A competição eleitoral em Rondônia: Da influência conservadora da formação autoritária à extrema direita bolsonarista

João Paulo S. L. Viana; Patrícia M. C. Vasconcellos; Melissa V. Curi; Jamila Martini

Fundado no momento de desagregação do regime militar, o jovem estado de Rondônia acaba de completar quarenta anos. Enquanto organização política, Rondônia vivenciou sua formação sob dois momentos constitutivos de autoritarismo. Foi assim em 1943, durante o Estado-Novo varguista, na fundação do antigo Território Federal do Guaporé, denominado, em 1956, como Território Federal de Rondônia, liderado pelo Coronel do Exército, Aluízio Ferreira (PSD-PTB), aliado de Vargas, que viria a ser a grande liderança política da primeira fase territorial (1943-1964). E, posteriormente, no momento de criação da unidade federal com status de estado, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1981, instalado logo depois em janeiro de 1982, sob a liderança do então presidente general João Batista Figueiredo, o ministro do interior, Mário Andreazza, e o coronel Jorge Teixeira (PDS). Este último, uma espécie de “founding father local”, derradeiro governador do antigo território e o primeiro mandatário do estado.

Área de fronteira, formada sob forte influência autoritária e notória herança militarista, terra do agronegócio, importante produtor de soja, café, cacau, arroz, mandioca, e minérios, além de um dos maiores rebanhos bovinos entre os estados brasileiros, Rondônia também possui, desde a década de 1980, proporcionalmente, um dos mais numerosos eleitorados evangélicos do País. No contexto desse conjunto de características que poderíamos denominar como uma “combinação explosiva” para o ultraconservadorismo que marca o eleitorado rondoniense, o estado concedeu a Jair Bolsonaro, ao lado de Acre e Roraima, o segundo maior eleitorado na eleição de 2018, atrás apenas de Santa Catarina.

Como mencionado acima, no início dos anos 1980, durante o processo de transição do autoritarismo à democracia, Rondônia vivenciou sua transformação de território federal para Estado, consolidando-se como o 23º Estado da federação. Assim, a fundação do sistema partidário rondoniense ocorre em meio à passagem do multipartidarismo controlado ao atual sistema partidário brasileiro nascido com a construção democrática em 1985. Desde sua formação, o Estado de Rondônia tem apresentado uma das maiores médias nacional de volatilidade eleitoral nas eleições legislativas, fenômeno que esteve intimamente ligado às altas taxas de migração partidária que marcaram as legislaturas da ALE-RO e Câmara dos Deputados, entre os anos 1980 e 1990 no estado. A fragmentação partidária nas eleições proporcionais também é uma característica do subsistema partidário rondoniense. Ambos os temas, volatilidade eleitoral e fragmentação partidária, serão objetos de análises numa próxima oportunidade.

No plano político-eleitoral, o PMDB historicamente é o maior e mais tradicional partido rondoniano. Desde a eleição fundadora de 1982, à época, em oposição ao vitorioso PDS ditatorial, porém, mais precisamente desde as primeiras eleições diretas para o governo estadual em 1986, a legenda vem apresentando sucesso na competição eleitoral em todos os níveis em disputa. Maior número de governadores e senadores eleitos, maiores bancadas nos legislativos estadual e federal. Importante frisar que numa realidade de competição política aberta já a partir do início dos anos 1990, além do PMDB, outros partidos e grupos políticos tem demonstrado grande força na política regional.

Não obstante ser dotada de caráter aberto e plural, as disputas eleitorais rondonienses são historicamente marcadas pelo predomínio de partidos conservadores que se revezam no poder desde a fundação do estado. Até mesmo PMDB, PSDB, PPS e PDT, que em nível nacional poderiam ser considerados partidos de centro e centro-esquerda, serviram de abrigo em Rondônia para políticos de centro-direita e direita. Ainda que não seja uma prática específica da política rondoniense, inúmeros são os casos de lideranças políticas importantes do estado que, apesar de filiadas a legendas ideologicamente situadas no campo progressista, migraram posteriormente para partidos à direita do espectro ideológico. Para ilustrar o argumento, menciona-se o caso do ex-governador e senador Ivo Cassol, empresário dos setores hidrelétrico, agronegócio e madereiro, que esteve em diversos partidos, entre eles, PDT, PFL, PSDB e PPS, até se filiar ao PP no final de seu segundo mandato de governador, partido pelo qual exerceu o mandato de senador durante oito anos, até perder os direitos políticos.

No campo progressista, embora o PT tenha obtido ganhos eleitorais significativos, especificamente, na primeira década do século XXI, período que coincide com a chegada de Lula à presidência, após o fracasso do segundo governo do petista Roberto Sobrinho à frente da prefeitura da capital Porto Velho, e a saída do PT do governo federal, a legenda vem perdendo força em nível estadual. Ao lado do tradicional PMDB, o PT elegeu o maior número de parlamentares federais em 2002 e 2006 no estado, porém desde as eleições gerais de 2014 o PT rondoniense não elege candidatos à Câmara dos Deputados. As derrotas do petismo nas últimas eleições em Rondônia vêm diretamente acompanhadas pelo crescimento da direita ultraconservadora no estado.

Os gráficos 1 e 2 analisam a votação por espectro ideológico nas eleições rondonienses à Câmara dos Deputados e à Assembleia Legislativa, no período de 2002 a 2018. Embora os dados apresentem níveis de votações distintos, é possível verificar, para ambos os cargos em disputa, a ascensão do campo progressista em Rondônia no início da série histórica analisada, assim como o declínio acentuado após a primeira década do século XXI. Paralelamente em que se observa a retomada do crescimento da direita e, mais recentemente, a emergência da extrema direita no estado.

Gráfico 1 – Deputado Estadual
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)
Gráfico 2 – Deputado Federal
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

Nas disputas ao Senado Federal, após um longo período de hegemonia conservadora desde as primeiras eleições estaduais de 1982 dominadas pelo PDS ditatorial, no ano de 2002 a esquerda rondoniense conseguiu representação na câmara alta do parlamento brasileiro com a vitória da petista Fátima Cleide. Mulher, negra, professora da rede estadual de ensino, à época outsider da política, impulsionada pela “onda Lula”, Cleide foi a grande surpresa na eleição rondoniense de 2002, derrotando lideranças políticas conservadoras e abrindo espaço para o campo progressista rondoniense no Senado Federal.

Importante mencionar que um partido de esquerda em Rondônia já havia alcançado representação no Senado Federal. No ano de 1994, o PDT rondoniano elegeu os dois nomes na disputa senatorial. Não obstante, ambos os parlamentares eleitos, Ernandes Amorim e José Bianco, migraram em seguida para partidos à direita do espectro ideológico, tendo o último, inclusive, governado o estado pelo PFL no período de 1999 a 2003. O gráfico 3 apresenta a votação ideológica dos partidos rondonienses na eleição ao Senado Federal, no período de 2002 a 2018. Embora o gráfico apresente um alta votação para partidos de esquerda, fundamentalmente, nas disputas eleitorais de 2006 e 2014, isso seria resultado direto das votações no PDT e no PPS, em ambas as eleições. Como especificado anteriormente, lideranças conservadoras vêm ocupando espaços em partidos progressistas no estado.

Gráfico 3 – Senado
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

Sobre o caso rondoniense cumpre ressaltar, fundamentalmente, a hegemonia de uma elite política do interior do estado, em sua maioria, oriunda do sul do país, traço importante da política rondoniense desde a primeira metade da década de 1990. Num contexto de competição eleitoral majoritária no antigo Território Federal do Guaporé/Rondônia, com apenas uma vaga em disputa até a eleição de 1978 para a Câmara dos Deputados, a capital, Porto Velho, foi o centro do poder político. Essa realidade começa a se modificar, ainda que lentamente, no final dos anos 1970, no momento inicial da transição do Território Federal de Rondônia ao Estado de Rondônia, e se consolida anos depois, finalizando o processo de institucionalização do novo estado.

De fato, é no decorrer da década de oitenta, com a instalação do estado, a criação das instituições políticas, e o aumento da oferta eleitoral, que a emergência de novos atores e partidos com bases políticas no eixo da BR-364 daria início a um processo de transferência do poder político, da capital para o interior, que se consolidaria na eleição de 1994, com a vitória do ex-prefeito de Rolim de Moura, Valdir Raupp (PMDB), ao governo estadual. A vitória de Raupp marca o início da hegemonia do interior na política rondoniense. De 1994 a 2014, todos os governadores eleitos possuíam como bases políticas municípios do interior do estado, na região denominada pelo IBGE como Leste Rondoniense, aqui denominada também como BR-364, área mais pujante economicamente e berço do agronegócio no estado.

Em que pese o fato de não possuir base eleitoral no parte Leste-Rondoniense, no tocante à quebra da hegemonia da BR-364 nas disputas ao Executivo estadual, a vitória do atual governador, coronel da polícia militar, Marcos Rocha, no ano de 2018, pode ser compreendida como um ponto fora da curva. De certo, a onda Bolsonarista foi um fator decisivo para o êxito eleitoral do militar aquele ano. Importante ressaltar o apoio do também bolsonarista, e empresário milionário da soja, filiado à época ao PSL, Jaime Bagattoli, terceiro candidato na disputa ao Senado. Com base eleitoral em Vilhena, próspero município da BR-364, Bagattoli, que por pouco não garantiu a segunda vaga ao senado, foi um ator decisivo para a eleição de Coronel Marcos Rocha, especificamente do ponto de vista logístico e financeiro.

Ainda no que se refere ao processo eleitoral de 2018, em meio a onda bolsonarista que tomou conta do País, e em especial do estado de Rondônia, podemos observar nas últimas eleições gerais a ascensão de uma direita radicalizada ao poder. Naquele momento, a polarização no estado se deu entre PSL e PSDB, este último apoiado pelo DEM. Na eleição de 2018, não somente o êxito do PSL, com a vitória do Coronel bolsonarista Marcos Rocha, mas outras candidaturas competitivas ao Executivo, como o tradicional PMDB, com o ex-presidente da ALE-RO, Maurão de Carvalho, e o PSDB do tucano Expedito Júnior, além do desempenho surpreendente do inexpressivo REDE, com a candidatura de Vinícius Miguel, quarto colocado, podem ter sido fatores que ampliaram a oferta eleitoral no estado. Inclusive, incentivando também o elevado número de partidos efetivos nas disputas proporcionais.

Inicialmente, pode parecer ao leitor um quadro favorável aos partidos de centro. Todavia, como assinalado anteriormente, legendas ideologicamente consideradas moderadas, como PMDB e PSDB, foram dominadas por políticos conservadores no estado. No que se refere ao êxito da esquerda na eleição de 2006 ao governo rondoniense, importante mencionar que, ainda que o PT tenha obtido seu melhor resultado com o segundo lugar da então senadora Fátima Cleide, a disputa foi vencida em primeiro turno pelo conservador Ivo Cassol, que alcançava sua reeleição agora filiado ao histórico PPS. O gráfico 4 apresenta a votação ideológica por partido na eleição para o governo estadual rondoniense, no período de 2002 a 2018.

Gráfico 4 – Governador
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

No tocante às eleições presidenciais os principais partidos, que durante vinte anos guiaram os grupos de centro-esquerda e centro-direita, dominaram também a competição política no estado. O PT sagrou-se vitorioso em 2002, e também no segundo turno da eleição de 2006. Por outro lado, o PSDB obteve sucesso eleitoral no primeiro turno de 2006 e nas demais disputas de 2010 e 2014. A guinada à extrema direita veio na eleição de 2018, com o PSL bolsonarista alcançando a segunda maior votação entre os estados brasileiros, ao lado de Acre e Roraima, atrás apenas de Santa Catarina. O gráfico 5 apresenta a votação por ideologia nas últimas cinco eleições presidenciais em Rondônia.

Gráfico 5 – Presidência da República
(Fonte: Levantamento de dados legislativos do LEGAL)

Ao que tudo indica, a extrema direita rondoniense chegará favorita às eleições gerais de 2022. A perspectiva é de que o Bolsonarismo continue dando às cartas na politica estadual, inclusive, com mais de uma candidatura viável ao governo. Caso o campo progressista permaneça fragmentado para a disputa eleitoral, as chances de sucesso do bolsonarismo em Rondônia serão ainda maiores.

Referências

FONSECA, Dante Ribeiro da; VIANA, João Paulo Saraiva Leão; Do Território do Guaporé ao Estado de Rondônia: Geopolítica, eleições e mudança de elites na Amazônia. Boa Vista: EdUFRR, 2020.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão; SANDES-FREITAS; Vítor Eduardo Veras de; A dinâmica institucional do subsistema partidário rondoniense: conjugando racionalidade política contextual à nacional (1998-2018). In: PAIVA, Denise; PIETRAFESA, Pedro; Sistema partidários, partidos e eleições: tendências e dinâmicas da federação brasileira. Goiânia: Editora da PUC-GO, no prelo.

VIANA, João Paulo Saraiva Leão; CURI, Melissa Volpato; MARTINI, Jamila; O Bolsonarismo nos parlamentos estaduais: a agenda ultraconservadora da Assembleia Legislativa de Rondônia. Blog Legis-Ativo: portal do jornal O Estado de S. Paulo (Estadão). São Paulo: 11 de Janeiro de 2022.