Volatilidade eleitoral, fragmentação partidária e partidos efetivos nas eleições para o legislativo maranhense (2002 – 2018).

Arleth Santos Borges, Marcelo Fontenelle e Silva, Andressa Brito Vieira, Soraia Weba Santos

Na década de 2000, estudos apontam o declínio da volatilidade eleitoral no Brasil, mas desde 2010 essa tendência começa a registrar sinais de elevação. Em canônica interpretação institucionalista, o declínio da oscilação das preferências das escolhas partidárias dos eleitores, vigente até 2010, sugeria maior estabilidade na seleção de representantes, aumento da capacidade dos partidos funcionarem como organizadores das preferências dos eleitores e que o sistema partidário estaria mais institucionalizado e menos instável; de 2010 a 2014 e, sobretudo, entre 2014 a 2018 esta situação começa a se modificar com aumentos da volatilidade nas disputas para a Câmara Federal, ensejando rico debate acadêmico sobre os significados dessa mudança. Descrever e analisar a volatilidade eleitoral e o peso relativo dos partidos no estado do Maranhão, no período recente de 2002-2018 é o objetivo deste boletim.

Com esse propósito, serão analisados dois indicadores muito relevantes na configuração de um sistema partidário: a volatilidade eleitoral, calculada a partir de índice formulado por Morgens Pedersen (1983), que compara o direcionamento partidário dos votos em dois pleitos subsequentes para indicar se o eleitor tem preferências partidárias mais fixas ou mais voláteis; o segundo indicador é a fragmentação partidária, mensurada pelo NEP – Número Efetivo de Partidos -, conforme formulação de Laacso e Taagepera (1979), que indica a quantidade e peso relativo dos partidos com real poder de interferir na configuração do subsistema partidário, calculado tanto para o âmbito eleitoral quanto parlamentar. O Gráfico 1 traz a configuração da volatilidade relativa à Assembleia legislativa do Maranhão.

Gráfico 1 – Volatilidade Eleitoral nas eleições para Assembleia Legislativa do Maranhão – 2002 a 2018
Fonte: produzido pelos autores com dados do TSE

Os números apontam que a volatilidade eleitoral nas eleições legislativas para a ALEMA nesse período oscila entre 29,48% e 38,46%, com média de 32%; inicia com um escore acima da média e, após 2006, alcança um patamar de estabilidade, com valores abaixo da média do período, significando que, no agregado, houve baixa flutuação nas preferências dos eleitores maranhenses.

O desafio que se coloca, então, é o de explicar essa estabilidade e nessa perspectiva, dois aspectos são centrais: fatores institucionais, como as regras partidárias eleitorais vigentes, e fatores mais ligados aos contextos específicos de cada eleição. Entre os fatores institucionais, destaca-se o desincentivo às migrações partidárias estabelecido pela Resolução do TSE nº 26.610, de 21 de outubro de 2007, que determina que a titularidade dos mandatos é do partido e não dos eleitos, podendo o primeiro requerer a vaga ocupada por agentes que migraram para outras agremiações sem uma das “justas causas” prescritas na norma.

Os números relativos às mudanças de partidos entre deputados/as maranhenses que alcançaram uma ou mais reeleição são ilustrativos desse desincentivo: antes da Resolução, entre 2002 e 2006, 24 parlamentares foram reeleitos sendo que 16 mudaram de partido entre um pleito e outro e apenas 7 se reelegeram pelo mesmo partido; entre os pares de eleições seguintes houve uma inversão, com maioria dos reeleitos tendo concorrido pelo mesmo partido do pleito anterior: entre 2006 e 2010, 18 foram reeleitos, sendo 11 pelo mesmo partido e entre 2010 e 2014, novamente 18 se reelegem, sendo 12 pelo mesmo partido do pleito anterior; apenas em 2018, quando o número de reeleitos foi o menor da série, houve um empate, com 7 reeleitos pelo mesmo partido e 7 por partido diferente.

Ressalte-se que essa Resolução tem efeitos paradoxais, pois, se de um lado, é de se esperar que tenha funcionado como um freio à conhecida “dança das cadeiras”, contribuindo para maior estabilização das escolhas tanto dos eleitores como dos eleitos; por outro lado, ao incluir como “justa causa” para a mudança a criação de novo partido, estimula essas iniciativas e, com efeito, dos 32 partidos atualmente registrados no TSE, 07 foram deferidos entre 2007 e 2018 (PSD, PATRIOTAS, PROS, Solidariedade, Novo, REDE e PMB); dois dos quais (Solidariedade e PROS) tiveram desempenho suficiente para eleger representantes justamente no pleito de 2018.

Fusões e extinções de partidos também impactam a oferta de alternativas para o eleitor e, consequentemente, a volatilidade partidária. Um emblemático caso de extinção que mexeu com o sistema partidário estadual é o do PSD, que mesmo sem muita força nacional, foi muito forte na política maranhense na década de 1990 até 2002, quando ainda conquistou 6 cadeiras no legislativo estadual, mas logo depois começa a perder força, no compasso da perda de poder de sua principal liderança, deputado Manoel Ribeiro, presidente da ALEMA em sucessivas legislaturas, sendo, por fim, extinto, em 2003, ensejando a dispersão dos muitos votos que carreava e impulsionando a volatilidade eleitoral entre 2002 e 2006. Outro partido com o mesmo nome foi criado em 2011.

O freio às migrações partidárias, contudo, não impediu que estas continuassem a acontecer, como pode ser visto no fato de que dos 128 deputados/as estaduais eleitos nos 05 pleitos em análise, a maioria (76) teve apenas uma eleição dentro desse período, embora muitos já tivessem sido eleitos e reeleitos antes de 2002, marco inicial da presente análise; dos 52 que foram reeleitos, para um ou vários mandatos, 32 (61,5%) trocaram de partido pelo menos uma vez, enquanto 20 (38,5%) se reelegeram pelo mesmo partido. No grupo dos 15 parlamentares reeleitos três vezes ou mais há quem passou por até 04 partidos (Paulo Neto) e apenas um se elegeu três vezes pelo mesmo partido (Marcelo Tavares, PSB). As migrações partidárias permanecem, portanto, como parte importante da explicação sobre a a volatilidade eleitoral no estado entre 2002 a 2018, mas há de se reconhecer que seus efeitos são mitigados pelo fato de que a maior parte das mudanças ocorrem entre o pequeno grupo de partidos mais longevos e enraizados, que, com candidatos diferentes, mantiveram e atraíram as preferências de novos eleitores, mesmo quando as mudanças soavam incompreensíveis ideologicamente, como aquelas protagonizadas por Rubens Pereira, eleito sucessivamente pelo PFL, PRB e PCdoB; Carlos Filho, que foi do PFL ao PV e Graça Paz, que fez o caminho inverso, do PDT ao PFL.

Outro fator que não impacta diretamente na volatilidade eleitoral, mas pode ter um efeito mitigador dos seus efeitos é o controle de vários partidos por um mesmo grupo político, fato corriqueiro na política maranhense, onde se identifica, por exemplo, famílias com mais de um membro eleitos para a ALEMA, através de diferentes partidos. Supondo essas famílias como coletivos que atuam no campo político com estratégias e interesses compartilhados, mobilizando um capital eleitoral comum, é possível identificar pelo menos oito casos que, além de atestar a recorrência do familismo na política local, também confirmam o acionamento de vários partidos por um mesmo grupo, diluindo as esperadas distinções entre os partidos.

A esse respeito, podemos dizer que partidos com forte organização e enraizamento no estado, partidos que já tiveram governadores entre seus quadros como o PFL/DEM, PMDB, PDT, PSDB e mais recentemente o PSB e PCdoB parecem funcionar como refúgios eleitoralmente seguros que cativam a fidelidade de candidatos e eleitores.

Quadro 1 – Famílias presentes na ALEMA por 2 mandatos ou mais (2002-2018)
Fonte: montado pelos autores a partir de dados do TSE e do site oficial da ALEMA

Família

Nº de membros da Família

Nº de Mandatos

Partidos (no momento da eleição)

Coutinho

02

05

PSD PSDB PSB PDT

Evangelista

02

05

PFL PSDB DEM

Melo

02

05

PFL PSDB PMDB

Rezende

02

05

PSD PSDBP MDB PRTB DEM

Murad

03

04

PSB PMDB

Braide

02

04

PMDB PDT PMN

Borges Ferreira/ Duailibe

02

03

PSB PMDB SOLIDARIEDADE

Fufuca

02

02

PMDB PSDB

Louro

02

02

PR

Maranhãozinho

02

02

PR PL

Mesmo se referindo a um período de apenas cinco eleições esses resultados confirmam a força das heranças políticas e a circulação de capital eleitoral entre membros da mesma família (cônjuges, filhos, sobrinhos, netos), que se revezam na ocupação dos mandatos no legislativo estadual. Esse acionamento de diversos partidos por um mesmo grupo tanto indica uma visão instrumental em relação a estes, como relativiza o conteúdo das distinções ideológicas e da competitividade, mensurada a partir do número de partidos presentes e vencedores nas disputas. Em relação ao Número de Partidos Efetivos (NEP), os dados indicam, primeiro, um aumento da dispersão das preferências eleitorais inscrita na tendência de crescimento do índice entre 2002 e 2014 e sua redução entre 2014 e 2018. Os resultados da aplicação do índice para a ALEMA estão descritos no Gráfico 2 (relativo à fragmentação no âmbito eleitoral) e no Gráfico 3 (relativo à fragmentação parlamentar).

Gráfico 2: NEP Eleitoral – Assembleia Legislativa do Maranhão
Fonte: produzido pelos autores com dados do TSE
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Os dados relativos ao NEP Eleitoral indicam, primeiro, um aumento da dispersão das preferências eleitorais inscrita na tendência de crescimento do índice entre 2002 e 2014 e sua redução entre 2014 e 2018. Igual tendência se observa no NEP parlamentar, relativo ao peso dos partidos na ALEMA, exposto no Gráfico 3. A comparação dos dois nos permite perceber que a dispersão dos votos é correspondente à dispersão das cadeiras, sendo a fragmentação eleitoral levemente superior à parlamentar.

Gráfico 3 – NEP Parlamentar
Fonte: produzido pelos autores com dados do TSE
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Vistos em conjunto, os números apontam notável aumento da fragmentação partidária e eleitoral entre 2002 e 2014, decaindo somente no pleito de 2018, sob o impulso de fatores institucionais, como as regras eleitorais, ou políticos, como migrações partidárias, fatores estes que não são independentes. Também neste caso foram determinantes as migrações partidárias ou circulação das elites políticas por diferentes partidos, que nesse período envolveram lideranças de proa na política local, as quais, raramente migram sozinhas para outro partido. Foi o caso dos ex-governadores Roseana Sarney, que passou do PFL para o PMDB em 2006 e de Reinaldo Tavares, que trocou o PFL pelo PSB em 2005 e para o PDT em 2018, além dos deputados/as já mencionados/as.

Em 2014, a eleição de um governador por um pequeno partido de esquerda que até então tinha ínfima quantidade de votos e nem lançava candidatura majoritária própria, o PCdoB, se torna o “partido do governador” e, como tal, legenda atraente para muitas lideranças políticas que para ele convergem no rastro do governismo. Sua saída do PCdoB e entrada no PSB, em 2022, assim como o intenso uso da janela partidária para migrações que afetaram o PSDB, PSB, PT e outras migrações partidárias acentuam o interesse por esses indicadores em 2022.

A alta volatidade eleitoral e o alto Número de Partidos Efetivos indicam, em conjunto, uma baixa institucionalização do sistema partidário nesse estado. A grande oscilação dos votos entre diferentes partidos pode ser explicada, entre outros fatores, pelo elevado número de partidos nominais e partidos efetivos em disputa, o que pode trazer ao eleitor dificuldades de identificação duradoura com um partido, afinal, não é factível esperar que a maior parte do eleitorado consiga acompanhar as disputas com este alto número de partidos, cujas identidades difusas estimulam que um maior peso seja conferido aos agentes individuais em detrimento dos partidos, de quem, em sistemas partidários mais institucionalizados, espera-se que cumpram o papel de organizador e facilitador das escolhas dos eleitores.

Conclusões

Olhando em perspectiva para o sistema partidário maranhense no que concerne à Assembleia Legislativa no período 2002-2018, constatamos uma volatilidade média de 32% e a estabilidade em torno dessa média a partir de 2006, sinalizando que a flutuação das preferencias partidárias entre uma eleição e outra é uma realidade para cerca de um terço do eleitorado, o que significa que dois terços estruturam suas escolhas em bases estáveis e previsíveis.

A manutenção da estabilidade da volatidade é ponto importante para ser monitorada no pleito de 2022. É provável que ela permaneça elevada, dada a migração partidária de importantes figuras, mas ainda é cedo para afirmar como a volatilidade será impactada pelas novas regras, tal qual a proibição de coligações, criação de federações e a introdução de cláusulas de desempenho individuais.

Acrescente-se ainda um fator relacionado ao comportamento do eleitor, vez que os dados sobre reeleitos sinalizam que o foco ou prioridade do eleitor nem sempre está no partido, mas no candidato, daí á opção por acompanha-lo, independentemente de partido (o que contribui para explicar a volatilidade eleitoral). Entendemos que este comportamento pode até ser lido como personalista, e nesse sentido enfraquecedor do sistema partidário, mas não como irracional ou errático.

De todo modo, é provável que tais regras mantenham a tendência de diminuição da fragmentação política, iniciada entre 2014 e 2018, conforme podemos ver a partir do número de partidos efetivos (NEP). Constatamos que o NEP sobe até 2014 e em 2018 cai, mas ainda assim permanece elevado. As explicações para ambas as situações estão associadas, principalmente, a fatores institucionais, como migrações partidárias, emergência de novos partidos e alterações na legislação.

Na contramão deste movimento, há de se considerar que existem no Maranhão alguns partidos que, apesar da escassa institucionalização do sistema partidário no estado, possuem força, longevidade e capilaridade (PFL/DEM, PMDB, PDT, PSDB, PV e, desde 2014, PCdoB), e acabam sendo desaguadouros para os diversos atores políticos que frequentemente trocam de partido, incluindo importantes lideranças, como ex-governadores e parlamentares em exercício. Facilita isso o fato de que não é raro que vários destes partidos estejam sob o comando de um mesmo grupo ou família de políticos.

Referências:

Bohn, Simone R.; Paiva, Denise (2009) A volatilidade eleitoral nos estados sistema partidário e democracia no Brasil. Rev. Sociol. Polit., Curitiba , v. 17, n. 33, p. 187-208.

LAAKSO, Markku; TAAGEPERA, Rein. The “effective” number of political parties: a measure with application to West Europa. Comparative Political Studies, v. 12, n. 1, p. 3-27, 1979.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão; SANDES-FREITAS, Vítor E. de. In: PAIVA, Denise; PIETRAFESA, Pedro A. Sistema Paridários e eleições, 1998-2018: tendências e dinâmicas na federação brasileira. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2022.

PEDERSEN, Mogens. Changing patterns of electoral volatility in european party systems, 1948-1977: explorations in explanation. In: DAALDER, H.; MAIR, Peter. Western european party systems: continuity and change. Beverly Hills: Sage, 1983.

SIMONI JUNIOR, Sergio. Volatilidade eleitoral e sistema partidário: em busca de uma abordagem alternativa. Rev. Teoria & Pesquisa, v. 28, n. 3, 2019, p. 48-74.

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