Entre supermaiorias legislativas e a instabilidade política: alguns apontamentos sobre o poder local nos municípios de Porto Velho, Ji-Paraná e Vilhena

João Paulo S. L. Viana; Patrícia M. C. de Vasconcellos; Melissa V. Curi; Jamila Martini

1. Introdução

Há um ditado na política brasileira que diz: “Tudo começa no município”. Se é inegável a importância da política local na vida dos cidadãos, por outro lado, há também relativo consenso entre os estudiosos acerca da fragilidade dos nossos partidos na arena municipal (ver, por exemplo, DANTAS & PRAÇA, 2012). Na maioria dos mais de 5.500 municípios do País, a fraqueza das legendas evidenciaria ainda mais o predomínio dos interesses de grupos políticos localistas no interior das câmaras municipais. De certo, a fragilidade da vida partidária no plano local contribui ainda mais para a preponderância dos prefeitos na relação com os vereadores. Via de regra, o Executivo municipal não teria dificuldades em impor sua agenda.

Com poucas exceções, nas principais cidades de Rondônia essa dinâmica não tem sido diferente. Única unidade federada onde Jair Bolsonaro (PL) venceu em todos os municípios, em cada um dos quatro turnos das eleições presidenciais de 2018 e 2022, Rondônia vivencia um processo de radicalização conservadora que caracteriza o estado como um dos maiores redutos da extrema direita brasileira na atualidade. Todavia, há algumas diferenças bastante significativas entre a capital, Porto Velho, e as principais cidades do estado, a maioria, situada no corredor da rodovia BR-364.

No presente boletim, analisaremos, ainda que de forma panorâmica, a dinâmica das forças políticas locais, fundamentalmente, nos Executivos municipais e nas câmaras de vereadores de Porto Velho, Ji-Paraná e Vilhena. Porto Velho, centro do poder político do estado, é uma cidade centenária que pertenceu anteriormente ao Amazonas. Com a fundação do antigo Território Federal do Guaporé, em 1943, o município tornou-se a capital do antigo território, consolidando-se como o centro político do estado fundado em 1982. Os municípios de Ji-Paraná e Vilhena, colonizados por maioria de migrantes sulistas e com forte predomínio do agronegócio na economia, foram fundados em 1977, sob a égide do regime militar. Ji-Paraná é a maior cidade do interior rondoniense. E Vilhena, cidade de Rondônia na fronteira com o Mato Grosso, constitui-se estrategicamente como um município de vital importância.

2. As forças políticas na Câmara Municipal de Porto Velho (CMPV) e a construção de uma supermaioria legislativa de apoio a Hildon Chaves (União)

Para alguns historiadores rondonienses, num contexto no qual só existiam dois municípios (Porto Velho e Guajará-Mirim), e diante da inexistência de uma assembleia legislativa no antigo território federal, a partir de sua reabertura em 1969 até a fundação do estado em 1982, a Câmara Municipal de Porto Velho (CMPV) exerceu suas atividades comparada a um parlamento estadual. No ano de 1977, com a criação dos primeiros municípios no corredor da BR-364, o poder político começaria a se transferir da capital, para uma nova elite política emergente, oriunda, majoritariamente, do sul do País, situada na parte leste rondoniense. Em 1976, portanto um ano antes, a representação de políticos com base eleitoral na BR-364 na câmara portovelhense já sinalizava o início desse deslocamento (FONSECA & VIANA, 2020).

Não obstante, após a fundação do estado em 1982, a casa legislativa da capital rondoniense continuou a ser a porta de entrada na vida pública de grandes nomes da política estadual. Entre políticos de peso do passado que exerceram mandatos como vereador mencionam-se: o ex-prefeito e deputado federal constituinte, José Guedes (PSDB); a ex-presidente da ALE-RO e ex-vice-governadora, Odaísa Fernandes (PSDB); o ex-presidente da ALE-RO e ex-vice prefeito, Amizael Silva (ARENA/PDS/PFL), já falecido; o ex-deputado federal, ex-vice-governador, o ex-tucano Aparício Carvalho (Republicanos); o ex-vice-prefeito, Emerson Castro (MDB); o ex-presidente da ALE-RO, Valter Araújo (PTB); o ex-deputado estadual Everton Leoni (PSDB); o ex-deputado estadual Ramiro Negreiros (PMDB); o ex-deputado estadual, Paulo Moraes (PDT/PL), também já falecido; o ex-deputado estadual Zequinha Araújo (PMDB); o ex-prefeito, ex-deputado estadual e federal, Mauro Nazif (PSB). Este último ainda hoje um ator importante na política estadual. Além de outros nomes de relevância no cenário regional.

Na atual elite política rondoniense, entre deputados estaduais e deputados federais, podemos citar o atual presidente da ALE-RO, Marcelo Cruz (PATRIOTA); os ex-deputados federais Léo Moraes (PODE); Mariana Carvalho (Republicanos); os deputados federais Maurício Carvalho (União Brasil); Cristiane Lopes (União Brasil); o deputado estadual Alan Queiroz (PODE); o ex-presidente da ALE-RO, Hermínio Coelho (PT); e o deputado estadual Jean Oliveira (MDB). Todos iniciaram na vida pública como vereadores na Câmara Municipal de Porto Velho.

Cumpre mencionar que Porto Velho nas últimas duas décadas foi governada por políticos de centro-esquerda, Roberto Sobrinho (PT) e Mauro Nazif (PSB), e mais recentemente, por Hildon Chaves (União), de centro-direita. Embora o estado seja um exemplo notório de uma guinada à extrema-direita, diferentemente do interior rondoniense, na capital as chances de vitória do campo progressista são sempre maiores, mesmo que nos últimos anos a realidade tenha sido bastante adversa à esquerda e centro-esquerda também em Porto Velho. Conforme o Censo de 2022, a cidade possui 460 mil habitantes. Nas eleições gerais de 2022, 344 mil eleitores estavam aptos a votar na capital, representando o maior eleitorado do estado.

Na atual legislatura, 14 partidos estão representados na Câmara Municipal de Porto Velho. A distribuição das cadeiras por partido na atual legislatura da CMPV é a seguinte: PODE (4); PSB (2); Republicanos (2); Patriotas (2); Avante (2); e União Brasil, PTB, PSDB, PROS, PL, PP, MDB, PSD, PV, com um assento cada. A composição atual da CMPV é majoritariamente formada por parlamentares governistas, apesar do partido do prefeito possuir apenas uma cadeira na casa legislativa. O prevalecimento de uma “lógica local” reforçaria ainda mais nosso pressuposto acerca da fragilidade dos partidos na arena municipal. No entanto, vale ressaltar que no próximo ano, na ocasião da abertura da janela partidária, são iminentes as possibilidades de que nomes importantes migrem para partidos dominados pelo grupo político de Hildon Chaves, especificamente, União Brasil e PSDB.

Desde o seu primeiro mandato iniciado em 2017, à época filiado ao PSDB, o prefeito, ex-tucano, Hildon Chaves (União Brasil), não tem tido grandes problemas em aprovar sua agenda na câmara de vereadores, mas, certamente, durante seu segundo mandato há um notório aumento de sua base parlamentar. Embora seu partido possua somente um vereador na câmara municipal, com o apoio do ex-presidente e maior liderança da casa, vereador Edwilson Negreiros (PSB), que exerceu por duas vezes a presidência do parlamento municipal, Hildon Chaves conta com maioria absoluta na casa. Atualmente presidida por Márcio Pacele (PSB), de base sindical e aliado direto de Edwilson, de um total de 21 vereadores, a Câmara Municipal de Porto Velho possui pelo menos 16 parlamentares na base de sustentação do Executivo.

Todavia, a partir de um arranjo liderado pelo grupo político de Hildon Chaves (União), à época ainda no PSDB, com o atual governador, Cel. Marcos Rocha (União), Edwilson abriu mão da candidatura a deputado estadual para apoiar diretamente a primeira-dama do município, Ieda Chaves (União). Neófita na vida pública e dotada de grande carisma político, Ieda foi eleita a segunda mais votada ao parlamento estadual, com uma votação estupenda. De fato, o apoio de Edwilson Negreiros à reeleição do governador Marcos Rocha (União) e à eleição da primeira-dama municipal à ALE-RO, contrariando inclusive a orientação do PSB estadual para apoio aos candidatos proporcionais do partido e ao ex-governador Daniel Pereira (SD), foi de fundamental importância para o sucesso eleitoral na capital do grupo do prefeito e do governador.

Seguramente, a supermaioria legislativa construída por Hildon deve ser creditada a Edwilson Negreiros. Inclusive, há grandes chances de Edwilson migrar em breve para o União Brasil ou PSDB, como explicitado anteriormente. Importante ressaltar que o PSDB ainda é um partido no qual o prefeito possui forte influência. Em conversa com o presidente municipal da legenda tucana, o empresário Lindomar Carreiro, fomos informados de que há possibilidade de migração de vários vereadores ao partido com vistas à disputa das eleições de 2024.

Importante elencar também um grupo experiente de vereadores na atual legislatura da câmara municipal, entre eles, o atual líder do prefeito na casa, Marcelo Reis (PSDB), Aleks Palitot (PTB), Ellis Regina (PODE), Dr. Macário Barros (PODE), Everaldo Fogaça (Republicanos). Além de nomes de relevantes famílias políticas, como Júnior Queiroz (PODE) e Márcio Oliveira (MDB). Entre os parlamentares, Ellis Regina é um dos únicos nomes que pode ser considerado independente. De posição política mais progressista, professora, servidora pública municipal, Ellis, que possui base política nos sindicatos, começou sua vida pública no PC do B, partido pelo qual desempenhou vários mandatos na casa. Atualmente está filiada ao Podemos.

O professor e historiador Aleks Palitot (PTB), em seu segundo mandato, é outro caso interessante. Ainda que filiado ao PTB, Palitot é um parlamentar moderado, ideologicamente considerado um político de centro. Na eleição de 2016, foi o mais votado e chegou à casa de leis da capital sob grande expectativa da população. Após um primeiro mandato independente, Palitot é atualmente um dos principais membros da base aliada do prefeito. Consultado pelos autores, ele argumentou que há em curso pela atual gestão um projeto voltado à coletividade do município, o que justificaria o apoio majoritário ao Executivo no parlamento municipal. Entretanto, Aleks Palitot fez questão de frisar que, embora o prefeito tenha sido, em sua opinião, induzido ao erro na formulação do projeto de reajuste do IPTU, desde o episódio os parlamentares municipais têm tido mais cautela ao analisarem as proposituras do Executivo.

A Lei Complementar nº 926 em 23 de dezembro de 2022 foi proposta pelo Poder Executivo, encabeçado pelo Prefeito Hildon Chaves, e tinha como objetivo aumentar o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em 30% em relação ao ano anterior. Esse aumento seria diluído ao longo de cinco anos. A população de Porto Velho reagiu fortemente ao aumento considerado abusivo e utilizou as redes sociais para demonstrar seu descontentamento. Os protestos e a pressão popular levaram os vereadores a repensar a situação. Em resposta, eles decidiram modificar a lei, aumentando o período de diluição do aumento para dez anos.

De fato, o projeto de reajuste do IPTU contou com o apoio majoritário da casa legislativa municipal. De autoria do Poder Executivo, a Lei Complementar Municipal nº 926/22 foi aprovada pela Câmara de Vereadores em dezembro de 2022. Não obstante, a medida ocasionou um descontentamento generalizado na população e sob forte pressão de entidades da sociedade civil organizada, diante do início de uma crise envolvendo a prefeitura, a câmara de vereadores e as instituições de controle, o Executivo municipal acatou um requerimento aprovado de forma unânime pelos vereadores e recuou com a proposta original de reajuste do IPTU. O Projeto de Lei Complementar nº 04/2023 revogou a atualização da Planta Genérica de Valores (PGV) e instituiu um novo percentual de reajuste para o IPTU na capital, bem abaixo dos valores apresentados no projeto inicial.

Importante frisar que, seguindo um padrão nacional na relação Executivo-Legislativo, a coalizão de apoio ao Executivo Municipal na CMPV está assentada sobre uma partilha de poder que envolve o controle de secretarias e a distribuição de cargos na administração pública municipal. Porém, diante de uma notória fragilidade dos partidos no âmbito local, a dinâmica dessa divisão de poder se dá diretamente entre o prefeito e os vereadores, e não entre o chefe do executivo e os partidos, exacerbando o caráter personalista da representação. Ademais, imprescindível mencionar que a inexistência, ou fragilidade, de uma oposição firme e responsável, ainda que minoritária no parlamento, enfraquece o debate público e compromete a própria qualidade da representação.

Nesse sentido, a supermaioria legislativa de Hildon Chaves (União) na CMPV, embora não garanta a manutenção de seu grupo político no poder após as eleições de 2024, contribui expressamente para que os aliados do prefeito cheguem à disputa na condição de favoritos. Por outro lado, tendo em vista se tratar de uma ampla coalizão política há iminentes possibilidades de um racha com vistas à corrida eleitoral do próximo ano. Se considerarmos a aliança entre prefeito e governador, diga-se de passagem, fundamental para a reeleição no plano estadual do Cel. Marcos Rocha (União), atualmente podemos contabilizar pelo menos quatro possíveis candidatos pertencentes ao mesmo grupo. Com notórias pretensões ao governo estadual, o atual mandatário de Porto Velho sabe que a vitória de um aliado em 2024 ao Prédio do Relógio, sede da prefeitura, é um pré-requisito primordial para suas chances na disputa estadual de 2026.

3. Ji-Paraná, o domínio familiar no poder local e o retorno das crises políticas

Maior cidade do interior de Rondônia, com quase 125 mil habitantes e mais de 90 mil eleitores, Ji-Paraná representa o segundo maior colégio eleitoral do estado, atrás somente da capital, Porto Velho. Município de grande importância, está situado praticamente no meio do caminho entre a capital, Porto Velho, e Vilhena, cidade rondoniense mais próxima da fronteira com o Mato Grosso. Após uma fase de relativa instabilidade política, sobretudo, entre os fins da década de 1990 e o início dos anos 2000, a próspera cidade logrou um período de considerável estabilidade, principalmente, durante as gestões de José de Abreu Bianco (pelos antigos PFL e DEM) e, posteriomente, Jesualdo Pires (PSB). Entretanto, desde a renúncia de Jesualdo, para concorrer ao Senado em 2018, o município tem passado por momentos de turbulências que, há exatamente um mês, com o afastamento do atual prefeito, Isaú Fonseca (MDB), sinalizaram para um iminente retorno a um quadro de instabilidade política.

Primeiro presidente da ALE-RO, ex-governador e ex-senador, o advogado José Bianco governou a cidade por três períodos, os dois últimos exercidos entre 2005 e 2012. Pedessista e peefelista histórico no estado, Bianco foi sucedido pelo engenheiro civil e ex-deputado estadual, Jesualdo Pires (PSB). Considerado um político moderado, no ano de 2016, Jesualdo foi reeleito com cerca de 70% dos votos, renunciando ao seu segundo mandato em 2018 para concorrer ao Senado Federal. Apesar de ser um dos candidatos favoritos à época, devido, sobretudo, a boa avaliação que sua administação possuía junto à população jiparanaense, o contexto que o estado vivenciava seguindo um padrão nacional de guinada à extrema direita – quadro que se perpetua em Rondôna até os dias atuais, foi fundamental para a derrota de Jesualdo naquela eleição. Cumpre mencionar que ambos, Bianco e Jesualdo, governaram a cidade com maiorias sólidas na câmara municipal e, portanto, sem graves problemas na relação com o Legislativo.

Após a renúncia para desincompatibilização de Jesualdo (PSB), o vice, Marcito Pinto (PDT) assumiu o cargo e governou até o dia 25 de setembro de 2020. Na ocasião, a Polícia Federal prendeu um grupo de prefeitos de importantes cidades do interior de Rondônia, durante a “Operação Reciclagem”, entre eles, Marcito que, naquele momento, afastado do cargo, não retornaria à prefeitura. Poucas semanas após o afastamento de Marcito, em 15 de novembro daquele ano, Isaú Fonseca (MDB) venceria a eleição para a prefeitura de Ji-Paraná. De fato, a partir da prisão e afastamento de Marcito, uma conjuntura de instabilidade retornaria à política jiparanaense.

Eleito para o seu primeiro mandato à frente da prefeitura de Ji-Paraná, filiado ao partido mais tradicional do estado, o MDB, Isaú foi vereador na cidade em três legislaturas, exercendo também a presidência da câmara, cargo do qual já havia sido afastado anos atrás. Em que pese contar com elevada popularidade, há um mês uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público de Rondônia, com o apoio da Polícia Federal e da Polícia Civil dos estados do Acre e Goiás, denominada “Horizonte de Eventos”, afastou Isaú Fonseca, consistindo no segundo mandatário da cidade afastado do cargo pela Justiça em menos de três anos. Ainda na eleição de 2020, seu filho, Welinton Fonseca (MDB), popularmente conhecido como “Negão filho do Isaú”, sagrou-se também vitorioso ao seu segundo mandato na Câmara Municipal de Ji-Paraná, tornando-se, em seguida, presidente da casa.

A atual composição partidária na Câmara Municipal de Ji-Paraná encontra-se assim: MDB (2); PDT (2); PSDB (2); Republicanos (2); Solidariedade (2); União (1); PSD (1); PSB (1), Patriota (1); PTB (1); PT (1); NOVO (1). Como explicitado anteriormente, o Legislativo municipal é presidido pelo filho do prefeito eleito em 2020 e, recentemente, afastado do cargo. Ambos filiados ao MDB, Isaú Fonseca e Welinton Fonseca, comandam os poderes Executivo e Legislativo municipais e o prefeito afastado conta com maioria significativa na câmara de vereadores. Nesse sentido, pai e filho ocupando os maiores cargos do Executivo e Legislativo municipal, denotaria uma situação a qual as instituições de controle classificariam, notoriamente, como: “fator de risco”. Em abril de 2021, com apenas quatro meses no cargo de presidente da câmara municipal, Welinton Fonseca foi reeleito para o segundo biênio, obtendo treze votos, alcançando apoio até mesmo na oposição.

Não obstante, a oposição minoritária e de partidos ideologicamente distintos tem procurado atuar de forma mais organizada em algumas votações e temas importantes. Inclusive, o próprio afastamento de Isaú deve ser creditado a atuação desse grupo na casa de leis jiparanaense. Rosana Pereira (NOVO), Brunno Carvalho (Solidariedade), Edizio Barroso (Solidariedade) e Vera Márcia (PT) são os principais opositores do prefeito na Câmara Municipal de Ji-Paraná. Foi de autoria da vereadora Rosana Pereira (NOVO) a denúncia que culminou com a investigação e, consequentemente, o afastamento do prefeito do cargo.

Assim, embora haja uma ampla maioria pró-governo no parlamento municipal, a começar pelo presidente da casa, essa supermaioria legislativa precisa lidar diretamente com a oposição aguerrida de poucos vereadores. No mês de janeiro desse ano, os parlamentares Rosana Pereira, Edizio Barroso e Vera Marcia lideraram um grupo de vereadores que conseguiu na Justiça uma liminar que garantia a abertura de uma CPI da Educação na câmara municipal. Além dos três, os edis Brunno Carvalho (Solidariedade), Marcelo Lemos (PSD) e Nim Barroso (PSD), este último atualmente deputado estadual, também assinaram o pedido de CPI. De fato, em alguns momentos, há uma clara tentativa da minoria em atuar como uma espécie de “bloco parlamentar articulado”. Ressalta-se que há possibilidades de algumas migrações de partido na ocasião da janela partidária no próximo ano.

Nesse contexto, a vereadora Rosana Pereira (NOVO) vem se destacando como um quadro que pode, inclusive, surpreender na corrida eleitoral à prefeitura em 2024. Obviamente que não será uma eleição fácil. Mesmo afastado do cargo, Isaú Fonseca (MDB) ainda segue bem avaliado pela população. Há também chances do retorno de Jesualdo Pires (PSB) à vida pública, ainda que o ex-prefeito e ex-deputado estadual tenha declarado sua vontade de se aposentar das disputas eleitorais. Outro nome que desponta como um possível ator de relevância à prefeitura de Ji-Paraná em 2024, é Laerte Gomes, ex-presidente da ALE-RO e ex-prefeito de Alvorada d’Oeste. Uma candidatura que pode contar com o apoio do atual senador Marcos Rogério (PL). Porém, tudo ainda é muito incerto, principalmente, devido ao recente afastamento do chefe do Executivo. Em breve, apresentaremos uma análise especial sobre os prognósticos para a eleição de 2024.

4. A pujante Vilhena e sua instabilidade política crônica

No plano político, Vilhena vive uma crise que se recusa a ceder. De forma paradoxal à sua economia pujante, politicamente a cidade possui uma história bastante conturbada. Com quase 100 mil habitantes e cerca de 60 mil eleitores, o município foi governado durante mais de uma década pela família Donadon, um dos mais poderosos “clãs” da política rondoniense durante os anos de 1990 e 2000. De trajetória bastante controversa, os Donadon administraram o município em período de grande desenvolvimento. Mesmo após a condenação e o afastamento da vida pública, decretados pela Justiça, de seus principais caciques, Melki, Natan e Marco Antônio, e longe de se comparar aos anos dourados do domínio do clã na política estadual, a família detém ainda hoje grande prestígio político e eleitoral na região, agora, sob a liderança de quadros femininos, a ex-prefeita, Rosani Donadon (PSD), e a deputada estadual Rosângela Donadon (União).

Principalmente depois do fracasso da gestão do prefeito José Luiz Rover (PP), liderança que chegou ao poder em oposição aos Donadon, mas após oito anos viu sua administração acabar de forma melancólica, com a prisão de Rover e seu vice, Jacier Rosa Dias (PSC), em novembro de 2016, ainda no exercício do mandato. Com o afastamento de ambos, assumiu interinamente o cargo o presidente da câmara municipal, Célio Batista (PR). De lá pra cá, Vilhena tem se tornado um caso notório de instabilidade política crônica. Afastamentos, cassações, prisões e eleições suplementares tem sido uma marca da política vilhenense, com uma média de um prefeito a cada dois anos. Essa dinâmica, inclusive, tem mantido a família Donadon sempre como um ator relevante, devido, fundamentalmente, ao fracasso das gestões dos opositores que os sucederam.

Nesse contexto, a eleição municipal de 2016 foi marcada pelo retorno do clã Donadon ao poder na cidade, com a vitória nas urnas de Rosani Donadon, à época filiada ao MDB, esposa do ex-prefeito Melki Donadon. Apesar de empossada no cargo, o mandato de Rosani foi cassado em ação movida pelo Ministério Público Eleitoral, sob a alegação de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2008, quando ela foi candidata a vice-prefeita, na chapa do esposo, Melki. Em 2018, com a cassação de Rosani pelo TSE, novamente um presidente da câmara municipal assumiu interinamente o cargo: Adilson de Oliveira (PSDB). Logo em seguida, ainda no ano de 2018, o empresário Eduardo “Japonês”, à época filiado ao PV, foi eleito em uma eleição suplementar. Importante ressaltar que o mesmo Japonês havia perdido a eleição para Rosani em 2016.

Reeleito no ano de 2020, ainda pelo PV, Eduardo Japonês, juntamente com sua vice, foi também cassado pela Justiça Eleitoral em 2022, já filiado ao PSC, abrindo caminho para a segunda eleição suplementar no município em quatro anos. No intervalo de aproximadamente seis meses, entre a cassação de Japonês e a realização do novo pleito eleitoral suplementar, marcado para a mesma data das eleições gerais do ano passado, o vereador Ronildo Macedo (PODE), então presidente da câmara, esteve à frente da prefeitura. Era o terceiro presidente da câmara a assumir interinamente o Executivo, num período de seis anos.

Atualmente, o município é governador pelo delegado de Polícia Federal, Flori Cordeiro de Miranda Júnior (PODE), eleito na disputa suplementar de 2022. Outsider na política, Flori chega ao poder suscitando as esperanças dos eleitores principalmente no que se refere ao combate à corrupção. Embora filiado ao Podemos, partido que conta com o maior número de representantes na câmara de vereadores, incluindo o presidente da casa, Samir Ali, o prefeito tem tido uma relação bastante difícil com o parlamento local.

No tocante à Câmara Municipal de Vilhena, as coisas também não têm sido diferente. Entre outubro e novembro de 2016, sete vereadores, de um total de dez parlamentares, tiveram a prisão decretada pela Polícia Federal, sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. Conforme as investigações, os vereadores participavam de um esquema de corrupção para a aprovação de loteamentos no município. Na eleição de 2016, três deles, Carmozino Moreira (PSDC), Júnior Donadon (PSD) e Vanderlei Graebin (PSC), foram reeleitos para o cargo, sendo diplomados e, posteriormente, empossados.

A legislatura atual conta atualmente com nove partidos representados, num total de 13 cadeiras: PODE (3); AVANTE (2) ; PSD (2); e PSB (1); PSC (1); PROS (1); PP (1); PV (1); União (1). Como assinalado anteriormente, ainda que o Podemos constitua a maior bancada do legislativo municipal, há sensível dificuldade por parte do Executivo vilhenense em aprovar importantes temas de sua agenda na câmara de vereadores. O que, inclusive, reforçaria nosso argumento acerca da fraqueza das legendas no plano local, num contexto de predominância dos interesses de grupos particulares. De fato, há uma certa insatisfação do presidente da câmara municipal, Samir Ali, com o seu correligionário, o prefeito delegado Flori. Para mencionar as dificuldades enfrentadas pelo Executivo, são vários os pedidos de urgência na tramitação de matérias negadas pela câmara de vereadores, inclusive, em votações unânimes contrárias ao prefeito.

No início de junho, o presidente da câmara, Sami Ali (PODE), convocou os vereadores e cogitou a possibilidade de abertura de CPI contra o Executivo, com a justificativa de que algumas questões que estariam ocorrendo, consideradas graves, poderiam acarretar em abertura de uma CPI. Sami Ali frisou, de forma acentuada, a prioridade de diálogo entre os poderes, o que foi prontamente apoiado por outros edis. Dentre os mais diversos temas enfrentados pela atual gestão do delegado Flori, a questão da terceirização da saúde pode ser compreendida como o mais polêmico assunto, enfrentando atualmente problemas de judicialização. Numa outra sessão, realizada em 11 de abril, o vereador Ronildo Macedo, também do Podemos, e desafeto político de Sami Ali, levantou questionamento acerca da forma como o Executivo estaria tratando o tema, com gastos que chegariam a mais de R$ 72 milhões. Recentemente, o Ministério Público de Contas (MPC-RO) emitiu parecer manifestando preocupação com a questão da terceirização da Saúde em Vilhena.

No Podemos, apenas o vereador Dhonatan Pagani está um pouco mais alinhado ao prefeito. Macedo e Ali, inimigos políticos entre si, atuam mais como uma oposição ferrenha ao chefe do Executivo, do que como correligionários. Diante de um Podemos completamente desestruturado e, na maioria das vezes, opositor do próprio prefeito na cãmara municipal, o PSD é uma possível força política que pode se apresentar como alternativa nas próximas eleições ao Executivo. O Avante se encontra dividido dentro do parlamento. Um caso curioso é o da vereadora professora Vivian Repessold (PP), opositora do atual mandatário do município, ela pode deixar o PP para se filiar ao PT com a promessa de ser candidata à prefeitura em 2024. Nesse contexto de profunda crise política que se arrasta há anos, a família Donadon pode ganhar politicamente, inclusive, com boas chances de retornar ao poder em 2024. Há também grandes possibilidades de uma mudança substancial no quadro partidário local com a janela partidária, no próximo ano

Some-se a esta conjuntura, o descrédito popular com a atual administração. Frequentemente o prefeito é considerado inábil nas relações com os vereadores e lideranças populares. Num momento de recomposição de forças, as dificuldades de traquejo político tendem constantemente a atrapalhar o atual mandatário. Todavia, no que diz respeito à corrupção, até o momento, não há nada que pese contra o chefe do Executivo. Importante ressaltar que sua eleição, deve-se, sobretudo, às expectativas da população de Vilhena no tocante às questões de transparência e moralidade, após anos de escândalos de corrupção e desmandos na administração pública que acarretaram uma situação iminente de instabilidade política crônica no município. Não obstante, a atual conjuntura apresenta, em vários aspectos, um quadro de paralisia decisória e perpetuação da crise política, decorrentes, em larga medida, das dificuldades que o Executivo vem enfrentando diante do Legislativo.

5. Balanço em forma de conclusão

O objetivo desta análise foi apresentar, ainda que de forma panorâmica, a dinâmica das forças políticas em três dos principais municípios rondonienses, dando ênfase à relação entre prefeitos e câmaras de vereadores. Não obstante apresentarem realidades distintas, uma questão em comum é o esfacelamento do campo progressista. Embora com mais intensidade em Ji-Paraná e Vilhena, até mesmo a capital Porto Velho vivencia um período de recrudescimento do atual processo de radicalização à direita no estado. Outro ponto em comum, é a iminente possibilidade de mudança na composição partidária das três câmaras de vereadores, a partir do próximo ano, na abertura do período legal para mudanças de legenda. Porém, se em Porto Velho a tendência é que essa possível migração ocorra majoritariamente em direção aos partidos mais próximos a Hildon Chaves (União e PSDB), em Vilhena, atualmente, não se pode dizer que as mudanças partidárias ocorrerão em direção à base do prefeito.

Uma questão verificada em Porto Velho diz respeito ao quadro de total debilidade (ou até inexistência) de oposição na câmara municipal. Diante de uma supermaioria legislativa construída pelo Executivo, a falta de oposição na CMPV é algo altamente danoso à democracia. Isso demonstra que, num quadro de fortalecimento do campo conservador nos últimos anos, talvez, até mais importante do que pensar em candidaturas ao Executivo municipal em 2024, o campo progressista precisa focar na disputa ao parlamento municipal. A inexistência de oposição a Hildon Chaves (União) é, fundamentalmente, um reflexo direto do esfacelamento da esquerda e da centro-esquerda também na capital.

No município de Ji-Paraná, o que mais preocupa na atual crise política é o domínio familiar nos poderes Executivo e Legislativo. Com o afastamento, em princípio, temporário, do atual prefeito, evidencia-se que o retorno das crises políticas no município desde 2020 está relacionado diretamente às questões de falta de transparência e malversação de recursos públicos. Mesmo com sólido apoio popular e da câmara municipal ao chefe do Executivo, Isaú Fonseca (MDB), episódios como o seu afastamento podem minar os rumos da gestão e culminar com a perda da supermaioria legislativa, principalmente, num contexto de uma oposição atuante, ainda que minoritária.

Em Vilhena, sem dúvida, uma das questões mais instigantes se refere ao paradoxo entre instabilidade política crônica e a pujança econômica da cidade. Uma das maiores economias do estado, o município vive há anos uma situação de crise institucional profunda, em meio a diversos escândalos de corrupção envolvendo o Executivo e o Legislativo municipal. Embora do ponto de vista legal, não há nada que desabone a conduta do atual prefeito, delegado Flori (PODE), a falta de habilidade política tem contribuído para uma conjuntura que beira a paralisia decisória e pode perpetuar o quadro de instabilidade política.

Como já observado, a dinâmica política dos municípios analisados possui em comum o quadro de notório enfraquecimento do campo progressista. Aliado a isso, pesa a questão do personalismo e a debilidade partidária – um padrão nacional quando focamos a análise no plano local. Seguramente, retornaremos a análise sobre a arena municipal nos próximos meses, em busca de compreender, sobretudo, a conjuntura que se desenha para a disputa eleitoral às prefeituras destas três importantes cidades rondonienses.

6. Referências

FONSECA, Dante Ribeiro; VIANA, João Paulo S. L.; Do Território do Guaporé ao Estado de Rondônia: Geopolítica, eleições e mudança de elites na Amazônia. EdUFRR: Boa Vista, 2020.

DANTAS, Humberto; PRAÇA, Sérgio. Coligações entre partidos nas eleições municipais de 2004 e 2008: Estudo de caso DEM/PFL e PT. Revista Liberdade e Cidadania, n. 17, 2012.

VIANA, João Paulo S. L. Uma triste história da Câmara de Vereadores da pujante e promissora Vilhena. Blog Legis-Ativo. Estadão. fev. 2017. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/legis-ativo/uma-triste-historia-da-camara-de-vereadores-da-pujante-e-promissora-vilhena/

Matérias consultadas em sites de notícias:

https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2023/03/07/iptu-em-porto-velho-prefeito-diz-que-aumento-do-valor-do-imposto-sera-diluido-em-10-anos.ghtml
https://rondoniaovivo.com/noticia/geral/2023/03/02/escandaloso-valores-do-iptu-2023-em-porto-velho-sao-exorbitantes-e-cidadaos-protestam.html#:~:text=Em%202022%2C%20o%20valor%20bruto,de%20R%24%204.862%2C72.
https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2023/07/13/prefeito-de-ji-parana-ro-e-afastado-por-suspeita-de-liderar-esquema-que-desviou-r-17-milhoes-do-municipio.ghtml
https://g1.globo.com/ro/vilhena-e-cone-sul/noticia/rosani-donadon-e-afastada-do-cargo-e-presidente-da-camara-assume-prefeitura-de-vilhena-ro.ghtml
https://tcero.tc.br/2023/08/07/terceirizacao-da-saude-em-vilhena-e-objeto-de-parecer-do-mpc-ro/
https://www.rondoniadinamica.com/noticias/2020/09/marcito-pinto-prefeito-de-ji-parana-esta-entre-os-presos-pela-pf-em-rondonia,86006.shtml
https://gazetarondonia.com.br/noticia/9625/em-ji-parana-vereadora-rosana-pereira-ganha-na-justica-o-direito-de-instalar-cpi-da-educacao
https://comando190.com.br/noticias/politica/imoral-em-apenas-4-meses-vereador-wellington-negao-se-reelege-como-presidente-da-camara-municipal-de-ji-parana/9117
https://www.folhadosulonline.com.br/noticias/detalhe/2023/pt-se-prepara-para-lancar-candidato-prefeito-em-vilhena-em-2026-vereadora-deve-se-filiar-ao-partido
https://www.folhadosulonline.com.br/noticias/detalhe/2023/prefeito-cancela-edital-para-contratacao-milionaria-e-explica-dilema-para-manter-avancos-na-saude-em-vilhena
https://www.folhadosulonline.com.br/noticias/detalhe/2023/vereador-cutuca-prefeito-e-diz-que-ele-ter-suposto-desejo-por-cpi-atendido-pela-camara-em-vilhena
https://www.folhadosulonline.com.br/noticias/detalhe/2023/video-vereador-se-diz-espantado-liberacao-mais-r-72-milhoes-para-saude-vilhena-apos-quase-meses-gestao

*Os autores agradecem ao vereador da CMPV, Aleks Palitot; ao ex-chefe de gabinete da presidência da CMPV, Ronaldo Baylão; ao presidente municipal do PSDB em Porto Velho, Lindomar Carreiro; ao advogado eleitoralista Demétrio Justo; à ex-vereadora de Ji-Paraná, Marcia Regina; e a dois colaboradores anônimos, de Ji-Paraná e Vilhena, respectivamente, pelas contribuições e interlocuções fundamentais ao desenvolvimento deste trabalho. Ressaltamos que eventuais equívocos são de nossa inteira responsabilidade.