Adilson Vagner de Oliveira, Aryeh Hessel Craveiro, Maria Cristina M. de F. Bacovis e Raimundo França
Os estudos sobre processo político, aqui incluídos os estudos eleitorais e o comportamento político, dão ênfase à volatilidade e a fragmentação partidária como meios para analisar o grau de institucionalização da vida política nas democracias contemporâneas, compreendendo-se por volatilidade, as oscilações quanto à preferência do eleitor por determinados partidos entre eleições consecutivas, pelos menos duas. Já a fragmentação partidária/eleitoral analisa o peso relativo dos partidos na competição por votos, bem como a capacidade que as legendas têm de influenciar o processo legislativo.
Nessa seara, duas abordagens têm sido predominantes como ponto de análise para ciência política quanto ao grau de institucionalização do sistema partidário brasileiro. A primeira sustenta que quanto menor for a oscilação das preferências dos eleitores por determinados partidos políticos, ou seja, quanto maior for o grau de fidelidade a determinados partidos políticos, maior será a estabilidade do sistema partidário. A segunda indica que quanto maior for a oscilação, maior será o grau de instabilidade do sistema partidário, numa demonstração clara de que os partidos teriam dificuldade para canalizar a preferência do eleitorado.
Nesse contexto, este boletim analisa os indicadores de volatidade eleitoral (continuidade e descontinuidade) e a fragmentação partidária (NEP Eleitoral e parlamentar), tendo como guisa a instabilidade e/ou estabilidade da preferência dos eleitores mato-grossenses, em termos partidários, no contexto da Assembleia Legislativa (ALMT) e dos representantes na Câmara Federal pelo Mato Grosso entre as eleições de 2002 e 2018, de acordo com LAAKSO e TAAGEPERA(1979).
A concepção de Estado adotada pela Constituição Federal de 1988, ao prever o pluripartidarismo em seu artigo, 17, estimulou o aumento do número de partidos políticos no Brasil, identificados por diferentes matizes ideológicas. Não obstante, desde 1993, quando do plebiscito sobre a Forma (Republicana) e Sistema de Governo(Presidencialismo), têm-se discutido a necessidade de um reforma política mais ampla, com foco em dois objetivos principais: reduzir o número de partidos com ênfase na dinâmica majoritária e outro de fortalecer o surgimento de novos partidos por meio da proporcionalidade, a fim de dar espaço para que legendas menores possam representar interesses descentralizados do mainstream do poder político e/ou econômico.
Nesse contexto, ao analisarmos o NEP Eleitoral (Gráfico 1), isto é, o número de legendas que efetivamente importam na disputa para Assembleia Legislativa e para Câmara Federal pelo estado do Mato Grosso, entre 2002 e 2010, constata-se certa estabilidade, posto que o número de legendas relevantes no contexto da competição política varia de 8 a 6 para ALMT e, de 6 a 8 legendas para Câmara dos Deputados. Em contrapartida, entre 2014 e 2018, verifica-se aumento significativo, tanto para ALMT quanto para Câmara Federal, em relação ao número de legendas que efetivamente têm relevância na dinâmica eleitoral mato-grossense, variando de 10 para 16, no caso da ALMT; e, de 8 para 14, para Câmara dos Deputados.
O conjunto dos dados do NEP Eleitoral (Gráfico 1) mato-grossense confirma o elevado grau de fragmentação partidária do subsistema partidário mato-grossense, assemelhando-se ao que ocorre no sistema político partidário brasileiro como já identificaram Nicolau (2004), Viana e Sandes-Freitas (2022).
Se, por um lado, um número alto de legendas com grande relevância no âmbito da competição política poderia confirmar a tese de pluralismo partidário. Por outro, revela o grau de instabilidade do sistema partidário brasileiro quando comparado as democracias mais consolidadas.
Gráfico 1: NEP ELEITORAL
Fonte: produzido pelos autores do LEGAL -MT
Em relação NEP- parlamentar (Gráfico 2), isto é, o número de legendas que efetivamente tem relevância na dinâmica legislativo/executivo, constata-se uma variação de 6,9 (seis vírgula nove) a 9,04 (nove vírgula zero quatro). Embora que, no contexto regional, isto é, quando analisamos outros estados da Amazônia Legal, constatar 9 (nove) partidos que efetivamente importam na dinâmica da relação de poder legislativo/executivo parece ser um número baixo, ainda que seja um número elevado no contexto das democracias mais recentes.
Gráfico 2. Número Efetivo de Partidos – Parlamentares (NEP- Parlamentar)
Fonte: produzido pelos autores do LEGAL -MT
Quanto ao índice de volatilidade eleitoral, observa-se, Gráfico 3, que houve alteração na preferência por parte dos eleitores entre os pleitos eleitorais no período analisado, sendo que, 1998/2002 registrou o menor percentual de volatilidade 12,5% (doze vírgula cinco por cento) e nos demais períodos os percentuais atingem mais 35% (trinta e cinco por cento), o que indica um índice elevado de volatilidade eleitoral.
Gráfico 3: Volatilidade Eleitoral – Assembleia Legislativa do Mato Grosso (2002-2018)
Fonte: produzido pelos autores do LEGAL -MT.
Ainda sobre o índice de volatilidade para Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, o Gráfico 4 apresenta os dados desagregados da volatilidade eleitoral média/Partidos, indicando a dificuldade que os partidos políticos mato-grossense têm quanto a manutenção da fidelidade de seu eleitorado de um pleito eleitoral para outro. Apesar disso, é possível perceber no Gráfico 4 que, embora haja alta volatilidade eleitoral entre os partidos de uma eleição para outra, os partidos com maior tradição nas disputas, com êxito eleitoral ao longo do período analisado são os partidos com maiores tradições: PFL (UNIÃO BRASIL), PMDB e PSDB.
Gráfico 4: Volatilidade Partidária – Assembleia Legislativa do Mato Grosso
Fonte: produzido pelos autores do LEGAL -MT.
Outro aspecto a destacar é que a eleição para o Executivo estadual mato-grossense tem servido como catalisadora das disputas no que se refere aos partidos que obtiveram maior êxito eleitoral, demonstrando que há uma correlação direta entre os partidos como maior sucesso eleitoral e o partido ao qual o governador é filiado. Por exemplo, até 2002, o governo do estado de Mato Grosso estava sob a liderança de Dante de Oliveira (PSDB), importante nome na história política do País, especialmente no contexto das lutas pela redemocratização brasileira, sendo que seu Partido, o PSDB elegeu 7 (sete) das 24 (vinte e quatro) cadeiras em disputa. Seu sucessor, Blairo Maggi, obteve resultados semelhantes, em 2006, seu partido, o Partido Popular Socialista (PPS) elegeu 5 (cinco) das 24 (vinte e quatro) cadeiras e, 2010, no Partido da República (PR) elegeu 6 (seis), com reflexo ainda do prestígio de Maggi, que renunciaria para concorrer ao Senado da República.
O cenário que está se construindo no legislativo estadual mato-grossense coloca partidos tradicionais num processo contínuo de recomposição da legenda, como o PFL, partido com poder histórico no Estado, capitaneado por muitos anos pelo senador e ex-governador de Mato Grosso, Jayme Campos (União Brasil), durante a 16ª legislatura, o partido mantinha 5 (cinco) cadeiras na Assembleia Legislativa do Estado, cerca de 20,8% (vinte vírgula oito) das 24 (vinte e quatro) cadeiras. Em 2007, na 17ª legislatura, já havia se transformado no partido de centro-direita Democratas (DEM) com apenas 1 (uma) cadeira na ALMT, número que se manteve na 18ª legislatura. Em 2022, o partido voltou a modificar-se a partir da fusão com o Partido Social Liberal (PSL) e a consequente criação do União Brasil, contabilizando 3 (três) cadeiras na 19ª legislatura.
A situação do antigo PFL se assemelha bastante ao tradicional PMDB, hoje MDB, cuja liderança partidária tem na imagem do deputado federal e ex-governador Carlos Bezerra (MDB) uma força histórica em Mato Grosso, tendo sido deputado estadual, senador e deputado federal por 4 (quatro) mandatos. O partido de Carlos Bezerra chegou a ter 5 (cinco) cadeiras na 17ª legislatura e depois, obtendo apenas 3 (três) cadeiras durante os mandatos posteriores.
O Partido da República (PR), hoje o Partido Liberal (PL), foi a legenda com maior força legislativa durante a 17ª e 18ª legislaturas, com 6 (seis) e 5 (cinco) cadeiras, respectivamente, conseguindo manter pelo menos 3 (três) cadeiras na última eleição (19ª legislatura) para a Assembleia Legislativa de Mato Grosso, dividindo com o PSB, MDB, e União Brasil o mesmo número de cadeiras.
E, por fim, o Partido Social Democrático (PSD), registrado oficialmente em 2011, encontra-se no centro do espectro político. Em Mato Grosso, o PSD é atualmente o partido com o maior número de cadeiras na Assembleia Legislativa, com 16,6% (dezesseis vírgula seis por cento) das cadeiras legislativas ocupadas por 4 (quatro) deputados: Dr. Gimenez (PSD); Nininho (PSD); Pedro Satélite (PSD), suplente da vaga de Sebastião Rezende (PSC); e, o ex-prefeito de Cuiabá, Wilson Santos, filiado ao PSDB de 2015 a 31 de março de 2022.
Diante do cenário exposto no qual tanto os índices de fragmentação eleitoral quanto os índices de volatilidade eleitoral apresentam-se bastante altos, é possível realizar algumas inferências sobre a competição política no Mato Grosso:
- preferência dos eleitores pelo voto no candidato e não necessariamente no partido;
- os índices altos de fragmentação eleitoral e de volatilidade podem ser explicados em função das alterações recorrentes na legislação eleitoral, que tem permitido excessiva liberdade para migração partidária, a partir das alterações na legislação que objetivavam o fortalecimento da fidelidade partidária;
- os partidos com maior tradição no âmbito da Assembleia Legislativa são partidos com traços ideológicos a direita do espectro político, especialmente a partir das eleições de 2014;
- os partidos são inábeis em canalizar as preferências do eleitorado mato-grossense de forma estável.
Nesse contexto, os efeitos dos índices de fragmentação e volatilidade eleitoral reforçam o nível baixo de institucionalização do sistema partidário, demonstrando a precariedade do enraizamento dos partidos políticos como catalisadores da preferência do eleitorado mato-grossense, embora haja um rol bastante restrito de partidos políticos que efetivamente consigam êxito eleitoral, bem como ser efetivamente relevante no contexto eleitoral/parlamentar no Mato Grosso. Além disso, no conjunto dos dados analisados, observa-se que há uma tendência, ao longo do período, e parece repetir nas próximas eleições, isto é, que as vagas em disputas para Assembleia Legislativa continuem, em sua maioria, com partidos a direita do espectro político.
Referências
LAAKSO, Markku; TAAGEPERA, Rein. “Effective” number of parties: a measure with application to West Europe. Comparative Political Studies. Vol. 12, nº1, p.3-27, April, 1979. Disponível em https://journals.sagepub.com/toc/cps/12/1 Acesso em 23/05/2022
NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 5ª Edição. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
VIANA, João Paulo Saraiva Leão; SANDES-FREITAS, Vitor Eduardo de Veras. A Dinâmica Institucional do Subsistema Partidário Rondoniense: conjugando racionalidade política contextual à nacional (1998-2018). In: Denise Paiva; Pedro Pietrafesa (Org.). Sistemas Partidários, Partidos e Eleições: Tendências e Dinâmicas da Federal Brasileira. Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2022.