A geografia do voto no Amapá: os perfis de duas candidaturas proporcionais em 2018.

Ivan Silva, Paulo Gustavo Correa, Marcus Cardoso, Giovanna Lourinho

APRESENTAÇÃO

O objetivo deste boletim é apresentar, em linhas gerais, alguns fundamentos do sucesso eleitoral das principais candidaturas puxadoras de voto no Amapá em 2018 a partir de dois eixos: a distribuição geográfica do voto, por um lado, e o padrão de financiamento, por outro. Para tanto, foram escolhidas duas das candidaturas mais votadas na última eleição geral – uma para a Assembleia Legislativa do Estado do Amapá (ALAP) e outra para a Câmara dos Deputados: Marília Góes (PDT) (a segunda candidata mais votada) e Camilo Capiberibe (PSB) (o candidato mais votado). A escolha dessas duas figuras se deve a três fatores principais: em primeiro lugar, figuraram entre as candidaturas mais bem-sucedidas de 2018; em segundo lugar, possuem grande representatividade política e partidária, com importante trajetória política institucional; e, em terceiro lugar, pertencem às duas principais famílias políticas do Amapá – que, inclusive, hegemonizaram a disputa pelo Executivo no estado nas últimas duas décadas: a família Góes e a família Capiberibe.

A análise da geografia do voto dessas candidaturas será realizada por meio da utilização de mapas interativos, construídos a partir da sistematização dos dados das seções eleitorais organizados com apoio do software R. Além de um mapa com o(a) candidato(a) mais votado(a) em cada município, e outro com a votação de cada município como proporção da votação total do(a) candidato(a), será utilizado, ainda, um mapa de espalhamento de Moran, que permite a visualização tanto da correlação espacial dos padrões de votação, como, também, a relação dessas correlações com seus entornos geográficos (O’SULLIVAN, UNWIN, 2010). Os dados serão aqui discutidos à luz dos conceitos de dispersão e concentração geográfica dos votos (AMES, 2003). A discussão sobre padrão de financiamento se apoia na publicização das receitas de campanha que está disponível no site do TSE.

DEPUTADA MARÍLIA GÓES (PDT)

Marília Brito Xavier Góes é delegada civil, filiada ao Partido Democrático Trabalhista, deputada estadual e casada com o atual Governador do Estado do Amapá. Em sua terceira disputa bem-sucedida à ALAP (foi eleita, também, em 2014 e em 2010), figurou como a segunda candidatura mais votada no pleito. Além de ser um quadro importante do PDT no estado, a deputada pertence a uma das principais famílias políticas amapaenses: seu esposo, Waldez Góes (PDT), está em seu quarto mandato como Governador do Amapá, além de ter sido, antes disso, deputado estadual, e o primo de seu esposo, Roberto Góes (PDT), foi prefeito de Macapá, deputado estadual e deputado federal.

A pedetista recebeu 8.950 votos em 2018, figurando, assim, na segunda colocação entre as candidaturas com a maior votação no pleito – atrás, apenas, da deputada Alliny Serrão (eleita pelo DEM) por apenas 37 votos. Desse total, 4.992 votos vieram da capital do estado (55,78%) – único município em que a deputada figurou como a mais votada entre todas as candidaturas em disputa. Assim, havendo uma forte correlação entre a quantidade de votos que a deputada recebeu em 2018 e a cidade, Macapá é seu principal reduto eleitoral.

Mapa 1: Deputado(a) Estadual mais votado(a) por município (AP)
Fonte: Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

Os seus melhores desempenhos proporcionais foram nos municípios de Macapá (com 0,35% dos votos totais da cidade), Santana (0,13%) e Porto Grande (0,06%), e, os piores, nos municípios de Itaubal, Calçoene, Serra do Navio, Pracuúba e Cutias (0,01%). Há, aqui, alguns dados importantes: seu melhor desempenho eleitoral foi na cidade mais rica do estado (a capital), que possui o maior salário médio per capita dos trabalhadores formais (4 salários mínimos), segundo dados de 2020[1], e que apresentou, em 2010, o IDHM mais elevado (0,733) e a menor porcentagem de pessoas com rendimento até meio salário mínimo (39%); por outro lado, seu pior desempenho eleitoral foi registrado na cidade com o maior proporção de pessoas vivendo com até meio salário mínimo por mês (50,9%) e com o mais baixo IDHM do estado (0,576), segundo dados de 2010; nas duas outras cidades que, junto a Itaubal, apresentaram os piores índices socioeconômicos do estado – Tartarugalzinho (média de 1,6 salários mínimos, 49,7% da população vivendo com até meio salário mínimo e IDHM de 0,592) e Mazagão (média de 1,8 salários mínimos, 48,2% da população vivendo com até meio salário mínimo e IDHM de 0,592) –, a deputada também teve votações proporcionalmente baixas: 0,02% e 0,03%, respectivamente.

Considerando que seu principal reduto eleitoral é a capital do estado, dois municípios vizinhos apresentam características opostas (como pode ser observado no mapa a seguir): Santana (segundo maior município amapaense) possui um valor alto em uma vizinhança com valor também alto (o que reforça a hipótese de que a maior força eleitoral da Marília Góes está situada na região metropolitana), enquanto Itaubal (cidade em que a deputada teve seu pior desempenho proporcional) possui um valor baixo em uma vizinhança com valor alto.

Mapa 2: Mapa de Moran – Marília Góes (PDT)
Fonte: Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

Quando considerada a votação por município em relação ao número total de votos recebidos pela deputada, as cidades com maior participação proporcional no número total de votos que recebeu são três (duas, das quais, as maiores do estado): Macapá (55,78%), Santana (12,89%) e Porto Grande (6,04%) – todos eles situados na região sudeste do estado:

Mapa 3: Votação por município em relação aos votos totais – Marília Góes (PDT)
Fonte: Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

Quanto ao financiamento de campanha, a maior fatia das suas receitas eleitorais no pleito de 2018 veio do financiamento público: a candidata arrecadou, ao todo, R$ 458.672,00, dos quais, R$ 200.000,00 (43,6%) vieram do Fundo Partidário e R$ 100.000,00 (21,8%) vieram do Fundo Especial. Do montante geral arrecadado, R$ 158.672,00 (34,59%) vieram de doações de pessoas físicas – que, embora minoritárias em relação ao financiamento público, representaram mais de um terço dos recursos totais. Os recursos privados foram oriundos de 50 doadores e doadoras, e o maior valor unitário doado foi de R$ 11.200,00 (7,6% do total de doações de pessoas físicas). Entre os(as) cinco maiores doadores(as) da campanha, há uma dona de restaurante, um procurador, dois delegados de polícia civil e uma professora.

DEPUTADO CAMILO CAPIBERIBE (PSB)

Carlos Camilo Góes Capiberibe é bacharel em Direito e mestre em Ciência Política. Filiado ao Partido Socialista Brasileiro, já participou de cinco eleições: foi candidato a deputado estadual em 2006, eleito para seu primeiro mandato parlamentar; disputou a Prefeitura de Macapá em 2008 – quando chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Roberto Góes (PDT) –; concorreu ao Governo do Amapá em 2010, e foi eleito; concorreu, em 2014, à reeleição, mas foi derrotado por Waldez Góes (PDT); e, por fim, disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, em 2018, e se elegeu como o deputado federal com o maior número de votos no Amapá. Além de sua trajetória partidária e eleitoral, tendo ocupado postos tanto no Legislativo como no Executivo, pertence a outra família que, junto à família Góes, hegemonizou em grande medida as disputas eleitorais para o governo estadual nos últimos anos: é filho de João Capiberibe (PSB) – que já foi prefeito de Macapá, governador e senador – e de Janete Capiberibe – que já foi vereadora de Macapá, deputada estadual e deputada federal.

Tal como no caso da deputada Marília Góes, o deputado Camilo Capiberibe possui um padrão de voto bastante concentrado na capital do estado (e, no seu caso, com uma participação proporcional ainda maior): embora Macapá tenha sido o único município em que o pessebista foi o candidato mais votado, dos 24.987 votos totais que recebeu, 18.222 (72,93%) votos vieram da capital – que também representa seu principal reduto eleitoral:

Mapa 4: Deputado(a) Federal mais votado(a) por município (AP)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

Os seus melhores desempenhos proporcionais foram verificados nas cidades de Macapá (0,73%), Oiapoque (0,04%) e Laranjal do Jari (0,04%), e, os piores, em Pracuúba e Serra do Navio (em que sequer chega a receber 0,01% dos votos totais do município). Em outros cinco municípios, o deputado também teve baixos percentuais de votação proporcional (0,01%), o que reforça a concentração do seu eleitorado na capital: Pedra Branca do Amapari, Calçoene, Amapá, Cutias e Vitória do Jari. Quanto ao espalhamento de Moran, tal como no caso da Deputada Marília Góes, dois municípios apresentam características opostas: Santana (alto/alto) e Itaubal (baixo/alto).

Mapa 5: Mapa de Moran – Camilo Capiberibe (PSB)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

Quando considerados os municípios cuja votação teve maior participação proporcional na votação total do deputado, também três cidades se destacam: Macapá (72,93%), Santana (8,53%) e Oiapoque (4,5%). Há, aqui, uma diferença em relação à eleição da deputada pedetista: embora o maior peso também se situe na região metropolitana, o terceiro município em participação proporcional foi a cidade no extremo norte do Amapá, com forte presença de população indígena e ribeirinha – o que pode ser explicado pelas ligações históricas da família Capiberibe com algumas pautas das populações tradicionais.

Mapa 6: Votação por município em relação aos votos totais – Camilo Capiberibe (PSB)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do TRE-AP

O financiamento público representou quase a totalidade das suas receitas de campanha, em 2018: do total arrecadado (R$ 507.211,00), 98,58% (R$ 500.000,00) vieram do Fundo Especial, e apenas 1,42% (R$ 7.211,00) vieram de doações de pessoas físicas – seis, no total. O maior valor unitário doado foi R$ 3.000,00, e, somados, os três maiores doadores – dois advogados e uma professora de psicologia – totalizaram 97,1% do total de recursos privados arrecadados.

CONCLUSÃO

Há, entre as duas candidaturas, perfis eleitorais bastante próximos: contam com um eleitorado majoritariamente urbano, com forte presença nas regiões de maior poder aquisitivo e com um desenvolvimento socioeconômico relativamente mais elevado. O reduto eleitoral de ambos se situa na capital do estado, que representou a maior parcela de seus votos totais – e, no caso do deputado Camilo Capiberibe, alcançou quase 3/4 dos seus votos totais. Seus piores desempenhos eleitorais foram verificados, em geral, em municípios menores, com maior proporção dos seus habitantes vivendo em situação de pobreza, e que apresentaram piores índices de desenvolvimento econômico e social. Ambos, portanto, possuem um perfil de votação bastante concentrado.

Quanto ao padrão de financiamento das campanhas, há aproximações e afastamentos: embora em ambas as candidaturas o financiamento público tenha sido a fonte principal de receitas, no caso do Camilo ele representou quase a totalidade de todos os seus recursos (98, 58%); já no caso da Marília, ainda que o financiamento público também tenha sido majoritário (65,4%), as doações de pessoas físicas cumpriram também um papel importante na composição das suas receitas (34,6%).

Embora as famílias Góes e Capiberibe sejam adversárias de longa data no estado (dado que se mantém), ambas apoiam o mesmo candidato ao Governo do Amapá: o ex-prefeito de Macapá Clécio Luís (Solidariedade). Camilo é candidato à reeleição, pelo PSB – em uma dobradinha com seu pai, João Capiberibe (PSB), que é candidato ao Senado com o apoio do ex-Presidente Lula (PT) – e Marília assumiu, em março de 2022, uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE/AP) – após uma disputa judicial em razão de uma acusação de nepotismo em sua indicação pela ALAP (barrada por uma decisão liminar em primeira instância, mas confirmada após decisão do Tribunal de Justiça do Amapá).

REFERÊNCIAS

AMES, Barry. Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.

O’SULLIVAN, David; UNWIN, David J. (2010) Geographic information analysis. New Jersey: John Wiley and Sons, 2010.

  1. Todos os dados socioeconômicos dos municípios foram extraídos do portal IBGE Cidades. Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ap/panorama.