Renovação na tradição: um exame conciso sobre a nova legislatura estadual do Amazonas

Marilene Corrêa da Silva Freitas, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite, Simone Machado de Seixas

O encerramento das eleições no dia 02 de outubro de 2022 consolidou, outra vez mais, a polarização entre esquerda e direita, entre progressistas e conservadores, entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido Liberal. Diferente de 2018, eleição marcada pela vitória disruptiva de Jair Bolsonaro (PSL) sobre Fernando Haddad (PT), agora temos um confronto direto do atual presidente da República contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na apuração nacional do último domingo, Lula conquistou 48.4% dos votos válidos, isto é, 57.259.403, ao passo que Bolsonaro, o segundo colocado, atingiu 43.2%, num total de 51.073.234. A vantagem numérica de Lula também foi relevante no Amazonas, onde o líder petista ficou com 49.57%, do total de 1.018.943 dos votos válidos e o candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro, marcou 42.81%, somando um total de 879.916 votos. De fato, é perceptível o alinhamento da associação estatística dos votos nacionais com o do estado, sendo o Amazonas considerado, há décadas, uma curiosa bússola informacional da preferência eleitoral nacional. Resumidamente, de Collor a Bolsonaro, o Amazonas, até o momento, não saiu derrotado de uma votação para o cargo de presidente da República.

A eleição para definição do governo estadual contou com a confrontação entre quatro grandes forças políticas. Finalizada a votação, Wilson Lima (UB) obteve 42.82%, Eduardo Braga (MDB) com 20.99%, ultrapassando, na reta final do pleito, o candidato Amazonino Mendes (Cidadania) que ficou com 18.56%, bem distante de Ricardo Nicolau (Solidariedade), o quarto colocado, com 11.37%. Na eleição para o Senado Federal, o atual senador Omar Aziz (PSD) superou o coronel Alfredo Menezes (PL) e assegurou a sua reeleição ao obter 41.42% dos votos válidos contra 38.98% do segundo colocado. O ex-prefeito e ex-senador Arthur Neto (PSDB) não atingiu dois dígitos e ficou com apenas 9.50%. Quanto à eleição para a escolha dos oito deputados federais, de fato, houve uma renovação de metade da bancada, com destaque para a expressiva vitória de Amom Mandel, um jovem de 21 anos e vereador de Manaus de primeiro mandato, que foi eleito com 288.555, 14.49% dos votos. Foram também eleitos: capitão Alberto Neto (PL) com 7.42%, Saullo Viana (UB) com 6.39%, Silas Câmara (Republicanos) com 6.28%, Atila Lins (PSD) com 5.14%, Sidney Leite (PSD) com 5.13%, Adail Filho (Republicanos) com 4.52% e Fausto Santos Jr. (UB) com 4.41%. A bancada federal do Amazonas voltou-se ainda mais para a direita e centro-direita do espectro multipartidário.

Uma vez definidos os números da votação no Amazonas, o propósito desta Nota Técnica, redigida após o término do processo eleitoral de 2022, é examinar o perfil dos novos membros do Poder Legislativo estadual para a Legislatura 2023-2026 na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). O foco da análise é mensurar a (1) taxa de renovação, (2) distribuição das forças partidárias e (3) fragmentação partidária; posteriormente, (4) identificar o peso das famílias políticas na composição da Assembleia Legislativa; e, por fim, (5) entender os cenários possíveis na interação Executivo-Legislativo.

As eleições legislativas de 2022 surpreenderam e apresentaram um elevado grau de renovação das forças legislativas estaduais. O padrão de renovação do legislativo estadual, à luz da série histórica iniciada na redemocratização, oscila entre 1/3 e 2/5, sendo a renovação fundamentalmente intrapartidária (substituição do candidato A pelo candidato B do mesmo partido), causando assim um baixo impacto na conformação do subsistema multipartidário. E, a esse respeito, o que podemos identificar nas eleições de 2022? Primeiramente, o ingresso de dez novos parlamentares na Assembleia Legislativa. Dos dezenove que disputaram uma vaga para a reeleição, catorze foram reconduzidos à sua função na casa. Nejmi Aziz (PSD), Belarmino Lins (Progressistas) e Ricardo Nicolau (Solidariedade) se retiram do escrutínio, sendo o último um dos candidatos para o governo estadual; e Saullo Vianna e Fausto Santos, ambos do União Brasil, elevados à condição de deputados federais. Serafim Corrêa (PSB), Álvaro Campelo (PV), Therezinha Ruiz (PL), Dermilson Chagas e Tony Medeiros (Republicanos) foram eleitoralmente punidos e não foram reconduzidos à ALEAM.

A distribuição das forças partidárias acentua ainda mais o perfil de partidos de direita e de centro-direita na composição da correlação de forças dos partidos legislativos. União Brasil formou a maior bancada da casa com a eleição de seis deputados. Roberto Cidade (o mais bem votado), Joana Darc (a segunda colocada) e Adjunto Afonso obtiveram a sua reeleição pelo partido; George Lins, filho e herdeiro político de Belarmino Lins, Thiago Abrahim, filho de Mário Abrahim, prefeito de Itacoatiara, e Mário César Filho somaram-se à bancada do partido que resultou da fusão DEM-PSL. Já o Avante, partido do prefeito de Manaus, David Almeida, formou a segunda maior bancada da ALEAM. O deputado Abdalla Fraxe logrou êxito com a sua reeleição e terá como correligionários os eleitos Daniel Almeida, irmão do prefeito, Mayara Dias, esposa de Bi Garcia, prefeito de Parintins, e Wanderley Monteiro. O Partido Liberal, do presidente Jair Bolsonaro, elegeu três deputados, sendo Débora Menezes, filha do coronel Alfredo Menezes, segundo lugar na disputa para o Senado, e a reeleição de Marciel Pareira e Péricles Nascimento. O Partido Social Cristão assegurou a reeleição de Alessandra Campêlo e Francisco Gomes. Dan Câmara, ligado à Assembleia de Deus, também fará parte da próxima legislatura. A Federação Fé Brasil (PT-PCdoB-PV), atrelada à candidatura do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, conquistou apenas duas vagas, com Sinésio Campos (PT) e Carlos Bessa (PV). O partido Republicanos garantiu a reeleição de João Luiz e Mayara Pinheiro. Um fato notável sobre a trajetória de Mayara Pinheiro foi o seu declínio da última eleição em 2018, quando obteve 50.819, para a atual, quando conquistou apenas 3/5 (29.747 dos votos válidos) da eleição passada. Os deputados eleitos Cristiano Dangelo (MDB), Felipe Souza (Patriota), Wilker Barreto (Cidadania) e Rozenha (PMB) seguirão, em 2023, carreira solo na arena legislativa e sem correligionários até o momento.

Um dado interessante sobre o processo eleitoral deste ano diz respeito à fragmentação partidária. Contrariando as taxas examinadas em eleições anteriores – e a série história corrobora a evolução contínua do Número Efetivo de Partidos (NEP), a saber: 12.03 em 2002, 13.50 em 2006, 13.32 em 2010, 16.70 em 2014 e 17.47 em 2018 – as eleições de 2022 reduziram significativamente o valor estatístico dos partidos verdadeiramente importantes na ALEAM. O índice do NEP para a Legislatura que iniciará os trabalhos em 2023 será de 7.28, o menor de toda nossa série histórica.

O resultado eleitoral para formação da Legislatura 2023-2026 apontou para uma orientação clara: o realinhamento dos partidos à direita e à centro-direita. A ascensão de partidos como União Brasil, PL e Avante pode afirmar as suas lideranças na ALEAM, no controle institucional do Colégio de Líderes, da Mesa Diretora e das principais Comissões, sobretudo a CCJ, Finanças e Ética. União Brasil coloca-se como principal partido da casa e enfatiza muito mais as características, os interesses e a predominância das elites estaduais. A União Brasil é também o partido de Wilson Lima, o atual governador e candidato à reeleição. O crescimento do Avante demonstra o poder eleitoral do prefeito de Manaus, David Almeida, no processo político estadual. Foi um eficiente cabo eleitoral e conseguiu formar uma bancada alinhada ao seu projeto. Hoje, Wilson Lima e David Almeida estão aliados. E, por fim, o Partido Liberal, partido de Bolsonaro, conseguiu marcar presença e eleger uma banca ideologicamente identificada com o presidente. Será, certamente, a voz e o representante dos interesses do presidente na ALEAM. A eleição de segundo turno entre Wilson Lima e Eduardo Braga, ao que tudo indica, tenderá a favorecer o primeiro se levarmos em conta apenas a composição dos partidos na casa legislativa. Eduardo Braga, ao que parece, não conseguiu constituir formalmente uma bancada estruturada e alinhada aos seus interesses. A esquerda partidária ficou sub-representada e o MDB elegeu apenas um deputado.