LEGISLATIVO ESTADUAL: O Ascenso familiar na Assembleia de Roraima

Antonia C. Miguel, Cleber B. Franklin, Edileuson S. Almeida, Jeferson F. Castro

Este estudo pretende, focalizado na Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALERR), apontar a existência ou não em Roraima do predomínio de famílias nas instituições políticas. De antemão, pode-se afirmar que não se repete o fenômeno com a magnitude como na Bahia, no Maranhão ou em Minas Gerais, mesmo com nomes como Brasil e Magalhães que estão presentes na história local desde o início do século XIX.

Antes, um breve comentário sobre a criação dos territórios federais, uma vez que, até hoje, a política roraimense reflete as decisões que foram emanadas do poder central. Quando em mensagem ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da Sessão Legislativa em 1951, o Presidente Getúlio Vargas[1] enfatizou a necessidade da criação dos cinco Territórios Federais (1943)[2] “para levar vida à solidão dessas regiões, atendendo, ao mesmo tempo, às exigências de ocupação efetiva da terra, de povoamento, de valorização e a segurança de pontos chaves do território nacional”. Entretanto, no mesmo pronunciamento reconheceu que os resultados alcançados estavam aquém do esperado.

Criados em durante a Segunda Guerra Mundial e em pleno regime ditatorial, estavam posicionados em frente de antigos litígios territoriais: o do Amapá junto à Guiana Francesa e Holandesa, o do Guaporé junto à Bolívia, o de Iguassú com a Argentina e Paraguai, o de Ponta Porã com o Paraguai e o do Rio Branco com a Guiana Inglesa e a Venezuela. Com a exceção da Argentina, nenhum outro antigo litigante representava uma possível ameaça ao Brasil. Além de ter sido o litoral nordestino a região de maior interesse estratégico. Cessada a guerra e com a queda de Vargas, perdeu-se parte dos objetivos.

Já o regime ditatorial instaurado em 1964 teve como um de seus argumentos centrais conjugar desenvolvimento com segurança. Levando-o a utilização de princípios geopolíticos, somados ao planejamento regional e ao desenvolvimento extensivo do capitalismo foram as bases para as grandes transformações ocorridas na Amazônia. Esse modelo propunha as restrições das atividades políticas, a reserva de setores econômicos para a burguesia nacional, a abertura ao capital internacional e o Estado como interventor.

No caso específico do então Território Federal do Rio Branco[3], sua população dispersa continuava economicamente operando o extrativismo, a pecuária extensiva, a garimpagem diamantífera e a agricultura de subsistência (BARROS, 1995). Atividades que, segundo Ribeiro (1986), há levado à processos de transfigurações étnicas das populações indígenas, inclusive ao extermínio, e que têm proporcionado um embate político polarizado que segue presente, se de um lado, o respeito aos direitos dos indígenas à sua existência física e cultural, do outro lado, a exploração econômica de seus territórios.

Outra característica de então era a inexistência de ligação terrestre com o restante do país, dependendo de sua principal hidrovia – o Rio Branco – cuja sazonalidade do nível de suas águas prejudica a navegação. Mesmo assim, durante décadas, o tráfego fluvial entre Manaus e Caracaraí era a única opção logística. Daí o desempenho em abrir rodovias como a BR-174, principal rodovia que liga o Amazonas à Venezuela, cortando Roraima no sentido norte-sul; a BR-210, também conhecida como a Perimetral Norte, e a BR- 401, ligação com a Guiana. Rodovias que têm facilitado as ondas migratórias para a região. Incentivados pelos projetos de assentamentos implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pelos garimpos e pelo agronegócio, milhares de brasileiros têm sido atraídos para o estado[4].

Recentemente, o que tem caracterizado demograficamente é a migração de venezuelanos e venezuelanas. Segundo a Plataforma Regional de Coordenación Interagencial para Refugiados y Migrantes de Venezuela (R4V)[5], atualmente há 351.958 refugiados (a) e migrantes venezuelanos (a) no Brasil. Sendo Roraima o principal local de entrada e de permanência, mesmo com a interiorização oficial de 82.822 pessoas e um número não preciso que se deslocam por conta própria para fora do estado, conclui-se que um número razoável de pessoas permanece principalmente na capital. Nos últimos processos eleitorais foi abordado a temática da migração venezuelana. Espera-se que no próximo pleito o tema seja central.

Retornando ao tema proposto, a primeira propriedade a ser destaca é a da autonomia política. O estado de Roraima foi criado pela Constituição de 1988, sendo efetivado a partir de janeiro de 1991, quando das posses do primeiro governador eleito e da primeira legislatura para a ALERR. Além dos três primeiros senadores e o aumento de quatro para oito de sua representação na Câmara dos Deputados[6]. Antes, como Território Federal de Roraima (TFRR), o espaço político estava limitado às decisões emanadas de Brasília, com as exceções da representação na Câmara dos Deputados e dos legislativos municipais[7].

A livre nomeação pelo Presidente da República do governador e a pouca representatividade no âmbito federal podem ser apontadas como redutores ao surgimento de grupos familiares consolidados. Com o agravante de que entre 1943 e 1991 o país esteve em dois períodos autoritários. Destarte, a primeira tentativa para ampliar a participação familiar ocorreu já no período final do regime de 1964, quando em 1986, foram eleitos para a Câmara dos Deputados Ottomar de Souza Pinto e sua esposa Maria Marluce Moreira Pinto.

O Brigadeiro Ottomar, governador nomeado entre 1979 e 1983, após a sua saída do governo, tentou ser eleito prefeito de Boa Vista em 1985. Já em 1990, sagrou-se vitorioso na primeira eleição para o governo estadual, como também sua esposa ao primeiro mandato como senadora, sendo reeleita em 1994. Deu continuidade a uma série de vitórias e derrotas: eleito prefeito de Boa Vista (1996), perdeu a reeleição em 2000; em 2002 disputou e foi derrotado para o governo estadual, sendo diplomado após a cassação do então governador Flamarion Portela (2004). Reeleito em 2006, faleceu em 2007. Ampliou o envolvimento familiar ao apoiar a candidatura de duas de suas filhas: Otília Natalia Pinto Latge, eleita prefeita de Rorainópolis (2000), e Marília Natalia Pinto Reginatto, eleita deputada estadual em 2002, reeleita em 2006. Sua ausência encerrou a influência de sua família.

Junto com o Coronel Hélio da Costa Campos[8], foram os destaques políticos da fase da Aeronáutica. Segundo Freitas (1993), após o golpe de 1964, ocorreu entre as Forças Singulares a divisão política dos três territórios, ficando a Aeronáutica encarregada por Roraima. Foram quatro oficiais superiores e dois oficiais generais que governaram o TFRR entre os anos de 1964 e 1983. Período o qual a Amazônia esteve no centro do planejamento estatal como um espaço a ser integrado e conquistado. Daí o cargo de governador ter sido um posto militar.

No escrutino de 1990, compareceu outro candidato ao governo que tem tido uma participação política destacada e que também ampliou o espaço para alguns de seus familiares, o economista Romero Jucá Filho. Após uma turbulenta passagem como presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), foi nomeado governador do TFRR pelo Presidente José Sarney (1988-1990). O seu governo, para Santos (2013), representou a tentativa de transição do modelo de intervenção estatal para um modelo empresarial mineral. Incentivador da exploração mineral na Terra Indígena Yanomami, arregimentou sou base política entre os garimpeiros e comerciantes. Foi para o segundo turno, mas não conseguiu derrotar o já conhecido Brigadeiro Ottomar. No entanto, conseguiu eleger para a Câmera dos Deputados a sua então esposa conhecida como Teresa Jucá. Maria Teresa Sáenz Surita Guimarães adotou o sobrenome até a separação.

Candidato vitorioso ao Senado Federal em 1994, foi reeleito em 2002 e 2010. Nesse período foi vice-líder do governo na presidência de Fernando Henrique Cardoso e líder do governo dos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Por breves intervalos fora ministro da previdência social de Lula e do planejamento de Michel Temer. Concorre a uma vaga ao Senado após não ser reeleito em 2018.

Mesmo com o término do matrimônio, politicamente, Teresa e Romero continuam a compor uma dupla. Ela vem se destacando como prefeita de Boa Vista, saindo vitoriosa em todos os pleitos para o executivo municipal (1992, 2000, 2004, 2012 e 2016). Regressou em 2919 à Câmara dos Deputados. Soma derrotas para o governo de Roraima (1998) e para o Senado Federal (2006). Concorre pela segunda vez ao governo do estado.

Romero também teve seu filho Rodrigo eleito deputado estadual em 2010. Após concorrer em 2014 e ser derrotado ao cargo de vice-governador, em chapa encabeçada pelo então governador Chico Rodrigues, por enquanto, não se apresentou a cargos eletivos.

Mais um exemplo de ascenso foi a vitória do então deputado estadual Antônio Mecias Pereira de Jesus para o Senado Federal em 2018. Maranhense, iniciou a sua trajetória política como vereador no município de São João da Baliza, região sudeste do estado. Obteve cinco mandatos, sendo três vezes o deputado mais votado, justamente no período que presidiu a ALERR. Ao ponto de sustentar por três escrutínios a vitória de seu filho o deputado Johnathan Pereira de Jesus para a Câmara Federal. Sendo que, em 2010. Johnathan era um estudante de medicina sem nenhuma experiência política. O que reforça o clientelismo, uma característica da política local (GAMA NETO, SANTOS, 2021).

Em uma sociedade dependente economicamente do serviço público, a folha de pagamentos da ALERR remunera 3884 servidores[9], sendo a maioria comissionados, ou seja, de livre nomeação da mesa diretora, o que pode justificar o desempenho de Mecias, como de seu sucessor Jalser Renier Padilha.

Um outro ex-presidente da ALERR que vem conseguindo uma transferência geracional é o ex-deputado Francisco de Sales Guerra Neto, pai da atual deputada Catarina de Lima Guerra da Silva. Cassado em 2016, com base na Lei da Ficha Limpa, pelo seu envolvimento no “escândalo dos gafanhotos”, Chico Guerra, como é conhecido, fora o único deputado presente até então em todas as legislaturas. Sua base política é o município de Caracaraí, onde sua irmã Maria do Perpétuo Socorro de Lima Guerra Azevedo foi prefeita no período de 2016 a 2020. Surpreendente foi a capacidade de transferência de votos entre pai e filha, uma vez que foi a primeira experiência eleitoral dela e o fato de ter sido condenado no maior escândalo político do estado pouco abalou o seu prestígio. Inclusive outros envolvidos obtiveram vitórias eleitorais, e no caso do ex-governador Neudo Campos que, após o seu impedimento, transferiu seu prestígio elegendo a sua esposa Suely Campos governadora em 2014.

Após este recorrido quanto a existência ou não de famílias dominando a política roraimense mediadas pela ALERR, constata-se que ocorreram tentativas de ampliar o predomínio político, como foi o caso da família Pinto, que tiveram quatro membros ocupando cargos no executivo e no legislativo. Ou da família Jucá que chegaram a ter três familiares em diferentes cargos eletivos. Como foi dito, após a morte de Ottomar, a família perdeu força e hoje não há nenhum membro disputando cargos.

Quanto ao grupo encabeçado por Romero Jucá ou por Teresa Surita, ambos estão disputando cargos majoritários. Ele pleiteia o retorno ao Senado Federal e ela mais uma vez tenta ser governadora. Pelo menos a curto prazo não se vislumbra a participação de familiares.

Já a família do senador Mecias tem a vantagem de que ele está na metade do mandato. Quanto ao deputado Johnathan, é candidato ao seu quarto mandato federal. Até o momento, ambas as carreiras estavam atreladas ao desempenho de Mecias como deputado estadual. Diferentemente de sua visibilidade na ALERR, onde atendia os seus pares e pode construiu uma rede clientelista, sua atuação no Senado Federal não tem lhe dado o mesmo prestígio.

Quanto a família Guerra, por enquanto, somente a deputada Catarina está na disputa. Seu pai continua inelegível e a tia foi mal avaliada enquanto prefeita ao ponto de não concorrer a reeleição. Outras lideranças vêm ocupando o espaço em Caracaraí, como é o caso do ex-prefeito e deputado estadual Antônio Eduardo Filho, mais conhecido como Odilon, que concorre ao terceiro mandato e nas duas últimas eleições foi o mais votado no município.

O crescimento populacional também pode ser apontado como fator para a não existência de famílias enraizadas na política roraimense, além da falta de autonomia até o início da década de 1990, com reflexo no eleitorado. Conforme dados do Tribunal Eleitoral de Roraima[10], de 2018 para 2022 houve um acréscimo de 10,48%, passando de 331.490 para 366.240 eleitores. Provavelmente esses novos eleitores deixarão as suas marcas nas eleições que se aproximam.

Enquanto as possíveis influências da disputa para a Presidência da República no eleitorado para o legislativo estadual, os candidatos terão que optar por inovar as suas propostas devido ao congestionamento de apoiadores à reeleição do atual Presidente. Em recente pesquisa[11], ele lidera no estado com 66% das intenções de votos. Índice próximo à média dos resultados nos dois turnos de 2018, quando obteve 66,97% no primeiro turno e 71,55% no segundo turno dos votos válidos[12]. Uma vez que, se seguirem a pauta conservadora nos costumes, armamentista, desrespeito às minorias e ao meio ambiente e de crescimento econômico a qualquer custo estarão no mesmo saco.

Referências

BARROS, Nilson. Roraima, Paisagens e Tempo na Amazônia Setentrional. Recife: Editora da UFPE, 1995.

FREITAS, Aimberê. A História Política e Administrativa de Roraima de 1943 a 1985. Manaus: Editora Umberto Calderaro, 1993.

GAMA NETO, Ricardo; SANTOS, Roberto. Amazônia, Instituições e Processos Políticos de Governo. Embu das Artes/SP: Alexa Cultural; Manaus: EDUA, 2021.

RIBEIRO,Darcy. Os Índios e a Civilização. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

SANTOS, Nelvio. Política e Poder na Amazônia: O caso de Roraima (1970-2000). Boa Vista: Editora da UFRR, 2013.

  1. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/getulio-vargas/mensagens-ao-congresso/mensagem-apresentada-na-abertura-da-sessao-legislativa-1951/@@download/file/mensagem-apresentada-na-abertura-da-sessao.pdf. Acessado em: 09 de set de 2022.

  2. Decreto-Lei N°5.812, de 13 de setembro de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del5812.htm. Acessado em: 09 de set de 2022.

  3. Pela Lei N°4.182, de 13 de dezembro de 1962, o nome do Território passou a ser Roraima. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4182-13-dezembro-1962-354017-publicacaooriginal-1-pl.html. Acessado em: 09 de set de 2022.

  4. Segundo o Censo de 2010, a população de Roraima era de 450.479 pessoa. A estimativa para o ano de 2021 é de 652.713 pessoas, o que corresponde a um aumento de aproximadamente 69 % . Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/panorama. Acesso em: 08 de set de 2022.

  5. Disponível em: https://www.r4v.info/es/node/247. Acesso em: 08 de set de 2022.

  6. O §1° do Art. 58, da Constituição de 1946, determinava que cada território teria um deputado federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acessado em: 08 de set de 2022.

    Número que foi ampliado para dois pela Emenda Constitucional N° 8, de 14 de abril de 1977. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc08-77.htm. Acessado em: 08 de set de 2022.

    E para quatro pela Emenda Constitucional N° 22, de 29 de junho de 1982. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc22-82.htm. Acessado em: 08 de set de 2022.

  7. O Art. 7°, do Decreto-Lei N° 5.839, de 21 de setembro de 1943, determinava que os prefeitos dos municípios dos Territórios Federais seriam nomeados pelos respectivos governadores. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5839-21-setembro-1943-415958-publicacaooriginal-1-pe.html. Acessado em: 08 de set de 2022.

    As primeiras eleições para os Executivos Municipais ocorreram em 15 de novembro de 1985, conforme o Art. 1°, da Lei N° 7.332, de 1° de julho de 1985. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7332-1-julho-1985-367981-norma-pl.html. Acessado em: 08 de set de 2022.

  8. Hélio Campos foi governador por dois períodos (1967-1969 e 1970-1974). Eleito deputado federal por dois mandatos (1975-1979 e 1973-1983). Em 1990 foi o senador mais votado, falecendo logo após a posse em 1991.Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/194. Acessado em: 10 de set de 2022.

  9. Disponível em: https://transparencia.al.rr.leg.br/download/qtde-de-servidores-por-setor-agosto-2022/?wpdmdl=13460&refresh=631fa94b1ea6e1663019339. Acessado em: 08 de set de 2022.

  10. Disponível em: https://www.tre-rr.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/mais-de-366-mil-eleitores-estao-aptos-a-votar-nas-eleicoes-2022. Acessado em: 10 de set de 2022.

  11. Disponível em: https://www.opovo.com.br/eleicoes-2022/2022/09/05/pesquisa-ipec-lula-lidera-estados-bolsonaro-veja-resultado-por-estado.html. Acessado em: 10 de set de 2022.

  12. Disponível em: Sistema de Estatísticas Eleitorais – SEE (tse.jus.br). Acessado em: 10 de set de 2022.