FAMÍLIAS POLÍTICAS DO AMAZONAS

Marilene Corrêa da Silva Freitas, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite, Simone Machado de Seixas

Os laços entre as famílias e a participação política traduzem um processo longamente enraizado nas estruturas políticas do Brasil desde a colonização, com a partilha dos lotes de terras para certas famílias, através das capitanias hereditárias. A institucionalização das capitanias dependia dos vínculos dos donos das capitanias com a coroa portuguesa, isto é, com as estruturas patrimoniais e mercantilistas do Estado português. Assim, o poder era compartilhado entre a Coroa portuguesa e o poder local que era composto por famílias que estava no topo do sistema econômico latifundiário brasileiro (NOBRE, 2017). Desde então, a lógica patrimonial e dinástica, o entrelaçamento entre o poder público e o poder privado, estruturam os padrões de luta pelo poder tanto nos períodos de fechamento do regime político quanto nos de ampliação da democracia. A experiência monárquica, no século XIX, e a republicana, nos últimos três séculos, em suma, consolidaram na cultural política nacional os imperativos do poder das famílias na política.

Este boletim tem como foco examinar a presença das famílias na política no Amazonas desde a redemocratização. Fizemos uma genealogia dos grupos familiares com maior proeminência no cenário político estadual vis-à-vis a sua sobrevivência, influência e capacidade decisória. Deste modo, é possível compreender o peso de seu capital político e a sua influência nos processos eleitorais, criando uma relação de desigualdade de condições de acesso – barreiras organizacionais à entrada – para que outros atores ou grupos políticos postulem mandatos ou assumam cargos na administração pública do estado.

No Amazonas, o enraizamento de determinadas famílias políticas remete às antigas lideranças políticas e populistas do período do auge e declínio da economia da borracha do início até meados do século XX. Lideranças locais como Álvaro Maia, Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho foram decisivas para a história política estadual. Esses líderes carismáticos criaram movimentos de forte personalismo, como o alvarismo, o plinismo e o gilbertismo. A ascensão destes novos líderes foi marcada pelo declínio relativo do PSD (Partido Social Democrático) de Álvaro Maia e o fortalecimento do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) de Plínio Coelho. Após o golpe de 1964 e instauração do regime militar, as antigas forças políticas passam por rearranjos internos que se alinhavam aos interesses do governo federal. Álvaro Maia retornou ao Senado em 1967, após duas sucessivas derrotas. Plínio Coelho, então governador, foi preso e cassado. Gilberto Mestrinho, ex-governador também cassado, tornou-se deputado federal pelo estado de Roraima (BRAGA, 2020).

Após a redemocratização na década de 1980, o gilbertismo obtém novo êxito nas eleições estaduais, marcando o retorno de políticos tradicionais à arena partidário-eleitoral. Mestrinho nomeia Amazonino Mendes para o cargo de prefeito da capital. Com o surgimento de um novo arranjo institucional de forças no estado, partidos como PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e PFL (Partido da Frente Liberal) tornaram-se as principais organizações a dominar o processo político-eleitoral como um todo. O PMDB (hoje, MDB) abrigou os opositores, ao passo que o PFL contou com a participação de políticos da base de sustentação do antigo regime.

Amazonino Mendes, eleito para o seu primeiro mandato como governador, em 1987, pelo PDC (Partido Democrata Cristão), ainda ocupou por mais quatro vezes cargos de governador e duas vezes o cargo de prefeito de Manaus. Após uma década em que o governo do Estado foi revezado entre Mendes e Mestrinho, elegeu-se, em 2003, o ex-prefeito de Manaus, Eduardo Braga, pelo PPS (Partido Popular Socialista), com o apoio de Amazonino Mendes, sendo reeleito pelo PMDB de Mestrinho. Braga foi sucedido pelo seu vice-governador, Omar Aziz, em 2010, para que pudesse concorrer a uma vaga para o Senado Federal. O mesmo arranjo político sucedeu-se no pleito posterior, onde o então vice-governador, José Melo, sucedeu a Aziz no comando do governo do estado para que este último concorresse também ao Senado. Melo assumiu o governo estadual até 2017, quando teve sua candidatura impugnada pelo Poder Judiciário e substituído interinamente pelo presidente da Assembleia Legislativa, Davi Almeida, do PDS (Partido Social Democrático), atual prefeito de Manaus, do Avante. Na eleição direta para o preenchimento da vaga de governador, Amazonino Mendes, já no PDT (Partido Democrático Trabalhista), vence e toma posse. Em 2018, com ascensão e eleição disruptiva do presidente da República Jair Bolsonaro, o tabuleiro político estadual passou por algumas reviravoltas e reposicionamentos. O discurso de renovação dos quadros políticos atraiu o eleitorado amazonense que ajudou a eleger para o governo estadual o então desconhecido Wilson Lima, PSC (Partido Social Cristão), em uma disputa acirrada contra Amazonino Mendes.

Além do mais, a formação das famílias políticas no Amazonas possui um enraizamento com os governos municipais das cidades do interior do estado, onde filhos, irmãos e sobrinhos se revezam em cargos no legislativo e executivo municipal, por vezes em municípios vizinhos da cidade de origem de suas famílias políticas. Tal prática contribui para fortalecer o capital político e eleitoral destes grupos contribuindo para o sucesso nas urnas em pleitos do legislativo estadual e federal.

Diante disso, verifica-se que nas cidades do interior os representantes dessas famílias eram nomeados como prefeitos de diferentes cidades como é o caso de Homero de Miranda Leão que foi nomeado prefeito das cidades de Urucará (1938), Manacapuru (1940) e Manicoré (1942) durante o período do Estado Novo. Descendente de uma tradicional família política do Amazonas, ocupando cargos políticos desde o final do século XIX tais como o deputado estadual Manoel de Miranda Leão (1886) e a deputada estadual Maria de Miranda Leão (1934).

No entanto, constatou-se que esses grupos familiares políticos em geral estabelecem sua base eleitoral nos seus municípios de origem, ocupando diversos cargos municipais, tais como vereadores e prefeitos. Com base no capital político projetado graças aos pleitos municipais conseguem impulsionar suas candidaturas e as eleições de candidatos “apadrinhados” por eles na grande maioria dos casos são filhos ou sobrinhos dos mesmos. Caso exemplar é da família Cidade cujo pai Orlando Gualberto Cidade foi vereador em Manicoré (1948-1952), seus filhos Hamilton e Orlando Cidade foram deputados estaduais e atualmente seu neto Roberto Cidade é o presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas. Neste caso, observamos uma tendência de verticalização na carreira política dessas famílias, isto ocorre pois os herdeiros dessas famílias herdam também o capital político de uma rede de contatos já construída pelos seus antecessores, pois estes já possuem capital político e prestígio social nos diversos segmentos sociais, facilitando o acesso a determinado segmento eleitoral, além de um conjunto prático de saberes da dinâmica política que são transmitidas aos seus herdeiros, facilitando o ingresso e permanência no campo político.

Constatou-se a presença de famílias políticas do Amazonas no legislativo nas esferas municipais, estaduais e federais. Tomando como base a atual legislatura da Assembleia Legislativa (conforme o gráfico número 1) foi possível traçar alguns deputados vinculados às principais famílias políticas do estado, no entanto, neste processo de construção de forças iremos citar outras famílias que apesar de não apresentarem representantes no atual pleito fazem parte desse conjunto que oligarquizam o poder político amazonense.

Gráfico 1- Linhagem familiar (membros políticos)Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TSE, 2022.

A família Lins possui um histórico importante de participação nos pleitos municipais, estaduais e federais. Os irmãos Lins revezam-se em mandatos como deputados estaduais e federais, Belarmino Lins está no seu oitavo mandato consecutivo como deputado estadual, o irmão Átila Lins inicia a carreira como deputado estadual e atualmente está no seu oitavo mandato como deputado federal, seu irmão José Lins de Albuquerque foi deputado em dois mandatos. Atualmente, a família Lins mantém a continuidade na política local com a eleição de Fausto Jr. eleito para seu primeiro mandato como deputado estadual e Yomara Lins eleita vereadora pela cidade de Manaus.

A família Pinheiro é um interessante caso de grupo político que se formou no interior do estado e conseguiu capitanear votos para que um representante alcançasse a esfera estadual. Cercados de polêmica que vão desde exploração sexual de menores à contratação de funcionários fantasmas em seus gabinetes, a família Pinheiro começa sua trajetória política com a eleição para a prefeitura de Adail Pinheiro no município de Coari em 2001, sendo reeleito em 2005. A ascensão política de Adail Pinheiro, porém foi interrompida quando foi preso em 2014 envolvido em uma investigação por exploração sexual de menores. Em 2017, seu filho Adail Filho foi eleito prefeito de Coari tendo como vice sua irmã Mayara Pinheiro, esta última foi eleita a deputada estadual mais bem votada do estado do Amazonas. Além da sucessão familiar de pais e filhos, o atual prefeito de Coari Keitton Pinheiro é sobrinho de Adail Pinheiro; além de Keitton Pinheiro, outros membros da família já ocuparam cargos políticos como sua prima a vereadora Jeany Pinheiro e a ex-prefeita Dulce Pinheiro, tia do atual prefeito.

A família Nicolau começa sua carreira política como o patriarca Luiz Fernando que teve dois mandatos de deputado estadual e também dois mandatos como deputado federal. Seus filhos Ricardo Nicolau e Hiram Nicolau seguiram os passos do pai capitaneado pela sua projeção econômica e política. O primeiro elegeu-se vereador em 2000 e está no quinto mandato consecutivo de deputado estadual. O irmão mais novo Hiram Nicolau foi eleito vereador em 2016.

A família do Carmo Ribeiro tem uma trajetória política ligada com os grupos políticos que se revezavam no poder ingressou na política como deputado na Constituinte pelo PSD, foi eleito deputado em 1959 e Senador em 1963, com mandato até 1969 quando teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional nº 2. Seu filho Arthur Virgílio Neto, o pai, iniciou sua trajetória política em 1982 quando se elegeu deputado federal pelo PMDB, foi eleito deputado federal por mais três mandatos, foi Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Senador e prefeito de Manaus. Ingressou no PSDB em 1994, onde já atuou como secretário geral do partido e líder da bancada na Câmara e no Senado. Seu filho Arthur Bisneto, seguiu a trajetória política familiar, tendo três mandatos consecutivos como deputado estadual e um mandato como deputado federal.

Ainda no atual pleito da Assembleia Legislativa, outros deputados com um perfil ligado a heranças familiares, o deputado Serafim Corrêa está no segundo mandato consecutivo como deputado estadual, teve dois mandatos como vereador e foi prefeito de Manaus, seu filho Marcelo Serafim ingressou na política como deputado federal e atualmente está no terceiro mandato como vereador. O deputado Felipe Souza está no primeiro mandato como deputado estadual e é filho do ex-vereador Luizinho Souza. No entanto, os vínculos familiares podem se dar através de cônjuges; a deputada Nejmi Aziz está no seu primeiro mandato é esposa do atual Senador Omar Aziz, ex-governador do Amazonas, foi vereador e deputado estadual. A relação entre a representatividade feminina e herança familiar requer estudos mais aprofundados para verificar o nexo com as trajetórias individuais dessas mulheres (NOBRE, 2017), no entanto, observa-se que nos casos estudados há uma relação maior com o gênero masculino e entre filhos e netos.

A relação entre as famílias tradicionais e o poder aquisitivo também é um fator que contribui para o enraizamento destes grupos no poder. Historicamente existe uma conexão entre grandes proprietários com os grupos que oligarquizaram a política no Brasil. No estado do Amazonas há uma continuidade entre as relações econômicas dessas famílias e a representação política, onde grandes empresas familiares terão representantes no poder político.

A família Lins abrange um amplo setor do mercado educacional da cidade de Manaus. O empresário Nilton Costa Lins Júnior presidente da Universidade Nilton Lins é primo dos deputados Belarmino Lins e Átila Lins e são irmãos do empresário Wellington Lins, presidente do grupo educacional Fametro. O patrimônio dessa família se constituiu de faculdades a hotéis e atualmente adquiriram a Santa Casa de Misericórdia. Deste modo, é evidente as relações familiares entre os agentes políticos e o alto empresariado do Amazonas, materializando-se através ascensões controladas na esfera do poder que espraiam atualmente para os sobrinhos Fausto Jr. e Yomara Lins.

O capital eleitoral pode ser fortemente influenciado por tais relações econômicas, o Grupo de hospitais Samel atualmente é presidido pelo empresário Luís Alberto Nicolau, filho do falecido deputado estadual Luiz Fernando e irmão de Ricardo Nicolau (candidato ao governo do estado) e Hiram Nicolau, ambos possuem cargos no legislativo estadual e municipal respectivamente. A rede de hospitais de propriedade desta família apresentou uma grande expansão nos últimos dois anos, em virtude da pandemia de COVID-19, durante este período estabeleceu parcerias com a prefeitura de Manaus, essa visibilidade do grupo Samel foi oportunamente manejada para o campo político. Quando nas últimas eleições para a prefeitura de Manaus candidatou-se seu irmão Ricardo Nicolau sendo o terceiro candidato mais votado do pleito e reeleição do irmão mais novo, Hiram Nicolau, que está no seu terceiro mandato consecutivo como vereador na cidade de Manaus.

O envolvimento em denúncias de favorecimento público aos negócios da família Cidade, demonstram que o tráfico de influências está presente nas relações entre famílias políticas e poder econômico. O empresário Roberto Maia Cidade, dono da empresa Navegação Cidade, é pai do atual presidente da Assembleia Legislativa Roberto Cidade e irmão dos ex-deputados Orlando Cidade e Hamilton Cidade.

Entre as principais famílias estudadas, todas estão apresentando um ou mais candidatos para as eleições de 2022, as candidaturas geralmente são para os cargos do legislativo estadual, federal, senador e governador. Alguns dos membros dessas famílias citadas buscam sua reeleição, como Roberto Cidade, Mayara Pinheiro, conforme a tabela abaixo.

Tabela 1- Candidatos da ALEAM que concorrem ao Pleito 2022

CANDIDATOS

PLEITO 2022

Roberto Cidade

Candidato à reeleição a Deputado Estadual

Mayara Pinheiro

Candidata à reeleição a Deputado Estadual

Serafim Corrêa

Candidato à reeleição a Deputado Estadual

Fausto Júnior

Candidato a Deputado Federal

Ricardo Nicolau

Candidato ao Governo do Estado

Felipe Souza

Candidato à reeleição a Deputado Estadual

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da ALEAM, 2022.

A análise das famílias abordadas apresenta dinâmicas que vão além da simples relação entre o poder econômico espraiando-se sobre o campo político. Ao analisar as linhagens dos principais grupos familiares que apresentam representantes na política do Amazonas, observa-se uma construção que revela o desenvolvimento da política no estado, as redes de relações políticas que se estabelecem entre grupos familiares nas cidades do interior que influenciam a formação do executivo e o legislativo estadual. A dinâmica da política no estado não está concentrada apenas na capital.

A transferência do poder dentre estas mesmas famílias não parecem obedecer a uma lógica homogênea, assim encontram-se linhagens oriundas dos membros da mesma família (pai, filhos e netos) ou parentes. No entanto, observa-se uma tendência a uma forma de organização onde as linhagens são distribuídas primeiramente pelas vias dos legislativos municipal, estadual e federal e posteriormente para os cargos do executivo municipal e estadual. No entanto essa dinâmica está ligada também a circulação destes atores e a construção de alianças com os partidos políticos e com as lideranças mais consolidadas, tanto na esfera local como nacional. Como observamos na atuação de Arthur Virgílio Neto como secretário geral do PSDB e a trajetória do seu filho Arthur Bisneto como vereador, deputado estadual e federal.

A participação política das mulheres também é um ponto importante a ser destacado, a presença de mulheres sejam elas mães, esposas e filhas é relativamente pequena em relação a presença masculina. No atual pleito do legislativo estadual as deputadas Mayara Pinheiro e Nejmi Aziz são os dois casos que possuem uma vinculação familiar. Isto revela que os papéis sociais levam em conta uma lógica patrilinear e a presença feminina na política local apresenta uma forte ingerência das trajetórias individuais, ou seja, as famílias políticas apresentam uma tendência de “escolha dos elegíveis” dentro do sexo masculino.

A “qualificação” dos membros familiares que são elegíveis vai depender da participação destas famílias dentro da arena política, observamos no caso da família Pinheiro na cidade de Coari que houve uma verdadeira arquitetura com indicações de filhos, cunhados e sobrinhos tanto na eleição do legislativo e do executivo municipal como na cooptação de familiares para cargos públicos, gerando diversas denúncias de nepotismo e “funcionários fantasmas”. No entanto, a construção dessa rede de poder garantiu a eleição de Mayara Pinheiro como a deputada estadual mais bem votada no último pleito.

Referências Bibliográficas

BRAGA, Robério. Manaus: notícia histórica (1969-2019). Manaus: Reggo/Nova Métrica, 2020.

OLIVEIRA, Ricardo Costa; at all. Família, parentesco, instituições e poder no Brasil: retomada e atualização de uma agenda de pesquisa. Revista Brasileira de Sociologia. vol 05, No. 11. Set-Dez, 2017.

NOBRE, Maria Cristina de Queiroz. Herança familiar na política: retrato dos limites da democracia no Brasil contemporâneo. Revista Katál, Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 430-438, set-dez. 2017.