Partidos e eleições: volatilidade eleitoral e fragmentação partidária em Rondônia (2002 – 2018).

João Paulo S. L. Viana; Patrícia M. C. de Vasconcellos; Melissa V. Curi; Jamila Martini.

1. Introdução

Nas eleições de 2018, o estado de Rondônia concedeu a Jair Bolsonaro (PL) uma das maiores votações entre os estados brasileiros. O caso rondoniense torna-se ainda mais interessante quando comparamos a votação para presidente nos municípios por unidade federada. Rondônia foi o único estado onde Bolsonaro, então filiado ao PSL, venceu em todos as cidades no primeiro e no segundo turno da disputa presidencial. Ainda no tocante à competição eleitoral, as peculiaridades de Rondônia não cessam por aqui. Durante as décadas de 1980 e 1990, o recém-criado estado da federação apresentou um dos maiores índices nacionais de volatilidade eleitoral (VIANA, 2019; VIANA & SANDES-FREITAS, 2022). A fragmentação partidária também tem sido uma característica das eleições proporcionais rondonienses.

No presente boletim, analisaremos a evolução da competição eleitoral rondoniense no século XXI, a partir de dois indicadores da ciência política: volatilidade eleitoral e número efetivo de partidos. Muito utilizado em estudos sobre os partidos e eleições, o índice volatilidade eleitoral tem como objetivo mensurar a continuidade ou descontinuidade nos padrões de votação em um partido entre duas ou mais eleições consecutivas e, consequentemente, o grau de estabilidade ou instabilidade dos sistemas partidários. Desenvolvido por Pedersen (1979), o índice é aplicado em estudos sobre institucionalização de sistemas partidários em países da terceira onda da democracia, e no caso brasileiro por intermédio da obra de Mainwaring (2001), entre outros.

No que se refere ao Número Efetivo de Partidos (NEP), o índice desenvolvido por Laakso e Taagepera (1979) busca compreender o grau de fragmentação partidária, sendo utilizado para medir, sobretudo, o número de partidos que realmente importam no processo político. Ressalta-se que, no caso do NEP, o indicador é empregado para mensurar a fragmentação partidária na competição eleitoral e no parlamento. Enquanto o primeiro avalia o número de partidos relevantes na competição eleitoral, no último, a análise tem como foco o número de legendas que importam dentro do parlamento, especificamente, na relação Executivo-Legislativo.

2. Volatilidade eleitoral na competição política em Rondônia

Como assinalado, durante as décadas de 1980 e 1990 o estado de Rondônia apresentou uma das maiores médias nacional de volatilidade eleitoral nas disputas para Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados. Segundo Viana (2019), a elevada migração partidária, em ambos os níveis de disputa, foi um dos principais fatores que contribuiu diretamente para que a competição eleitoral rondoniense registrasse, naquele período, um dos mais altos níveis de volatilidade entre os estados brasileiros. A migração partidária também contribuiu, à época, diretamente para o aumento do número de legendas no subsistema partidário rondoniense.

No momento posterior à fundação do estado em 1982, que coincide com o período de redemocratização do País, Rondônia apresentou praticamente um sistema bipartidário com PDS/PFL e PMDB liderando as disputas à Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa. A partir da eleição de 1990 observa-se um processo de abertura do mercado da competição política rondoniense, com a entrada de novos atores e partidos eleitoralmente relevantes. Se a volatilidade eleitoral apresentava altos índices entre os estados brasileiros, principalmente pela fundação do PFL, assumindo o lugar do PDS em meados da década de 1980, em Rondônia as altas taxas de volatilidade eleitoral permanecem durante toda a década de 1990.

Não obstante, diante da ausência de um formato de estruturação mínima, marcado pela alta volatilidade e elevada da fragmentação, caracterizado pela literatura como um caso notório de instabilidade e baixa institucionalização, Rondônia inicia o século XXI com uma razoável mudança nos padrões de competição política. A partir desse momento, o caso rondoniense apresentaria razoável queda dos índices de volatilidade e a estabilização da fragmentação, além de um cenário de maior inteligibilidade e previsibilidade das disputas eleitorais, seguindo um padrão muito semelhante ao sistema partidário nacional (VIANA, 2019; VIANA & SANDES-FREITAS, 2022).

Cumpre mencionar, a partir da eleição de 2002, a emergência do PT na competição eleitoral rondoniana. Ainda que a legenda estivesse organizada no estado desde as eleições inaugurais de 1982, apenas em 2002 o partido de Lula em Rondônia obtém representação na Câmara dos Deputados, alcançando o maior número de cadeiras em disputa, ao lado do tradicional PMDB, com 25% de representantes. Feito também desempenhado pelo PT na disputa à ALE-RO, constituindo-se como o maior partido da casa legislativa estadual, num contexto de alta fragmentação partidária. Apesar de o PDT brizolista anteriormente já se posicionar como uma legenda importante em nível estadual, num cenário dominado por partidos e políticos conservadores pode-se afirmar que 2002 foi, com o sucesso do petismo, de fato, o ano em que a esquerda se consolida como um ator de relevância na política rondoniense.

No gráfico 1 apresentamos o desenvolvimento da volatilidade eleitoral no sistema partidário subnacional rondoniano para Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa, no período de 2002 a 2018.

Gráfico 1 Volatilidade eleitoral.
Fonte: Produzido pelos autores do LEGAL- RO

Como mencionado anteriormente, embora nacionalmente as taxas de volatilidade eleitoral apresentassem razoável declínio desde a década de 1990, no caso rondoniense somente a partir do início dos anos 2000 os índices de volatilidade se aproximariam da média nacional. Ressalta-se que a mudança nos padrões da volatilidade eleitoral em Rondônia vem acompanhada diretamente pela drástica diminuição nas taxas de migração partidária entre os parlamentares rondonienses naquele período, em ambos os níveis de disputa (VIANA, 2019).

Nota-se também que, com o início de um período de notória estabilização da competição eleitoral brasileira a partir das eleições gerais de 1994, na primeira década do século XXI o fenômeno da “presidencialização das eleições” incide com mais força sob o subsistema partidário rondoniense. No decorrer dos anos 2000, um processo de coordenação dos atores políticos nas arenas nacional e estadual passa a ter maior preponderância em Rondônia (VIANA & SANDES-FREITAS, 2022).

No caso das eleições para a ALE-RO, há uma queda drástica nos níveis de volatilidade seguida de leve oscilação e razoável estabilização. No tocante às disputas à Câmara dos Deputados em Rondônia, após uma significativa redução observada desde a passagem do século, o índice oscila e volta a subir após a eleição de 2014. Todavia, nas eleições à Câmara Federal o padrão rondoniense de volatilidade eleitoral segue tendência observada no sistema partidário brasileiro.

Importante ressaltar que o aumento substancial da fragmentação partidária, notadamente a partir das eleições gerais de 2014, é um fator que incide diretamente sobre os níveis de volatilidade nos âmbitos nacional e estadual. Assim, pode ser observado como consequência também da criação e entrada de novas legendas no sistema partidário, o que ampliaria a oferta eleitoral. Nesse sentido, aponta-se para uma estreita relação entre o aumento da fragmentação partidária e a elevação dos índices de volatilidade eleitoral (VIANA, 2019).

3. O Número Efetivo de Partidos no subsistema partidário rondoniense

Desde a redemocratização e o início da Nova República, a fragmentação partidária tem sido uma característica marcante do sistema partidário brasileiro. Atualmente, o Brasil apresenta a maior fragmentação partidária entre as democracias ocidentais. Tal fenômeno possui implicações diretas sobre o processo político e o funcionamento do presidencialismo de coalizão brasileiro, fundamentalmente, no que se refere à formação de coalizões de governo que garantam base de apoio ao Executivo no Congresso Nacional. No âmbito dos estados, a fragmentação partidária é também um traço marcante das Assembleias Legislativas brasileiras.

Entre os parlamentos estaduais, Rondônia apresenta um dos maiores índices de fragmentação partidária durante a série histórica analisada. Não obstante, o NEP eleitoral de Rondônia atual na eleição para a ALE-RO segue, por exemplo, níveis de um estado como o Rio de Janeiro. Ainda que elevado, quase 17 partidos, apresenta um padrão de crescimento observado nacionalmente desde as eleições gerais de 2014. No que se refere às eleições para a Câmara dos Deputados, o NEP eleitoral do subsistema partidário rondoniense, já considerado elevado, praticamente dobrou entre as eleições de 2014 e 2018.

De fato, além da própria natureza heterogênea e plural da sociedade brasileira, o que em parte explicaria a fragmentação existente no sistema partidário, até a eleição de 2018 muitos incentivos por parte da legislação eleitoral contribuíram para a atual explosão no número de partidos representados nas casas legislativas brasileiras. No caso específico de subsistema partidário de Rondônia, a entrada do PSL e outros pequenos partidos conservadores no cenário político, diga-se de passagem, competitivos eleitoralmente no âmbito estadual, podem ter sido fatores ainda mais decisivos para o aumento exponencial no NEP eleitoral na disputa à Câmara dos Deputados, em 2018 (VIANA & SANDES FREITAS, 2022). No gráfico 2 apresentamos o NEP eleitoral nas disputas para Assembleia Legislativa e Câmara dos Deputados no sistema partidário subnacional rondoniense, no período de 2002 a 2018.

Gráfico 2. NEP Eleitoral
Fonte: Produzido pelos autores do LEGAL- RO

O NEP parlamentar na ALE-RO pode ser considerado também elevado. Em se tratando de um parlamento estadual com 24 cadeiras, o índice apresenta quase 14 partidos efetivos representados na ALE-RO. Ainda mais elevado, é o caso do NEP parlamentar rondoniense nas disputas para a Câmara dos Deputados, no qual a fragmentação partidária chega ao seu ápice com 8 partidos representados nas 8 cadeiras do estado na Câmara Federal. No gráfico 3 apresentamos o NEP parlamentar nas disputas para Assembleia Legislativa e Câmara dos Deputados no subsistema partidário rondoniense, no período de 2002 a 2018.

Gráfico 3. NEP Parlamentar
Fonte: Produzido pelos autores do LEGAL- RO

4. Balanço em forma de conclusão

Embora os atuais índices de volatilidade eleitoral e número efetivo de partidos eleitoral e parlamentar sejam bastante elevados em Rondônia, aumentando significativamente a partir de 2014, após um período de relativo declínio e estabilização, as altas taxas atuais de ambos os indicadores seguem um padrão muito semelhante ao caso nacional. Fato que denotaria mais uma tendência do sistema partidário brasileiro naquele momento, do que uma especificidade do subsistema partidário rondoniense. Assim, o mercado da competição política em Rondônia, dominado por partidos conservadores, possui uma ampla oferta eleitoral que exerce consequências diretas sobre a fragmentação e, por conseguinte, nos índices de volatilidade eleitoral.

Apesar do cenário atual indicar para a continuidade no predomínio de partidos à direita do espectro ideológico no subsistema partidário rondoniano nas eleições de 2022, alterações recentes efetuadas no sistema eleitoral e partidário brasileiro podem contribuir, fundamentalmente, para mudanças estabilizadoras. Nesse contexto, o fim das coligações proporcionais e uma cláusula de desempenho, esse ano no patamar de 2%, certamente produzirão efeitos significativos de redução do quadro partidário brasileiro e, muito provavelmente, sobre o caso rondoniense. A médio e longo prazo, essas medidas tendem a contribuir para estabilização do nosso sistema político. Retornaremos a esse tema numa próxima oportunidade.

5. Referências

LAAKSO, Markku; TAAGEPERA, Rein. “Effective” Number of Parties: A Measure with Appli- cation to West Europe. Comparative Political Studies, v. 12, n. 3, 1979.

MAINWARING, Scott. Sistemas Partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

PEDERSEN, Mogens. N. The Dynamics of European Party Systems: Changing Patterns of Electoral Volatility. European Journal of Political Research, v. 7, n. 1, 1979.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão. Sistema Partidário Subnacional e Competição Eleitoral: o caso de Rondônia (1982-2014). Tese (Doutorado) – IFCH/UNICAMP, 2019.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão; SANDES-FREITAS, Vitor Eduardo de Veras. . A Dinâmica Institucional do Subsistema Partidário Rondoniense: conjugando racionalidade política contextual à nacional (1998-2018). In: Denise Paiva; Pedro Pietrafesa. (Org.). Sistemas Partidários, Partidos e Eleições: Tendências e dinâmicas da federação brasileira. 1ed.Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2022, v. 1, p. 249-279.