, Capiberibe concorreu ao cargo de prefeito de Macapá, capital do Amapá, e se saiu vitorioso, tendo exercido seu mandato até o ano de 1992. Em seguida, Capiberibe concorreu e venceu a disputa para o governo do estado, exercendo dois mandatos seguidos entre os anos de 1995 e 2002. Posteriormente, em 2002, Capiberibe é eleito senador pelo estado, mas tem seu mandado cassado pelo TSE. Seu retorno ao exercício de um mandato ocorreu em 2011, quando foi eleito senador da república, tendo exercido o cargo até o ano de 2019.

Mesmo sem ter exercido a função de deputado estadual na ALEP, o capital político e simbólico de João Capiberibe pavimentou a carreira política da família. Janete Capiberibe, com o igual capital político e simbólico, sua esposa, exerceu, ao longo dos anos, os cargos de deputada estadual e deputada federal. Atualmente, é vereadora no município de Macapá. A trajetória de Janete Capiberibe, também um quadro histórico do Partido Socialista Brasileiro (PSB), está entrelaçada ao do seu esposo, tendo pertencido à organização Ação Libertadora Nacional, presa pelo regime ditatorial e, posteriormente, vivido no exílio. O primeiro mandato político de Janete Capiberibe foi o de vereadora, cargo que exerceu de 1989 a 1991. Seu capital político também lhe permitiu ser eleita deputa federal por duas vezes, exercendo seus mandatos entre os anos de 2003 até 2019. Todavia, o cargo que Janete Capiberibe exerceu por mais vezes foi o de deputada estadual na ALAP, por três mandados políticos seguidos, entre os anos de 1991 e 2003. Raquel Capiberibe (PMN), irmã de João Capiberibe, foi deputada federal e vice-prefeita.

O capital simbólico da família também permitiu que o filho do casal, Camilo Capiberibe (PSB), fosse competitivo nas disputas políticas do estado, tendo vencido eleições para o executivo e para o legislativo nas últimas duas décadas. Camilo Capiberibe, que construiu sua trajetória sob os mesmos signos políticos que seus país, obteve seu primeiro mandato como deputado estadual na Assembleia Legislativa entre os anos 2007 e 2010. Após a atuação como deputado estadual, Camilo Capibaribe venceu a disputa para o cargo de governador, mandato que exerceu entre os anos de 2011 e 2015. Em 2018, ele foi eleito deputado federal, cargo que ocupa até a presente data.

Família Borges

Outra família com capital simbólico e político, arraigada, ao longo das décadas, nas estruturas de poder do estado são os Borges. Geovani Borges é um dos membros da família que exerceu mandatos políticos. Nascido em 1953, natural do Amapá, Geovani Borges exerceu seu primeiro mandato no ano de 1977, como vereador do município de Macapá, pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido político que representava os interesses do regime ditatorial vigente no Brasil desde 1964. Sempre atuando no espectro político conservador, Giovani Borges tem um histórico de mudança de partidos. Ela passou pelo ARENA, Partido Democrático Social (PDS), Partido da Frente Liberal (PFL), Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1982, ele concorreu a uma vaga de deputado federal pelo estado e se saiu vitorioso, assumindo seu mandato em 1983. Dentro desse período, Giovani Borges votou em Paulo Maluf contra Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Em 1986, ele foi eleito deputado federal constituinte e, em 1990, se lançou, sem sucesso, ao senado pelo estado do Amapá. Concorrendo à prefeitura do município de Santana, foi eleito e assumiu o mandato entre os anos de 1993 e 1997. No ano de 2011, exerceu o cargo de senador da república entre os meses de março a novembro, ocupando a vaga de suplente do seu irmão, Gilvan Borges. Seu outro irmão, Ronaldo Borges, exerceu o mandato de vice-governador do Amapá entre os anos de 1991 e 1995. Jonas Pinheiros Borges, primo de Ronaldo, Giovani e Gilvam Borges, foi senador entre os anos de 1991 e 1995.

Gilvam Borges, do MDB, é outro membro da família de grande influência política no Amapá. Assim como os demais membros da família que exerceram mandato e possuem influência política no estado, ele atua dentro do espectro político conservador, base política da família no Amapá. Seu primeiro mandato foi como deputado federal, entre os anos de 1991 e 1995. Atualmente sem cargo político, Gilvam Borges foi senador pelo estado do Amapá em dois momentos. O primeiro foi entre 1995 e 2003 e, o segundo, entre os anos de 2005 e 2011, quando, após ser derrotado no pleito, assumiu a vaga de João Capiberibe, que teve seu mandato cassado. Após sua experiência no senado, Gilvam Borges, tentou, sem sucesso, eleger-se ao cargo de senador, em 2014 e 2018, e ao cargo de prefeito do município de Macapá, em 2016.

Família Gurgel

No mesmo espectro político da família Borges, há a família Gurgel. Vinícius Gurgel, nascido em 1978 no Amapá, anteriormente filiado Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e atualmente membro do Partido Liberal (PL), exerce seu segundo mandato de deputado federal. Ele é irmão da deputada federal Aline Gurgel, do Republicanos, e marido de Luciana Gurgel, deputada estadual pelo Partido Liberal (PL).

Família Góes

Outra família que exerce grande influência na política local é a Góes. Waldez Góes, é o seu mais influente representante. Nascido em no ano de 1961 no estado do Pará, Waldez Góes mora no Amapá desde sua infância. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), seu primeiro mandato foi na Assembleia Legislativa do Amapá, como deputado estadual, a partir do ano de 1990, sendo reeleito em seguida. Após tentativas frustradas de se eleger prefeito do município de Macapá, em 1996, e de se eleger governador do estado do Amapá, em 1998, Waldez Góes concorreu e venceu duas eleições consecutivas para o governo do estado, assumindo seus mandatos nos anos de 2002 e 2006. Durante seu segundo mandato, Waldez foi preso, acusado de peculato e fraude em licitações. Essas acusações foram posteriormente rejeitadas pelo Superior Tribunal de Justiça. No ano de 2010, ele concorreu, sem sucesso, à vaga de senador pelo estado, retornando ao cargo de governador por mais dois mandatos seguidos, após se sair vencedor nos pleitos de 2014 e 2018. O capital político de Waldez Góes, e as redes de relações que ele estabeleceu ao longo dos anos, criou as condições para que sua esposa, Marília Góes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), também construísse uma carreira política na Assembleia Legislativa do Amapá, onde assumiu o mandato de deputa estadual em 2011, sendo reeleita no pleito seguinte.

Outro membro da família é Roberto Góes, irmão mais novo de Waldez Góes, atualmente no partido UNIÃO. Roberto Góes possui um histórico de mudança de partidos, tendo pertencido ao Partido Social Democrático (PSD), ao Progressista (PP), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e ao Democratas (DEM). Antes de ingressar no seu partido atual, exerceu diversos cargos ao longo da sua trajetória. Seu primeiro mandato foi como vereador do município de Macapá, assumindo o cargo em 1993. Dois anos depois, em 1995, Roberto Góes assume o mandato de deputado estadual, sendo reeleito mais três vezes. Em 2009, ele concorre e vence o pleito para prefeito do município de Macapá, cargo que exerce até 2012. No ano 2015, ele assume o mandato de deputado federal.

Nas eleições de 2022 as famílias mencionadas acima estão presentes na disputa para deputado estadual, deputado federal e senador. A família Capiberibe tem Joao Alberto Rodrigues Capiberibe para o senado e Camilo Capiberibe, ambos pelo PSB. A família Borges apresenta para deputado estadual Geodalto Pinheiro Borges (PL) e Antônio Cirilo Fernandes Borges (Pode) e Giodilson Pinheiro Borges (PP) para deputado federal. A família Gurgel, por sua vez, tem as representantes Luciana Araújo Góes Gurgel (Pl), Regilene Gurgel Menezes Reategui (PSC) e Hildegard De Azevedo Gurgel (União) para deputada estadual e Vinicius De Azevedo Gurgel (PL) e Aline Paranhos Varonil Gurgel (Republicanos) para deputados federais. Finalmente, a família Góes tem apenas Raimundo Pereira Góes Da Silva Netto (PSD) candidato à deputado federal.

Considerações Finais

O processo de amadurecimento político do Amapá, entre território a estado emancipado da federação, levou algumas décadas. Esse processo tinha coo objetivo a criação de uma estrutura econômica e burocrática no local para então se consolidar como estado. A burocracia foi constituída e consolidada com a Constituição do Estado do Amapá em 1991. Esse percurso foi feito com alguns grupos políticos ligados a algumas famílias oriundas do Amapá e Pará principalmente. Elegemos quatro famílias (Borges; Gurgel; Góes) a partir da sua capilaridade política, não apenas na ALAP, mas também em outros cargos eletivos. Da vereança ao senado essas famílias constantemente ocupam espaços.

São apenas três os candidatos para a eleição da ALAP em 2022 oriundos dessas famílias. Quais sejam: Geodalto Pinheiro Borges (PL), Antônio Cirilo Fernandes Borges (Pode) e Hildegard De Azevedo Gurgel (União). A maior parte dos seus representantes estão em outras candidaturas de âmbito federal.

A economia do Amapá foi constituída fundamentalmente através do “contracheque” e exploração mineral por empresas multinacionais. A vinculação econômica das famílias supracitadas não apresenta força substantiva ao capital econômico predominante ao Amapá. Ao menos é o que pode se perceber através das declarações de bens dos seus integrantes como candidatos.

Referências

CPDOC. GEOVANI PINHEIRO BORGES. FGV/CPDOC. Disponível em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/geovani-pinheiro-borges>. Acesso em: 13, de setembro de 2022.

CPDOC. PINHEIRO, JONAS (AP). FGV/CPDOC. Disponível em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/pinheiro-jonas-ap>. Acesso em: 13, de setembro de 2022.