Os mapas da vitória e as estratégias familiares para as eleições no Amazonas: da dispersão eleitoral à concentração política.

Marilene Corrêa da Silva Freitas, Paula Mirana Sousa Ramos,Breno Rodrigo de Messias Leite, Simone Machado de Seixas

Introdução

A democracia eleitoral brasileira é avessa a toda ordem de determinismos. Os ciclos eleitorais dão as condições para que diferentes estratégias e projetos – pessoais ou partidários – se façam valer no curto, médio ou longo prazos. As combinações estratégicas que resultam em vitórias ou derrotas nas urnas fazem com que os atores precisem rever os meios adotados, as alianças firmadas e os mecanismos que permitiram vencer aquela – e não esta eleição. Vale dizer, o desenho institucional inibe a existência duradoura de coalizões partidárias supermajoritárias, sobretudo nas arenas municipais e estaduais.

A ciclicidade eleitoral, todavia, não aponta para um direcionamento de eterna imprevisibilidade informacional quanto aos resultados das urnas. A ponderação institucional é um fato já muito bem conhecido e usado tanto pelos neófitos vencedores dos pleitos quanto pelas lideranças já consagradas nas urnas. Ou seja, devemos entender a institucionalização sob o prisma dos contínuos ajustes das regras eleitorais às necessidades estratégicas dos rótulos partidários e das candidaturas majoritárias e proporcionais competitivas.

No esforço de se entender a evolução das candidaturas vitoriosas para as eleições estaduais e federais, respectivamente, este boletim foca nas estratégias vitoriosas da candidata a deputada estadual Dra. Mayara e do candidato a deputado federal Átila Lins, ambos do Partido Progressistas (PP), para o pleito de 2018. Analisamos aqui duas variáveis da performance eleitoral dos candidatos. Em primeiro lugar, a história de vida e a continuidade da tradição familiar na política estadual. Em segundo lugar, examinamos os resultados eleitorais e os vínculos partidários que asseguraram as suas vitórias nas eleições parlamentares de quatro anos atrás.

Mapa eleitoral da Dra. Mayara

Mayara Monique Figueiredo Pinheiro Reis nasceu no dia 13 de abril de 1987 na cidade de Manaus. Médica dermatologista, herdeira política de Adail Pinheiro, ex-prefeito de Coari, inicia sua carreira política como vice-prefeita de Coari, em 2016. Na eleição seguinte, em 2018, afasta-se da prefeitura para concorrer ao cargo legislativo e é eleita deputada estadual pelo Partido Progressistas (PP), recebendo 50.819 votos (2.86% dos votos válidos). Tal votação a colocou na condição de deputada estadual mais bem votada da história eleitoral do Amazonas.

Apesar de seu histórico eleitoral ser recente, Dra. Mayara é uma legítima representante de tradição política de seu pai, Manuel Adail Amaral Pinheiro. Nascido em Coari, município localizado às margens do rio Solimões, Adail Pinheiro foi eleito e reeleito prefeito da cidade em 2001 pelo Partido Republicano Progressista (PRP). Ao longo de seu mandato consolida-se como uma expressiva liderança municipal. Foi também alvo de diversas denúncias de corrupção, sobretudo na aplicação dos investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), no Fundo Nacional de Saúde e do Ministério do Meio Ambiente; também teve as suas contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM). Além do mais, Adail Pinheiro foi acusado de participar de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes e, após denúncias vinculadas pelas principais emissoras de TV, teve a sua prisão preventiva decretada pela justiça.

A família Pinheiro está no controle político de Coari há duas décadas. Além do patriarca, Adail Pinheiro, e de sua filha, Dra. Mayara, a família Pinheiro também conta com a atuação política dos filhos Adail Filho, Jeany Pinheiro, Keitton Pinheiro, Dulce Menezes e Neto Pinheiro. A luta pelo poder em Coari se deve certamente ao fato de o município de se tornado um dos mais importantes para a economia e a logística energética do Amazonas. Com a população estimada de 86.713, a quinta maior densidade demográfica do Estado, Coari está localizada em uma gigantesca reserva natural de petróleo e gás natural, a Província Petrolífera de Urucu. Descoberta em 1986, a logística petróleo-gás de Coari é a maior reserva provada terrestre do Brasil. A expansão dos investimentos permitiu que fosse construído Gasoduto Urucu-Coari-Manaus interligando e otimizando a cadeia petrolífera e gasifica do Amazonas. Hoje, graças ao aumento do volume de investimentos no setor extrativista e aos royalties arrecadados pelo município, Coari tem o segundo maior PIB municipal estimado em R$ 2.015.916.

Os resultados da votação para a escolha dos deputados estaduais foi marcada pela intensa fragmentação partidária. Só para se ter uma ideia, apenas três partidos – PP, PV e PRB – conseguiram eleger mais de um deputado para as 24 cadeiras em disputa para a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). Não houve, portanto, um candidato dominante, também conhecido como “puxador de votos”. O relativo equilíbrio entre os candidatos foi marcante no processo eleitoral de 2018, conforme apontam as informações contidas no Quadro 1 e na coloração espacial do Mapa 1.

Quadro 1 – Deputados estaduais eleitos em 2018 para a Aleam

Dra Mayara PP

2,86% 50.819 votos

Roberto Cidade PV

1,87% 33.239 votos

Dermilson Chagas PP

1,78% 31.625 votos

Delegado Péricles PSL

1,72% 30.573 votos

Ricardo Nicolau PSD

1,70% 30.134 votos

Belarmino Lins PP

1,70% 30.100 votos

Augusto Ferraz DEM

1,67% 29.663 votos

Wilker Barreto PHS

1,65% 29.275 votos

Saullo Vianna PPS

1,57% 27.880 votos

Cabo Maciel PR

1,54% 27.258 votos

Josué Neto PSD

1,52% 26.924 votos

Joana Darc Protetora Animais PR

1,51% 26.816 votos

João Luiz PRB

1,46% 25.858 votos

Serafim Corrêa PSB

1,41% 25.025 votos

Alessandra Campelo MDB

1,34% 23.859 votos

Professor Sinesio PT

1,29% 22.981 votos

Adjuto Afonso PDT

1,19% 21.145 votos

Dr. Gomes PRP

1,11% 19.759 votos

Fausto Junior PV

1,10% 19.446 votos

Prof. Therezinha Ruiz PSDB

0,96% 17.111 votos

Felipe Souza PHS

0,93% 16.541 votos

Carlinhos Bessa PV

0,91% 16.175 votos

Álvaro Campelo PP

0,90% 15.992 votos

Tiago Falcao PODE

0,75% 13.313 votos

Fonte: TRE-AM
Imagem 1 – Mapa da votação para o cargo de deputado estadual por município
Fonte: TRE-AM

Quanto ao resultado eleitoral da deputada Dra. Mayara, podemos identificar claramente uma forte concentração de votos na sua base eleitoral, o município de Coari, onde obteve expressivos 34.02% dos votos válidos, e uma significativa dispersão quando a votação se distancia geograficamente de sua base municipal. Exceto os municípios de São Gabriel da Cachoeira, 2.18%, e de São Paulo de Olivença, 1.96%, a alta concentração eleitoral da Dra. Mayara encontra-se no entorno de sua base eleitoral, Coari, que se estende pelas mesorregiões do centro até o sul do Amazonas. Do ponto de vista a localização geográfica, Coari encontra-se bem no centro territorial do Estado. Além de Coari, historicamente o reduto eleitoral de seu pai, o ex-prefeito Adail Pinheiro e de sua família, Dra. Mayara foi muito bem votada em Tefé, 7.31%, Lábrea, 3.37%, São Gabriel da Cachoeira, 2.18%, e Manaus, 1.52%, conforme se pode constatar num exame imagético do Mapa 2.

Imagem 2 – Mapa da votação da candidata Dra. Mayara
Fonte: TRE-AM

Já a análise do mapa eleitoral da deputada Dra. Mayara, à luz do Índice de Moran, é possível identificar os vetores de concentração eleitoral de “Alto” a “Baixo” e os “Não-Aplicados” (NA). Assim, de acordo com as informações contidas no Mapa 3, o core eleitoral da deputada é justamente no entorno de Coari, no centro amazonense sem, contudo, abarcar toda a mesorregião identificada no Mapa 3. Outra mesorregião eleitoralmente importante para a deputada foi a sul. No agregado, a região sul pode ser classificada como “Baixo-Alto”, na cor azul do Mapa 3, ao passo que a região centro é “Alto-Alto”, na cor vermelha, pois é a região de maior concentração dos eleitores da candidata.

Imagem 3 – Mapa da votação a partir do Índice Moran da candidata Dra. Mayara
Fonte: TRE-AM

Mapa eleitoral de Átila Lins

Átila Sidney Lins Albuquerque nasceu em Fonte Boa, interior do Amazonas, no dia 22 de novembro de 1950. Está em seu oitavo mandato consecutivo como deputado federal e é, hoje, um dos políticos mais experientes do Amazonas. Formado em Direito e Economia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Átila logo torna-se auditor do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM). Em 1978, é eleito deputado estadual pela extinta Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de sustentação ao regime militar, migrando, na eleição seguinte, em 1982, para o Partido Democrático Social (PDS). Eleito pela terceira vez, agora pelo Partido da Frente Liberal (PFL), Átila encerra seu ciclo eleitoral estadual na eleição de 1986. A trajetória de Átila como deputado federal foi igualmente marcada pelas mudanças partidárias. Em 2003, rompe com o PFL e filia-se ao PPS e, em 2005, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ambos controlados pelo ex-governador Eduardo Braga. Sua migração para o Partido Social Democrático (PSD) aconteceu em 2011 e, em 2018, fora eleito pelo Partido Progressistas (PP).

A família de Átila Lins tornou-se influente no Amazonas nas últimas décadas. Filho de um eminente comerciante do interior do Amazonas, o senhor Belarmino Gomes de Albuquerque, Átila foi desde cedo talhado para a atividade política. São seus irmãos, o atual deputado estadual Belarmino Lins (Belão), ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM), e José Lins Albuquerque, importante deputado estadual na década de 1980. Átila não deixou herdeiros políticos, mas seu irmão mais velho, Belão, não disputará a eleição neste ano e tentará transferir o seu capital eleitoral para o seu filho, George Lins, que estreia na política como candidato a deputado estadual.

A família Lins possui fortes vínculos com o mundo empresarial e com parcela do funcionalismo público. Nas últimas décadas, a família Lins fizera um grande investimento no setor de educação superior, construção civil e hotelaria. Já no setor público, além das carreiras parlamentares dos dois irmãos – Átila Lins, deputado federal, e Berlamino Lins, deputado estadual – há presença permanente dos Lins lotados em secretarias estaduais e em órgãos de controle (Tribunal de Contas) e do Poder Judiciário.

A votação para a definição dos deputados federais, a exemplo da eleição para a escolha dos deputados estaduais, foi caracterizada pela fragmentação partidária. Um único partido, PRB, elegeu mais de um deputado para a Câmara dos Deputados das oito vagas em disputa. O equilíbrio da corrida pelas cadeiras produziu, portanto, uma alta fragmentação.

Quadro 2 – Deputados federais eleitos em 2018 para a Câmara dos Deputados

José Ricardo PT

11,19% 197.270 votos

Delegado Pablo PSL

8,60% 151.649 votos

Atila Lins PP

6,73% 118.700 votos

Silas Câmara PRB

6,65% 117.181 votos

Capitão Alberto Neto PRB

6,08% 107.168 votos

Marcelo Ramos PR

6,06% 106.805 votos

Sidney Leite PSD

4,39% 77.458 votos

Bosco Saraiva SOLIDARIEDADE

3,15% 55.477 votos

Fonte: TRE-AM
Imagem 4 – Mapa da votação para o cargo de deputado federal por município
Fonte: TRE-AM

A geografia eleitoral de Átila Lins é bem dispersa pelas municipalidades do Amazonas. E, diferentemente da deputada estadual Dra. Mayara, cuja família política é de Coari e lá garantiu um elevado percentual de votos, Átila Lins não segue o mesmo padrão nos seus votos para as eleições legislativas. O fonteboense Átila Lins obteve apenas 3.17% dos votos dos eleitores de sua cidade natal. A baixa votação do deputado em Manaus, centro eleitoral que concentra mais da metade do eleitorado geral do Estado, também desperta a atenção num primeiro momento. Afinal, como um candidato pode ser tão bem votado – Átila Lins ficou em terceiro lugar na eleição geral para deputado federal – nas eleições gerais? A resposta certamente passa por sua estratégia de descentralização e dispersão geográfica de seu voto. Átila Lins foi muito bem votado em Coari, 8.29%, Lábrea, 7.39%, Tefé, 5.9%, Boca do Acre, 4.22%, e Benjamin Constant, 3.2%, isto é, nos grandes colégios eleitorais do interior do Amazonas.

Imagem 5 – Mapa da votação do candidato Átila Lins
Fonte: TRE-AM

A votação de Átila Lins no Mapa 6, reproduzido à luz do Índice de Moran, aponta uma eficaz concentração eleitoral – cluster – numa determinada faixa geográfica do município do centro e sul amazonense. A lógica do Índice Moran de Átila Lins apresenta uma complexidade a mais, pois não aponta um padrão linear, mas sim dual. Na mesorregião sul, os clusters indicam o predomínio de dois padrões de concentração eleitoral, sendo um classificado como “Alto-Alto” e outro “Baixo-Alto”. Já a mesorregião centro, onde Átila Lins apresenta uma densidade eleitoral mais rasa, pode-se identificar os padrões “Alto-Baixo” e “Baixo-Baixo” na escala de Moran.

Imagem 6 – Mapa da votação a partir do Índice Moran do candidato Átila Lins
Fonte: TRE-AM

Considerações finais

Pertencer a uma família tradicional da política parece ser inicialmente uma vantagem estratégica para os candidatos em tela. Para além da socialização em torno do nome do chefe político, os candidatos recebem uma carga considerável de votos e a transferência do capital eleitoral potencializa ainda mais as candidaturas de seus representantes. Apesar de Manaus ser o centro político, econômico e cultural do Estado, concentrando 53% (total de 2.219.580) da população do Amazonas, as estratégias eleitorais bem sucedidas, objeto de nossa análise, evitaram a disputa corpo-a-corpo na capital e apostaram as suas fichas nas cidades interioranas, com destaque para Coari, 85.097, Tefé, 59.849, e Lábrea, 46.069. Assim, estratégia de dispersão eleitoral surtiu efeitos positivos para os dois candidatos vitoriosos.