Agenda Ambiental e Poder Legislativo Municipal: a experiência das Leis Ambientais em Manaus

Marilene Corrêa da Silva Freitas, Ludolf Waldmann Júnior, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite, Simone Machado de Seixas

INTRODUÇÃO

A evolução da agenda ambiental no país e nas suas unidades subnacionais é processada ao longo do tempo por uma combinação quase infinita de instituições, atores e interesses. O histórico da política ambiental brasileira está prestes a completar um século de progressiva ampliação. E é neste cenário que podemos observar o caminho criado ao longo de todo esse tempo.

Os primeiros códigos são da década de 1930, sendo os primeiros, em 1934, os de Florestas e Águas. Já os códigos de Pesca, Minas e Caça, assuntos prementes no modo de vida do Brasil rural, são de 1938, 1940 e 1943, respectivamente. Progressivamente, a ampliação da legislação ambiental abarcou outros pontos sensíveis do ponto de vista do impacto ambiental, como a fauna, em 1967, os recursos marítimos, em 1974, e o controle da poluição, em 1975.

A partir da década de 1980, a política ambiental criou importantes instrumentos de fiscalização e controle, a exemplos das Estações Ecológicas e da Política Nacional de Meio Ambiente, ambas de 1981. Já na década de 1990, houve um recrudescimento da legislação com a adoção de penalidades com a criação das leis de crimes ambientais, institucionalização das secretarias estaduais e municipais, e, em nível federal, a transformação da secretaria em Ministério do Meio Ambiente, em 1992.

Nos últimos trinta anos, a política ambiental brasileira foi continuamente aprimorada a ponto de se tornar uma das mais avançadas do mundo. A política regulatória foi traduzida em Agência Nacional de Águas e Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, de 2000. Anos depois, mais duas políticas nacionais foram institucionalizadas, a de Recursos do Mar e a de Biossegurança, as duas em 2005, e a de Saneamento Básico, em 2007, de Mudança do Clima, em 2009, e Resíduos Sólidos, em 2010.

O catálogo regulatório ganhou novos contornos com a aprovação do novo Código Florestal, em 2012, e a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, de 2015. Embora tenha enfrentado algumas resistências nos últimos anos, a legislação ambiental brasileira é extremamente sofisticada em seu escopo legal e coerente com os imperativos socioambientais das regiões e seus respectivos biomas.

As leis nacionais embasaram parte importante das legislações ambientais nas unidades subnacionais. Como se sabe, o desenho do federalismo brasileiro, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988, estabelece que o país é regido política e administrativamente por três entes federativos, a saber: a União, os estados e os municípios. Uma vez combinados, cada um conta com atribuições próprias na forma do Estado nacional, bem como na representação diante das demandas locais e estaduais. No âmbito municipal, as Câmaras de Vereadores constituem o Poder Legislativo, com papel relevante na fiscalização das prefeituras e na produção de leis na municipalidade.

O presente boletim visa mapear a produção legislativa e analisar as leis voltadas à questão socioambiental da atual 18ª Legislatura (2021-2024) da Câmara Municipal de Manaus, que se encontra hoje no seu segundo biênio. Desta maneira, trataremos dos seguintes pontos: 1) a produção legislativa geral, com foco nos Projetos de Lei (PLs) considerando o período entre 2021 e setembro de 2023; e 2) a produção voltada para a temática de meio ambiente neste mesmo espaço temporal.

1 – A PRODUÇÃO LEGISLATIVA

A eleição municipal de 2020, decidida no segundo turno, foi vencida por David Almeida (Avante), ex-deputado estadual e governador interino. A sua coligação, Avante Manaus, era composta por partidos de centro-direita – Avante-PMB-PTC-PRTB-PV-DEM-PROS – e obteve apenas dez assentos na Câmara Municipal de Manaus. Todavia, dada a enorme fragmentação partidária e fracionalização parlamentar, logo o Poder Executivo conseguiu arregimentar substantiva maioria na sua base parlamentar de apoio. Assim, é perfeitamente possível identificar uma maioria legislativa temporariamente aliada à agenda executiva do prefeito.

É de fundamental importância entendermos, portanto, que no processo de interação sofisticada entre o Executivo e o Legislativo na arena municipal – e mesmo em outras arenas decisórias do sistema político brasileiro –, a agenda do primeiro tende a prevalecer sobre a do segundo. Desse modo, definimos como escopo de análise, o período referente ao início da legislatura da Câmara Municipal de Manaus (2021) até o mês de setembro do corrente ano. Ao todo, foram apresentados, até o fechamento deste boletim, um total de 1367 PLs, cuja distribuição em áreas temáticas pode ser observada no gráfico 1.

Gráfico 1 – Projetos de Lei por Classificação Temática
Tabela
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

Nota-se uma considerável produção legislativa focada nos temas ligados à “Saúde” com 14,48%, à “Educação, Cultura e Esportes” com 13,83% e aos “Honoríficos e Simbólicos” (13,39%). A primazia destes assuntos não chega a ser surpreendente, considerando o papel diminuto dos municípios no processo de elaboração e implementação de políticas públicas relacionadas à Saúde e à Educação, bem como a produção significativa de leis honoríficas, criação de novas datas comemorativas, calendários e denominação de vias, praças e edifícios públicos. Nota-se ainda que os agentes políticos de Manaus e em outras cidades brasileiras possuem a prática de propor PLs voltados à defesa de pautas simbólicas, na sua grande maioria visando beneficiar os seus nichos religiosos, culturais e ideológicos.

Destaca-se também a categoria “Outros”, que lidera a classificação das propostas com 18,36% e que se refere a todos os projetos que não estão incluídos nas demais áreas temáticas estabelecidas: por exemplo, incluem propostas para adoção e utilização do Símbolo Internacional de Acessibilidade da ONU (PL 287/2022), proibição do uso de elevadores por crianças desacompanhadas por adultos (PL 238/2021) e instituição do Programa Farmácia Veterinária Solidária (PL 164/2023).

Em quinto lugar, no ordenamento das prioridades da produção legislativa, estão os projetos sobre “Meio Ambiente e Energia”. Ao tomar este tema como eixo temático, o legislador tem como objetivo o incentivo ao desenvolvimento de fontes de energias limpas e a sua aplicação nas políticas de desenvolvimento sustentável. É em nome da bioeconomia que as PLs estimulam a abertura do mercado para esta inovação nas tecnologias limpas e renováveis.

Gráfico 2 – Propostas de PLs por Partidos
Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

No que se refere à autoria partidária dos PLs, também podemos observar algumas tendências relevantes para o escopo de nossa análise. Para fins de elaboração dos gráficos 2 e 3, selecionamos apenas o(a) autor(a) principal da proposta. O partido mais propositivo é o Podemos, que apresentou 197 PLs, 14,41% do total. Hoje, com cinco vereadores, o Podemos é um dos partidos com maior representação na CMM. Em seguida, o Republicanos com 164 (12%) propostas, seguido do Partido Verde (PV) com 133 (9,74%) e do Cidadania com 130 (9,51%) propostas.

Exceto PV, os demais partidos não pertenciam à coligação eleitoral vitoriosa, mas hoje fazem parte da base parlamentar de sustentação do governo municipal. A trama esquerda e direita, ou governo e oposição, precisa ser mitigada na interação executivo-legislativo na arena municipal.

Gráfico 3 – Autoria de PLs por Vereador
Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

Tratando da autoria dos PLs, destaca-se o vereador Fransuá, autor de todas as propostas apresentadas pelo PV e cuja atuação coloca o partido como um dos mais propositivos na CMM. Em seguida, aparecem Rodrigo Guedes (Podemos), Marcio Tavares (Republicanos) e William Alemão (Cidadania). Outro nome em destaque é de Amom Mandel (Podemos), que foi o vereador mais jovem da história de Manaus e acabou eleito deputado federal pelo Amazonas nas eleições gerais de 2022.

Gráfico 4 –Tramitação de PLs na CMM
Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

Das 1367 propostas, um número pequeno delas, 64, equivalente a 4,68%do total, acabou aprovada. A maioria, algo em torno de 664 (48,57%) permanece em tramitação e um número um pouco menor, 623 (45,57%) foi arquivado, o que revela uma taxa de aprovação baixa da produção legislativa dos vereadores da CMM.

2 – A PRODUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE MEIO AMBIENTE

A agenda ambiental tem ganhado considerável relevância nas últimas décadas, tanto por causa do agravamento das mudanças climáticas, como também da desastrosa política ambiental brasileira do último governo federal, especialmente naquela que concerne à região amazônica. Dada a crescente importância deste assunto, presume-se que a temática tenha ocupado maior espaço nos debates nos diferentes níveis federativos do país, incluindo municípios, notadamente a cidade de Manaus. Além disso, cumpre observar que cidade abriga importantes agências e instituições de pesquisa ambientais estaduais e federais (como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, além da formação avançada de Mestrado e Doutorado no Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, e Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental na Universidade do Estado do Amazonas – UEA, o Museu Natural da Amazônia – MUSA) o que, em tese, favoreceria a produção de conhecimento e conscientização da população e governantes quanto a necessidade das políticas ambientais.

Conforme pudemos observar no gráfico 1, a categoria “Meio Ambiente e Energia” constitui o quinto assunto mais abordado na produção legislativa da CMM no período analisado, com 111 PLs apresentados, o que equivale a 8,12% do total. No que se trata dos assuntos abordados pelos projetos, a maioria aborda questões associadas aos animais domésticos, mas temas como campanhas de conscientização ecológica, tratamento de resíduos e reciclagem, bem como alterações na legislação ambiental também têm destaque. Outra observação importante é que alguns dos PLs classificados como “outros” contemplam medidas de proteção aos animais domésticos.

Gráfico 5 – Produção de PLs na categoria “Meio Ambiente e Energia”
Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

A distribuição da produção de PLs com o tema “Meio Ambiente e Energia” mostra que o partido mais propositivo no assunto é o Partido da Mobilização Nacional (PMN), com 34 projetos (cerca de 30,63% do total) e que atualmente conta com três cadeiras na CMM. Em seguida, o Republicanos, também com três vereadores, com 23 propostas (20,72%). É interessante notar que o PV, tradicionalmente identificado com pautas ecológicas e sustentáveis, ocupa a quinta posição em relação à produção legislativa do tema com sete PLs apresentados (6,30%), pese o fato de contar com um único vereador.

Gráfico 6 – Autoria de PLs por Vereador
Tabela

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

Quando se observa os autores das PLs, os vereadores Kennedy Marques (PMN), Marcio Tavares (Republicanos) ficam consideravelmente à frente de seus colegas no que diz respeito às propostas de “Meio Ambiente e Energia”. As propostas do primeiro são exclusivamente ligadas para a questão animal, sobretudo em relação aos animais domésticos. Este tema também é bastante abordado nas PLs apresentadas pelo segundo, ainda que também tenha propostas relacionadas à política de resíduos e reciclagem, bem como campanhas de conscientização ambiental. As PLs de Fransuá (PV), por sua vez, tratam de diversos temas da agenda ambiental, como campanhas de conscientização ecológica, reciclagem e descarte adequado de resíduos sólidos. Finalmente, Rodrigo Guedes (Podemos) apresentou projetos associados à questão energética, incluindo fontes renováveis de energia.

Gráfico 7 –Tramitação de PLs de “Meio Ambiente e Energia”
Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente
Fonte: elaboração dos autores com base na CMM (2021-2023)

No que se refere ao processo de tramitação e aprovação das propostas da categoria “Meio Ambiente e Energia”, o quadro é similar ao do total das PLs apresentadas na legislatura atual. Assim, das 111 propostas, apenas quatroforam aprovadas, o que equivale a 3,60% do total. A maioria (53, 47,74%) permanece em tramitação e um número praticamente idêntico (52, 46,84%) foi arquivado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados mostram a atuação do legislativo manauara no período entre 2021 e setembro de 2023, ressaltando os focos de atuação dos vereadores em 2021-2023. Há uma considerável quantidade de propostas de Projetos de Lei (PLs) e emendas que foram apresentadas pelos vereadores, em grande medida tratando de temas relacionados à saúde, à educação e aos títulos honoríficos. Os partidos mais propositivos foram, respectivamente, o Podemos, o Republicanos, o Partido Verde e o Cidadania. Cabe ressaltar ainda que os vereadores que apresentaram maior número de PLs são justamente destes partidos, com destaque para o vereador Fransuá, campeão de proposições e responsável por todas aquelas de seu partido, o PV.

Há um volume considerável de propostas relacionadas ao tema “Meio Ambiente e Energia”, quinta categoria no que se refere ao total de PLs apresentados, com grande ênfase na produção de legislação associada à causa animal, sobretudo animais domésticos. Em termos partidários, o Partido da Mobilização Nacional (PMN) e Republicanos se destacam, o primeiro em grande medida pela atuação do vereador Kennedy Marques, que tem a causa animal como uma de suas pautas principais. Já o segundo, muito graças ao vereador Marcio Tavares, que também tem propostas predominantemente associadas aos animais domésticos, mas apresentou uma agenda ambiental um pouco mais variada.

Um último dado relevante mostra que tanto as PLs, em geral, como aquelas associadas ao tema “Meio Ambiente e Energia”, têm um processo de tramitação relativamente lento e com alta taxa de arquivamento. Cabe destacar que esse dado se refere à produção legislativa dos vereadores da CMM, pois para a elaboração destes dados não foram incluídas as propostas apresentadas pelo Executivo municipal, liderado pelo prefeito Davi Almeida (Avante).

Agradecimentos: Iniciativa Amazônia + 10.
Placa branca com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média