Adilson Vagner de Oliveira, Aryeh Hessel Craveiro, Maria Cristina M. de F. Bacovis, Raimundo N. C. de Franca
Mato Grosso, visto por muitos como um estado sem grandes conflitos políticos, principalmente por estar distante geograficamente do eixo centro-sul do país, na verdade, foi cenário de muitos eventos de grande efervescência política ao longo de sua história.
A história política do Estado de Mato Grosso é marcada por episódios carregados de dramaticidade: do coronelismo à divisão territorial (1977), da ocupação pelos bandeirantes ao desenvolvimento do agronegócio. O Estado de Mato Grosso apresenta estudos poucos voltados à compreensão de sua conformação política, tendo o repertório da Ciência Política como base de análise, embora nas duas últimas década tenha surgido inúmeros trabalhos que começam a estudar mais detidamente o fenômeno político mato-grossense.
Mato Grosso partiu de um Brasil interiorano, quase esquecido, e se transformou em centro de atenção mundial por conta de ser um Estado no qual subsiste um grande paradoxo a ser considerado: é grande produtor agropecuarista, reconhecido como um dos principais produtores agrícola do mundo, e, ao mesmo tempo, tem em seu território 3 (três) biomas de importância inigualável: Cerrado, Pantanal e Amazônia cuja conservação e preservação são imprescindíveis para o equilíbrio natural do planeta.
Em um escorço da história política do Mato Grosso convém destacar, a exemplo de outros estados brasileiros, que a sucessão política familiar também se fez e faz presente, tendo exemplos de norte a sul e de leste a oeste do Estado. Nesse sentido, este boletim tem como objetivo identificar a proeminência familiar na política mato-grossense contemporânea.
É bastante comum prefeitos de cidades mato-grossenses fazerem de seus filhos, seus sucessores políticos, inclusive alçando-os a outros cargos em outras esferas de poder.
Alguns exemplos de sucessão familiar na política Mato Grossense podem ser citados:
Em Poxoréu, Joaquim Nunes Rocha, farmacêutico e pecuarista, o Rochinha, foi prefeito (1950), deputado estadual (1966 e 1970), deputado federal (1974) e seus filhos Lindberg Nunes Rocha e Louremberg Nunes Rocha seguiram seus passos, o primeiro foi prefeito daquele município em três mandatos (1970, 1983 e 1997), o segundo exerceu mandatos de deputado federal (1978) e senador (1986), e foi Secretário Estadual de Educação.
Em Cuiabá, centro sul do Mato Grosso, Vicente Vuolo, delegado e promotor de justiça, por duas vezes foi deputado estadual (1966 e 1970), prefeito (1963), deputado federal (1974) e senador (1979); seus filhos Vicente Vuolo e Francisco Vuolo, o seguem e ambos se elegeram vereadores em Cuiabá.
Em Rondonópolis, sul do Mato Grosso, a família Bezerra, na pessoa de Carlos Bezerra (ex-governador, ex-senador e, atualmente, no 4º mandato de deputado federal) e Teté Bezerra (ex-deputada federal por 2 (dois) mandatos, ex-deputada estadual), sua esposa, têm sido os grandes protagonistas em termos familiares da política local.
Em Alto Garças, nordeste do Mato Grosso, Cezalpino Mendes Teixeira, o Pitucha, foi prefeito entre 1993 e 1997, e seu filho Cezalpino Mendes Teixeira Filho, o Pituchinha, também foi prefeito em duas oportunidades (2005/2008 e 2013/2016).
Em Barra do Garças, nordeste do Mato Grosso, os herdeiros do espólio político do Ex-governador Wilmar Peres de Farias têm ao longo de mais década, seja por meio de seu filho, Roberto (Beto) Farias, seja por meio do sobrinho, Wanderley Farias.
Em Tangará da Serra, médio norte do Mato Grosso, Saturnino Masson foi prefeito (2011/2012) e deputado estadual (2015/2018) e, em 2020, seu filho Vander Masson se elegeu para a prefeitura do município.
Em Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, no norte do Mato Grosso, os irmãos Pivetta (Adriano Pivetta e Otaviano Pivetta). Adriano Pivetta exerceu por quatro mandados o cargo de prefeito de Nova Mutum. Já Otaviano Pivetta exerceu por dois mandatos o executivo de Lucas do Rio Verde, foi deputado estadual e, atualmente, exerce o cargo de vice-governador do Estado, disputando a reeleição na chapa que tem o governador Mauro Mendes como candidato.
Esses exemplos são uma pequena demonstração de como as relações de parentesco estão entranhadas na política mato-grossense principalmente nas esferas de poder municipal.
Não se pode falar em força política familiar no Mato Grosso sem citar o empresário e colonizador André Antônio Maggi, baluarte da Família Maggi, que foi prefeito de Sapezal. Blairo Maggi, seu filho, foi suplente de senador, governador por 2 (dois) mandatos, senador (eleito e 2010 com mais de um milhão de votos) e ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Considerado o maior produtor individual de soja do mundo, Blairo Maggi (por meio do Grupo Amaggi) é responsável por cerca 5% (cinco por cento) da produção anual do grão brasileiro. Os Maggi, notadamente, Blairo Maggi não fizeram herdeiros políticos diretos, mesmo assim, a competição das últimas duas décadas no Mato Grosso passa por seu raio de influência direta, em função de seu capital político e econômico.
Merece relevo a participação política da Família Pinheiro que teve no ex-senador Jonas Pinheiro um de seus principais destaques. Jonas Pinheiro exerceu por três mandatos o cargo de deputado federal e duas vezes de Senador da República. Ajudou a eleger Celcita Pinheiro, sua esposa, ao cargo de deputada federal. Outro lado familiar iniciou sua representação política com Emanuel Pinheiro da Silva Primo que em 1962 elegeu-se deputado à Assembleia Legislativa de Mato Grosso, reeleito em 1966, sendo presidente da Assembleia Legislativa de 1967 a 1969. No pleito de novembro de 1970 elegeu-se deputado federal. Seus herdeiros políticos diretos são Emanuel Pinheiro, ex-deputado estadual e atual prefeito de Cuiabá, e Emanuelzinho Pinheiro, deputado federal candidato à reeleição. E, como surpresa nesse pleito de 2022, a candidatura de Márcia Pinheiro, esposa do prefeito de Cuiabá, para governadoria do Estado.
Considera-se que uma das famílias mais emblemáticas politicamente em Mato Grosso é a Família Campos. Júlio Domingos de Campos, Seo Fiote, foi vereador da primeira legislatura quando o município de Várzea Grande foi emancipado (1948), foi prefeito da cidade por 2 (dois) mandatos; empresário e patriarca de uma das famílias mais tradicionais na política mato-grossense. Dentre seus 9 (nove) filhos, Júlio Campos, Jayme Campos, Benedito Paulo e Márcia Campos, em algum momento, também escolheram a política.
Benedito Paulo, arquiteto, foi Secretário Estadual de Cultura (2003) e prefeito de Jangada (2004), município ligado a Várzea Grande e Márcia Campos, suplente nas eleições de 2004, assumiu mandato de vereadora por Cuiabá em 2008.
Júlio Campos cursou agronomia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e ainda na vida acadêmica ocupou o cargo de vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes de Agronomia do Brasil entre 1967 e 1968. Formou-se em 1969 e, no ano seguinte, retornou à Várzea Grande, assumindo a Secretaria de Viação e Obras Públicas da prefeitura municipal. Foi prefeito de Várzea Grande (1972), deputado federal (1978) e foi o primeiro governador eleito pelo voto direto (1982)
Durante o mandato de Júlio Campos como governador os migrantes vindos especialmente das regiões sudeste e sul do Brasil foram responsáveis pelas atividades madeireira e agrícola, dando origem a novos municípios, num processo acelerado de urbanização.
Júlio Campos foi eleito com forte discurso de modernização e progresso com o slogan “Quatro anos de governo, quarenta anos de progresso”. Entretanto, ao final do mandato, sua imagem estava desgastada face à situação financeira do estado, com ameaça da oposição representada pelo PMDB pedir intervenção federal no estado. O pedido de intervenção efetivamente foi votado pelo plenário da Assembleia Legislativa, mas, após uma sessão tumultuada, o plenário votou contra a intervenção, seguindo-se do arquivamento do pedido.
Mesmo após essa instabilidade política Júlio Campos exerceu mais 2 (dois) mandatos de deputado federal (1986 e 2010) e um mandato de senador (1990), além de ter sido conselheiro do TCE (2002).
Outro filho de Seo Fiote, Jayme Campos, elegeu-se 3 (três) vezes para a prefeitura de Várzea Grande (1982, 1996 e 2000), foi governador (1990) e cumpre o segundo mandato alternado de senador (2006 e 2018). Fato marcante na sua administração como governador foram as privatizações das Centrais Elétricas de Mato Grosso (CEMAT), concessionária de energia do Estado, e do Banco do Estado de Mato Grosso (BEMAT). Na área da educação, em seu governo houve a implantação da Universidade do Estado de Mato Grosso com sede em Cáceres. Atualmente Jayme Campos é senador eleito pelo DEM.
Outra família que tem tido bastante destaque dentro da dinâmica política mato-grossense é a Família Riva. José Riva descende de família agropecuarista, iniciou sua vida política em 1983, aos 23 (vinte e três) quando foi eleito prefeito de Juara. Em 1990 concorreu ao cargo de deputado estadual, ficando com a 2ª suplência. Em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010 foi eleito deputado Estadual. Ocupou diversos Cargos na Assembleia do Estado de Mato Grosso, inclusive de presidente da Casa. Em 7 de maio de 2013, José Riva foi afastado da presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Ele foi acusado de desvio de dinheiro público.
A filha de José Riva, Janaína Greyce Riva Fagundes, mais conhecida como Janaína Riva, atualmente, é a única mulher parlamentar na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Janaina está em seu segundo mandato, sendo que na eleição de 2018, dentre todos os candidatos , foi quem obteve maior número de votos (51.546 votos). Com o pedido de licença do então presidente da Assembleia, Eduardo Botelho, em 2019, assumiu a presidência da Assembleia Legislativa do Estado, tornando-se a primeira mulher a ocupar esse cargo.
As eleições de 2022 têm como candidatos à Assembleia Legislativa de Mato Grosso 4 (quatro) dos prepostos das famílias políticas mais representativas do Estado: Júlio Campos e Janaina Riva Já para Câmara Federal, apresentam-se Márcia Pinheiro, Emanuelzinho Pinheiro e Carlos Bezerra, vinculados aos clãs dos Pinheiro e dos Bezerra.
O atual governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, candidato à reeleição com ampla vantagem nas pesquisas (43% de intenção de votos), é apoiado por Blairo Maggi (tradicional apoiado de Lula); contudo, Mendes cercou-se de apoiadores de Jair Bolsonaro, mantendo ao seu lado as famílias que dominam o agro. O candidato ao Senado de Mendes é o senador Wellington Fagundes que também conta com o apoio de um dos grupos da política tradicional de Mato Grosso, a família Campos.
Júlio Campos, depois de um longo afastamento da política, candidatou-se a uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado e com o apoio de seu irmão/senador Jayme Campos, tem a possibilidade de conquistar uma vaga no legislativo estadual.
Por outro lado, campeã de votos na eleição passada e única deputada, atualmente, na Assembleia Legislativa, tem grande números de apoiadores no Estado, conta com o apoio de seu pai José Riva, que a ainda tem em muitos seguidores.
Em recentes entrevistas Janaina Riva não escondeu o desejo de o próximo pleito candidatar-se a governadora do Estado.
Registre-se, ainda em tempo, que Janina Riva é nora do senador, candidato à reeleição, Wellington Fagundes, casada com seu filho Diógenes Fagundes.
Numa análise preliminar esses dois nomes aparecem como depositários de expressivas votações, ambos com apoio do agro, Júlio Campos, que apesar do distanciamento político por alguns anos, tem grandes medalhões em seu esteio e Janaina Riva como atual deputada mais votada e bastante ativa em sua trajetória política.
Em síntese, observa-se que, no Mato Grosso, há forte presença do familismo político nas disputas locais, mas que não tem sido reproduzida de forma mais acentuada na competição política estadual e, mesmo federal, especialmente a partir 2000, momento em que se observa o crescimento da Agenda Agro na representação política mato-grossense nas esferas do Legislativo (estadual e federal) e no Executivo estadual.