Mapeando a produção Legislativa da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA): 2019-2021

Bruno de Castro Rubiatti, Raimunda Eliene Sousa Silva, Rodrigo Dolandeli, Carlos Augusto Souza e Mariana Costa

Introdução

A organização federativa do Brasil dota os estados (e municípios) de certa dose de autonomia administrativa e política. Esse quadro faz com que muitas decisões sobre as políticas públicas sejam tomadas no âmbito das Assembleias Legislativas estaduais. De acordo com dados do IBGE (2019), o estado do Pará possui uma superfície de 1.245.870 km², se constituindo como o segundo maior estado do país em dimensão territorial. O Estado possui 144 municípios e uma população estimada em 8.777.124 habitantes, a maioria residente em áreas urbanas, sendo que a capital, Belém, concentra a maior população com cerca de 1,5 milhão de habitantes. A Assembleia Legislativa do Estrado do Pará (ALEPA) possui 41 deputados eleitos pelas mais diversas legendas que compõem o subsistema partidário estadual.

Tendo isso em mente, temos por objetivo mapear a produção legislativa da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA) na atual legislatura, cobrindo as iniciativas que deram entrada na ALEPA entre os anos de 2019 e 2021. Para tanto, foram coletadas todas os Projetos de Lei (PL), Projeto de Lei Complementar (PLP) e Propostas de Emenda à Constituição estadual (PEC), totalizando 1.245 iniciativas. Assim, serão destacados os propositores e a taxa de sucesso das iniciativas, além de apontar quais as temáticas foram objeto da agenda legislativa do estado do Pará.

Quem inicia e quem aprova? Executivo e Legislativo no processo Legislativo do Pará

Um primeiro ponto a se destacar é o tipo de iniciativa, isto é, se a agenda legislativa foi composta por PECs, PLPs ou PLs. Essa informação permite observar se os temas tratados pelo Executivo e Legislativo estadual envolveram medidas de alteração e regulamentação constitucional ou se foi centrado em legislação ordinária.

Gráfico 1 – Tipo de iniciativas que iniciaram seu trâmite na ALEPA
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)
Linha do tempo

Descrição gerada automaticamente

Como se pode notar no gráfico 1, há um predomínio de PLs entre as iniciativas (95,4%), o que já é esperado, dado que esse tipo de iniciativa é a mais corriqueira e não altera nem regulariza normas constitucionais; além de terem um processo legislativo mais simples em termos de tramitação e maiorias exigidas se comparados com as PLPs e PECs. Ainda sobre a distinção entre os tipos de iniciativa, é importante notar que enquanto o Legislativo tem predomínio nas proposições de PLs e PECs – 86,9% e 70,4% respectivamente –, o Executivo é o responsável por iniciar mais da metade das PLPs: 60,0%. Dessa forma, diferentes instrumentos são utilizados para iniciar a agenda do Executivo e dos Legisladores.

Mesmo o Executivo tendo iniciado mais da metade das PLPs, é importante destacar que elas representam apenas 2,4% das iniciativas feitas na atual legislatura. Dessa forma, o predomínio das iniciativas acaba sendo dos próprios legisladores, como se pode notar no gráfico 2.

Gráfico 2 – Iniciativas por Propositor
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

Os Deputados Estaduais da ALEPA iniciaram 84,6% dos projetos apresentados entre 2019 e 2021, ficando o Executivo com 12,8% das iniciativas. Os 2,6% restante foram iniciativas de outros atores com capacidade de propor projetos de lei: Tribunal de Justiça do Estado, Tribunal de Contas do Estado, Tribunal de Contas dos Municípios, Defensoria Pública, Ministério Público do Estado e Ministério Público de Contas dos Municípios. Essa preponderância das iniciativas dos legisladores estaduais pode ser vista como uma possível consequência dos baixos custos para se iniciar uma proposição: além dessa faculdade estar disponível para qualquer legislador, não há impacto negativo para o parlamentar que inicia uma lei e não consegue fazer com que ela seja aprovada, ao contrário do que ocorre com o Executivo, pois derrotas do governo no legislativo tem impacto sobre sua imagem frente ao eleitorado e em sua gestão, o que leva o Executivo a buscar antecipar os resultados de suas iniciativas, evitando iniciar medidas que venham a enfrentar obstáculos para sua aprovação.

Assim, para uma melhor compreensão da produção legislativa da ALEPA, faz-se necessária a análise das matérias que chegaram a um resultado na atual legislatura. O gráfico 3 mostra a taxa de sucesso, isto é, a proporção de projetos aprovados de cada um dos propositores.

Gráfico 3 – Taxa de Sucesso por propositor
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

Como se pode observar, o Executivo aprovou 89,9% das suas iniciativas na ALEPA, índice muito superior ao do Legislativo, que foi de 39,7%, o que reforça o que foi dito anteriormente: para o legislador individual pode bastar iniciar uma proposição para dar resposta aos seus apoiadores. Importante destacar que mesmo com uma taxa de sucesso muito superior, o Executivo ainda é minoritário se olharmos o total de projetos aprovados na ALEP: enquanto o Legislativo iniciou 71,8% das propostas aprovadas, o Executivo fica responsável pela proposição de 24,6% delas. Todavia, mesmo que se mantenha a preponderância do Legislativo nos projetos aprovados, nota-se que há um incremento na participação do Executivo nas aprovações em relação as iniciativas, reforçando a percepção de que o governo estadual cumpre importante papel no processo legislativo estadual.

Complementarmente, cabe destacar que nenhuma das proposições do Executivo foi efetivamente rejeitada. Além da aprovação de 89,9% de suas iniciativas, outros 6,3% continuam tramitando na ALEPA ainda sem decisão e 3,8% foram retiradas pelo próprio Executivo. Assim, como a legislatura ainda está em curso, a taxa de sucesso do Executivo ainda pode crescer. Por outro lado, ao observar os resultados do Legislativo, nota-se que 4,9% já foram rejeitadas, 0,1% prejudicadas, 2,9% retiradas e 52,6% ainda se encontram em tramitação. Com isso, pode-se ver que há uma filtragem de projetos dos próprios legisladores, tendo, além das aprovações, rejeições e outras formas de retenção das iniciativas no próprio Legislativo. Somado a isso, nota-se que há uma maior celeridade no tratamento das iniciativas do Executivo, se comparado com o Legislativo, o que fica mais claro ao se observar o tempo de tramitação das iniciativas de cada um desses atores.

Gráfico 4 – Tempo de tramitação das matérias por propositor (em dias)
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)
Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

O gráfico 4 apresenta a média e a mediana de tramitação dos projetos aprovados do Executivo e do Legislativo, e fica nítido que o tempo de tramitação dos projetos do Executivo é significativamente menor do que os do Legislativo. Uma das explicações para isso é a utilização do regime de urgência na tramitação dos projetos. Quando observamos os projetos aprovados do Executivo, vemos que 87,4% deles tramitaram em urgência. Por outro lado, nenhum projeto do Legislativo aprovado tramitou sob esse regime, seguindo, então, o trâmite normal.

O que se propõe e se aprova? As temáticas dos projetos que tramitam na ALEPA

Uma última questão a ser tratada nesse mapeamento da produção legislativa da ALEPA é a temática dos projetos que iniciaram trâmite no legislativo estadual paraense. Para tanto, os projetos foram classificados em 16 categorias abrangendo diferentes áreas de políticas públicas, a dizer: 1) agricultura, 2) Cidades e Transportes, 3) Ciência, Tecnologia e Comunicação, 4) Direito do Consumidor, 5) Direitos Humanos, 6) Economia e Orçamento, 7) Educação, Cultura e Esportes, 8) meio Ambiente e Energia, 9) Política e Administração Pública, 10) Saúde, 11) Segurança, 12) Trabalho, Previdência e Assistência, 13) Pandemia, 14) declaração de Utilidade Pública, 15) Honoríficos e Simbólicos e 16) Outros. O gráfico 7 apresenta o número de iniciativas e aprovações em cada temática.

Gráfico 5 – Distribuição dos Projetos por temáticas: iniciadas e aprovadas
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)
Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Como se pode notar, o maior volume nas iniciativas e nas aprovações é a “Declaração de utilidade pública”, representando 28,8% das iniciadas e 39,0% das aprovadas. Cabe aqui destacar que todas essas propostas têm como propositores Deputados Estaduais e sua finalidade é conceder a grupos e organizações da sociedade um reconhecimento que lhes permita celebrar contratos e convênios com o estado de forma simplificada. Assim, essas iniciativas podem ser vistas como um instrumento de fortalecimento das bases eleitorais dos deputados.

Na sequência, estão os projetos que envolvem a organização política e a administração pública. Nesse caso, o Executivo é responsável por apresentar 49,7% das iniciativas – o restante das Iniciativas se divide entre o Legislativo, com 29,7%, e outros propositores, com 20,6% – e 70,2% das aprovadas. Dessa forma, nota-se certo predomínio do Executivo nessa temática.

No que tange ao número de iniciativas, os projetos “honoríficos e simbólicos” estão empatados com os de política e administração pública: 155 para cada (12,4% do total de iniciativas). Todavia, o número de aprovações de leis honoríficas e simbólicas é ligeiramente inferior: são 94 aprovadas para Política e Administração pública e 82 para simbólico e honorífico (16,4% e 14,3% do total de aprovadas respectivamente). Os projetos honoríficos, também são apresentados majoritariamente pelo legislativo, que é responsável por 97,4% das iniciativas e 96,3% das aprovadas.

“Educação, Cultura e Esportes” ocupam a quarta posição com 7,9% das iniciativas e 3,3% das aprovadas. Nessa temática o legislativo é responsável por apresentar 98,5% das iniciativas, mas apenas 57,6% das aprovadas são de sua autoria, ou seja, o Executivo propõe menos nessa temática, mas mantém forte participação nas aprovações, mostrando um maior sucesso em suas medidas, comparadas ao legislativo.

Por fim, cabe falar de duas outras categorias: Pandemia e Saúde. Ambas apresentaram o mesmo número de iniciativas (88 cada, 7,1% das iniciativas), ficando abaixo de “educação, Cultura e Esportes”. Porém, ao observarmos seus resultados a situação se inverte: no que tange à “Pandemia” foram 31 projetos aprovados (5,4% do total), já para a saúde foram 4,5% do total. Além disso, o Executivo foi responsável por apresentar 14,8% das iniciativas sobre a Pandemia, mas 41,9% das matérias dessa temática aprovadas foram de origem desse poder. Cabe notar que todas as propostas do Executivo sobre a Pandemia foram aprovadas no Legislativo, mostrando uma forte cooperação entre os poderes no que tange essa temática.

Por fim, há diferenças nas agendas propostas pelo Executivo e Legislativo. Para o Executivo, as maiores frequências de temáticas foram “Política e Administração Pública” (48,4%), “Economia e Orçamento” (13,8%) e Pandemia (8,2%). Como se pode notar, mais da metade das proposições do Executivo foram na área de administração e economia. Por outro lado, as maiores frequências para o legislativo foram “Declaração de Utilidade pública” (34,0%), “Honorífico e Simbólico” (14,3%) e “Educação, Cultura e Esporte” (8,5%). Nota-se que a agenda do legislativo é mais diversificada, se fragmentando em diversas áreas das temáticas sociais, apesar do predomínio das iniciativas de “declaração de utilidade pública”.

Considerações finais

A partir dos dados levantados é possível afirmar que há uma importante atuação da Assembleia Legislativa paraense, tanto no que tange às iniciativas quanto nas aprovações, isto é, o Legislativo estadual apresentou e aprovou número considerável de leis nesse período. Importante destacar que boa parte dessa produção se dá a partir de projetos de lei ordinário, indicando uma atuação voltada para a formulação e implementação de normas infraconstitucionais, focadas na formulação de leis que visam cuidar do “dia a dia” da política estadual.

Somado a isso, observou-se também a forte atuação do Executivo estadual na produção legislativa, o que pode ser visto pela sua alta taxa de sucesso e pelo curto tempo de tramitação das matérias de sua autoria. Ainda sobre a questão do tempo, também foi possível constatar que a maior parte dos projetos aprovados do Executivo tramitaram em regime de urgência, o que torna mais célere sua avaliação. Todavia, apontar esse papel do Executivo não é o mesmo que afirmar que o Legislativo tem pouca atuação, ao contrário, nota-se uma forte participação dos legisladores estaduais na proposição e aprovação de matérias, mesmo que sua taxa de sucesso seja inferior a apresentada pelo Executivo.

Por fim, também foi possível notar as diferenças temáticas das proposições de cada poder, sendo que o Executivo prioriza matérias de cunho econômico e administrativo e o Legislativo foca nas declarações de utilidade pública e outras temáticas sociais, tendo peso também as iniciativas honoríficas e simbólicas.

Esse primeiro mapeamento abre espaço para outras questões a serem exploradas, como as iniciativas partidárias e suas temáticas, a utilização dos vetos do Executivo, o papel das comissões na ALEPA entre outras. Dessa forma, compreender e analisar o legislativo paraense na atual legislatura apresenta uma agenda de pesquisa ainda a ser explorada.