Tudo em casa: os campeões de voto no Maranhão em 2018 são um casal

Arleth Borges, Andressa Brito, Antonio Marcos Pereira, Marcelo Fontenelle e Soraia Weba

Introdução

Entre os 535 concorrentes ao legislativo estadual maranhense em 2018 e os 213 que disputaram o legislativo federal, os dois que mais receberam votos são políticos domiciliados na mesma casa de uma pequena cidade do estado: o casal Detinha e Josimar do Maranhãozinho, ambos do PR, hoje PL, eleitos para os cargos de deputada estadual e deputado federal, respectivamente. O presente Boletim analisa o perfil político e eleitoral destes parlamentares, apresentando informações biográficas, trajetórias políticas e dados da geografia eleitoral.

De Maranhãozinho a Campeões de voto no Maranhão

Josimar Cunha Rodrigues e Maria Deusdete Lima Cunha Rodrigues (Detinha), politicamente conhecidos como “casal Maranhãozinho”, são naturais do Ceará – ele, de Várzea Alegre e ela, de Caruis. Josimar começou sua carreira política em 2004 quando se elegeu prefeito da cidade de Maranhãozinho, com 57,2% dos votos, e reeleito em 2008 com 85,6%. Em 2014, com o slogan “Para fortalecer os municípios”, se elegeu deputado estadual sendo o mais votado do estado. Como deputado, Josimar atuou na eleição de sua cônjuge para prefeita da vizinha cidade de Centro do Guilherme, ampliando seus domínios políticos, que assim, vão se constituindo como do casal, ao tempo em que ele, oriundo de outro estado, busca afirmar sua identidade com o Maranhão e a cidade que o elegeu, incorporando ao seu próprio nome o qualificativo “de Maranhãozinho”. A condição de não serem “filhos da terra” e serem domiciliados em uma pequena cidade amplia o alcance e o interesse em se compreender suas sucessivas conquistas políticas e eleitorais.

Detinha inicia sua carreira política em 2004 quando assumiu o cargo de Secretária de Assistência Social do município de Maranhãozinho, durante o primeiro mandato de Josimar como prefeito. Em 2008 foi eleita prefeita de Centro do Guilherme com 53% dos votos e reeleita em 2012 com 80%.  Em 2018, ela e o marido foram eleitos deputada estadual e deputado federal, respectivamente, em campanha marcada pela estratégia de dobradinha eleitoral ou, muito precisamente, voto casado.

O casal tem chamado atenção não apenas por suas expressivas vitórias eleitorais; se notabilizam também pela articulação de ampla rede de aliados, especialmente prefeitos e vereadores, a partir dos municípios cortados pela BR-316, fato que rendeu a Josimar a alcunha de “Moral da BR”, termo de engrandecimento confirmado pelo bom desempenho de seu partido (PR/PL) a cada eleição. Em 2020, por exemplo, o PR elegeu 40 dos 217 prefeitos maranhenses, confirmando e espraiando a influência política de “Josimar do Maranhãozinho”.

Os municípios Maranhãozinho e Centro do Guilherme estão localizados na Região do Baixo Turi, noroeste do Maranhão, em divisa com o Pará, situados no bioma amazônico do estado, região em que passa a BR 316, importante rota no escoamento da crescente produção agrícola e mineral pelo complexo portuário do Itaqui (São Luís-MA) e do Arco do Norte em Vila do Conde (Belém-PA); o entorno da BR 316 tem sido espaço de expansão da pecuária e de tráfico de madeiras ligado ao desmatamento na região.

Com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,550, Maranhãozinho tem população estimada em 16.754 pessoas, em sua maioria, médios e pequenos produtores rurais com renda média de 1,5 salário mínimo. Segundo o TSE, o município tem 7.475 eleitores, sendo 50% jovens de 25 a 34 anos. Com aspectos sociopolíticos e econômicos semelhantes, Centro do Guilherme tem uma população estimada em 13.876 pessoas, IDH de 0,542, e 45,7% da população com renda mensal de até 1,4 salário mínimo. Economicamente, o município tem destaque regional na criação de gado.

Nas eleições de 2020, Centro do Guilherme e Maranhãozinho tiveram seus prefeitos eleitos pelo PL, partido do casal Maranhãozinho, com votações expressivas – ele, 84,52% e ela com 77,97% -, força partidária que se estendeu aos legislativos dos dois municípios, vez que o PL mais o Avante, elegeram sozinhos a totalidade dos vereadores.

Consolidando posições, expandindo influência: amigos, parentes e correligionários

Após seu segundo mandato e mirando a reeleição de sua esposa em município vizinho, em 2012, Josimar elegeu seu amigo e ex-motorista José Aurélio de Moraes (PR) prefeito de Maranhãozinho e no pleito seguinte este foi reeleito. Estendendo sua influência para outros municípios, na mesma eleição, o irmão de Josimar foi eleito prefeito de Junco do Maranhão e no pleito seguinte (2016), sua irmã, Maria Josenilda Cunha Rodrigues foi eleita prefeita na cidade de Zé Doca. Em 2020, seu sobrinho, Aldir Cunha Rodrigues, foi eleito vereador em São Luís e sua sobrinha, Fabiana Vilar Rodrigues foi nomeada Secretária de Estado da Agricultura, Pecuária e Pesca (SAGRIMA), na gestão do então governador Flávio Dino (PCdoB); também nesse ano, Fabiana Rodrigues foi candidata a vice-prefeita de São Luís na chapa de Duarte Junior (Republicanos), apoiado pelo governador.

Outra faceta da célere ascensão política de Josimar do Maranhãozinho e de seu clã, que retroalimenta o seu prestígio, é o apoio e assistência que oferece aos aliados, através da presença constante nas campanhas eleitorais, eventos festivos e inaugurações de obras; do repasse de recursos oriundos de emendas parlamentares e, no caso dos governadores, integrando as bases de apoio no legislativo estadual.

Associado à trajetória política dos Maranhãozinho também está o rápido aumento do patrimônio declarado do casal. No caso de Josimar, chama atenção o fato de não constar declarado nenhum bem nas eleições de 2004. Se nessa eleição o já empresário e candidato a prefeito de Maranhãozinho não declara quaisquer bens à Justiça Eleitoral, sinalizando assim que não os possuía, no pleito seguinte, quando concorreu à reeleição, declarou patrimônio de R$463.906,86; em 2014, esses bens evoluíram para R$6.563.240,69; em 2018 já eram R$14.591.074,31 e em 2022 já somam R$25.406.802, representando um crescimento de 5.476% entre 2008 e 2022. Já Detinha declara a seguinte evolução patrimonial: R$38.000,00 em 2004, R$747.145 em 2018 e R$1.575.027,97 em 2022, uma elevação patrimonial, entre 2004 e 2022 superior a 4.000%. Entre os bens declarados pelo casal em 2022, constam vários imóveis rurais e urbanos (fazendas, casa, apartamentos), aeronave, cotas em consórcio, veículos e empresas no ramo agropecuário[1].

Registre-se também que Josimar do Maranhãozinho vem sendo alvo de operações da Polícia Federal e do Ministério Público do Maranhão, sendo recorrentes na imprensa acusações de envolvimento do deputado em ilícitos. Em 2020, a “Operação Descalabro” da Polícia Federal investiga o deputado por denúncias de desvio de finalidade de recursos públicos (verbas parlamentares destinadas ao enfrentamento da Covid-19) em suas bases eleitorais; em 2021, a “Operação Maranhão Nostrum”, conduzida pelo Ministério Público do Maranhão, autuou Josimar por denúncias de fraudes em licitações para contratação de empresa distribuidora de Medicamentos nos municípios de Araguanã, Carutapera, Centro do Guilherme, Maranhãozinho, Pedro do Rosário e Zé Doca entre 2014 a 2018. Há também acusações de furto qualificado relacionado a “transporte ilegal de madeira extraída da reserva indígena do Alto Turiaçu a mando do prefeito”, e captação ilícita de sufrágio via patrocínio de festa comemorativa de uma rádio local em favor da candidatura da irmã do deputado à prefeitura de Zé Doca, mas esta última denúncia foi julgada improcedente pelo juízo da 96ª Zona Eleitoral, por ausência de provas[2]. A mesma imprensa informa que o casal considera as denúncias improcedentes e que fazem sua defesa perante a Justiça.

Dispersão e concentração eleitoral dos campeões de votos

Em 2018 Josimar de Maranhãozinho recebeu 195.768 votos, ultrapassando o quociente eleitoral (QE) para deputado federal, que foi 181.699; apenas um concorrente o acompanhou nessa proeza. Embora sua votação nos municípios das regiões de Baixo e Alto Turi, notadamente em Centro do Guilherme e Maranhãozinho tenham sido de tipo dominante, no conjunto, sua votação teve notável dispersão de votos por municípios de outras regiões, alcançando 214 dos 217 municípios do estado. (Mapa 1).

Mapa 01 – Distribuição dos votos de Josimar por município (DF)
Fonte: produzido pelo LEGAL com dados do TSE (2022)

No município Maranhãozinho, Josimar, o “Moral da BR”, obteve 83,5% dos votos, mas isto representou apenas 2,3% de sua votação. As mais expressivas ocorreram em cidades maiores, como Zé Doca, município localizado à margem da BR-316 e governado por sua irmã, onde obteve 7,4% do total recebido, sua maior votação; em São Luís, principal colégio eleitoral do estado, recebeu 6,9% dos seus votos.

Por sua vez, Detinha, deputada estadual mais votada em 2018 e única entre os/as candidatos/as a superar o QE, obteve 88.402 votos, distribuídos em padrão semelhante ao do marido: forte dominância em municípios da região Turi (Noroeste do Maranhão) e a maior parte da votação dispersa, em razão da já mencionada baixa densidade eleitoral dessa região. Obteve 4.250 votos em Maranhãozinho, que correspondem a 77,9% do total do município, mas apenas 4,8% de sua votação; em Centro do Guilherme, onde foi prefeita, obteve 76,7% dos votos, correspondentes a 4,5% de sua votação. No conjunto, os três municípios de maior votação da região forneceram apenas 22,7% dos votos recebidos por Detinha, que teve foi votada em 189 municípios, sendo que em 130 destes recebeu menos de 100 votos. 51% do total recebidos pela candidata se concentraram em 10 municípios, destacando-se Zé Doca, onde alcançou 11.851 votos, 13,4% do seu total; nos maiores colégios eleitorais obteve expressiva votação em São Luís, 7.268 votos (8,2% de sua votação).

Para ambos os candidatos, confirma-se a dominância de votos nos municípios da região Turi e o espraiamento (diferenciado entre eles) para outras regiões, configurando um padrão de votação do tipo disperso dominante[3], abrangendo vários municípios.

MAPA 02 – Votação deputada DETINHA (DE)
Fonte: produzido pelos autores com dados do TSE (2022)

Constatada a dominância regional e dispersão estadual da votação de ambos os eleitos, cabe examinar quais estratégias possibilitaram a ampliação e/ou dispersão dessa votação para outras localidades, para além dos seus consagrados redutos eleitorais. A explicação envolve vário fatores interconectados: i) a baixa densidade eleitoral da região em que exerceram reiterados mandatos executivos os encaminha à busca de eleitorados mais amplos; ii) estar à frente de dois municípios da região e outros governados por parentes possibilitou ao casal Maranhãozinho capacidade de oferecer apoios decisivos para prefeitos e vereadores de municípios contíguos, em geral pequenos e muito pobres; iii) a crescente influência política e eleitoral do clã Maranhãozinho favorece alianças com outras lideranças regionais e estaduais; iv) O alinhamento do casal à base de apoio dos governadores lhes propicia acessos e recursos decisivos à edificação de carreiras políticas e políticas distributivas; v) a posição de liderança (presidente estadual) de Josimar de Maranhãozinho no partido (Partido Republicano/Partido Liberal), que se tornou grande força eleitoral no estado, e vi) o crescente poder econômico do casal em um contexto onde, mesmo havendo financiamento público, não está excluído o financiamento privado e o próprio autofinanciamento.

Finalmente cumpre observar a votação do casal em sua distribuição pelo estado, com o objetivo de avaliar a estratégia do voto casado, considerando os municípios onde tiveram melhor desempenho.

Quadro 1 – Desempenho eleitoral de Josimar e Detinha nas cidades que governaram* e outras onde ele obteve maior votação (10 municípios)

MUNICÍPIO

VOTAÇÃO NOS MUNICÍPIOS

Nª DE VOTOS RECEBIDOS E % SOBRE O TOTAL DO MUNICÍPIO

JOSIMAR

DETINHA

Nº votos

%

Nº votos

%

Zé Doca

14.525

63,17%

11.851

51,85

São Luís

13.692

2,6%

7.268

1,4%

Pedro do Rosário

5.241

44,89%

3.311

28,24%

Chapadinha

5.230

14,86%

14

0,03%

Monção

5.116

36,28

3.779

26,85

Santa Inês

4.598

11,60%

1.909

4,8%

Maranhãozinho

4.591

83,59%

4.250

77,98%

Centro do Guilherme

77,07%

4.103

76,75%

4.048

Igarapé do Meio

4.493

55,64

3.985

49,68%

Junco do Maranhão

1.262

34,99

987

50,33

*Extensiva aos parentes, com todos os casos destacados em itálico.

FONTE: ELABORADA PELOS AUTORES COM DADOS DO TSE / ELEIÇÕES 2018

Entre esses dez munícipios, quatro são tidos como “redutos” do casal (Maranhãozinho, Centro do Guilherme, Zé Doca e Junco do Maranhão), onde ambos os candidatos foram dominantes na votação municipal e onde cada um dos cônjuges, ou seus parentes, estiveram à frente da Prefeitura. Os demais seis municípios mostram em destaque a dispersão da votação de Josimar em outras cidades da região Turi onde o candidato obteve grandes votações, às vezes acompanhado e às vezes distanciado de Detinha. Os mapas 3 e 4 ilustram a concentração de votos na região do Turi, reduto eleitoral do casal.

MAPA 03 – Desempenho eleitoral de Josimar MAPA 04 – Desempenho eleitoral de Detinha
Fonte: produzido pelo LEGAL com dados do TSE (2022)

Em grandes colégios eleitorais não integrantes da região Turi há uma separação, com municípios onde apenas Josimar recebe grande número de votos (caso de Chapadinha) e outros, como São Luís, onde Detinha também é votada, mas em proporção menor. Isto pode ser atribuído ao cargo em disputa por Josimar (deputado federal), o qual exige mais votos e incentiva o candidato a fazer composições (dobradinhas) com outros candidatos a deputado estadual de diferentes regiões.

Considerações Finais

O Casal Maranhãozinho teve uma rápida ascensão política no estado e Josimar, inclusive, já demonstrou ambições de alçar voos políticos mais altos, ao se apresentar como um dos pré-candidatos ao governo do estado nas eleições de 2022. No entanto, fatores como a ruptura com o grupo governista e, consequentemente, a perda de aliados, e as acusações de envolvimento com ilícitos administrativos impuseram o adiamento desse projeto e o casal participa do pleito disputando duas vagas na Câmara Federal.

É significativo que os deputados mais votados no Maranhão, tanto para a Assembleia Legislativa quanto para a Câmara dos deputados, sejam um casal. Isto evidencia a continuidade do familismo na política municipal e estadual, afirmando o controle dos espaços de representação política como um negócio de famílias e de políticos que se profissionalizam nessa função, sempre atuando em conjunto para galgar novas posições. Casal que, visando ampliar o controle sobre a região, aciona uma estratégia de família ampliada com parentela e agregados fiéis, o que estende suas vantagens rumo à dominância eleitoral nesses municípios.

Com efeito, e ainda no âmbito da geografia eleitoral, constata-se a dominância do casal na região do Alto e Baixo Turi, a qual, entretanto, têm baixa densidade eleitoral, fato que direciona os candidatos à busca de colégios eleitorais mais amplos, ocasionando dispersão da votação, que, nos dois casos aqui analisados se distribuiu em quase todos os 217 municípios do estado.

Nesse diapasão, a influência e poder político do casal Maranhãozinho vai se ampliando tanto no plano horizontal, com forte presença em crescente número de municípios, como no plano vertical, referido aos cargos que ocupam, os quais já se estendem às esferas municipal, estadual e federal.

  1. As informações sobre patrimônio foram extraídas da base de dados do TSE (https://www.tse.jus.br/), relacionadas às respectivas eleições.

  2. Fontes pesquisadas: “O “MORAL DA BR” NA MIRA DA POLÍCIA FEDERAL”. Disponível em: < https://piaui.folha.uol.com.br/392402-2/> Acesso em: 13 set. 2022.

    “Deputados com processos criminais: a lista do Maranhão. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2019/02/28/deputados-com-processos-criminais-a-lista-do-maranhao.ghtml Acesso em: 13 set. 2022.

    “GAECO E POLÍCIA CIVIL REALIZAM OPERAÇÃO EM 13 MUNICÍPIOS CUMPRINDO MAIS DE 60 MANDADOS”. Disponível em: https://www.ssp.ma.gov.br/gaeco-e-policia-civil-realizam-operacao-em-13-municipios-cumprindo-mais-de-60-mandados/ Acesso em: 15 set. 2022.

  3. AMES, B. Os entraves da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: editora FGV,2003