Legislativo e Meio Ambiente: uma análise do parlamento estadual rondoniense (2019-2021).

João Paulo S. L. Viana; Patrícia M. C. Vasconcellos; Melissa V. Curi; Jamila Martini

Legislar sobre a matéria ambiental significa uma gama de preocupações e interesses que envolvem temas relacionados à produção rural, aos projetos de desenvolvimento e seus impactos, à contenção do desmatamento, às áreas de conservação ambiental e proteção às terras indígenas, ao uso de recursos hídricos e minerários, entre outros. Temas diretamente arraigados com o desenvolvimento dos estados localizados na Amazônia Legal.

Nesse sentido, ao analisar as proposições legislativas de Rondônia, seria esperado que a matéria ambiental estivesse refletiva, de forma clara e recorrente, nos anseios dos representantes políticos estaduais. No entanto, na Assembleia Legislativa de Rondônia, no período de 2019 a 2021, as proposições com relação a temática parecem ser uma questão, no mínimo, de segunda ordem.

Das 1696 proposituras, somente 65 versam sobre o tema meio ambiente e energia, ou seja, aproximadamente 3,8% do total. Em uma subclassificação, a temática ambiental foi dividida em 9 variáveis: recursos hídricos; licenciamento ambiental; educação ambiental; energia; política ambiental; parques, reservas e biomas; agrotóxico; coleta destinação e reciclagem de resíduos; e direitos dos animais.

Considerando o baixo índice total das proposições relacionadas à temática, a subdivisão faz sentido apenas para destrinchar melhor como a matéria vem sendo tratada, visto que os números inexpressivos da maioria das proposições não demonstram uma preocupação relevante com cada um dos subtemas apresentados, até porque algumas das iniciativas foram retiradas e outras já estão arquivadas.

De qualquer forma, vale mostrar como os subtemas se distribuem e verificar que as propostas se concentram em temas relacionados à política ambiental e à coleta, destinação e reciclagem de resíduos. Temas mais relacionados ao uso sustentável dos recursos naturais e à uma produção rural sustentável, que se relacionam diretamente com as maiores preocupações internacionais a respeito do bioma Amazônia, estão entre as iniciativas não tão importantes ou menos relevantes dos deputados de Rondônia. Vejamos no gráfico a seguir.

Gráfico 1: Classificação dos temas na área de Meio Ambiente e Energia
Fonte: Elaboração dos autores com base em ALE/RO (2019 a 2021)

Das 65 propostas, 19 foram aprovadas, 14 arquivadas, 29 estão em tramitação e 3 foram retiradas. Entre aprovadas e em tramitação, temos 48 proposições sobre meio ambiente e energia, que corresponde a 2,8% das propostas, em 3 anos de legislatura. As propostas com maior número de aprovações são relativas ao licenciamento ambiental e parques, reservas e biomas.

Gráfico 2: Propostas Meio Ambiente e Energia: aprovadas, em tramitação, arquivadas e retiradas.
Fonte: Elaboração dos autores com base em ALE/RO (2019 a 2021)
Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Poderíamos supor que a pandemia teria impactado na preocupação ambiental, tendo em vista que as questões relacionadas com a saúde teriam caráter mais urgente. Contudo, a distribuição da temática pelos anos não comprova tal hipótese. Em 2019, ano anterior a pandemia, foram 13 proposições, em 2020, já em ano pandêmico, foram 29 iniciativas e, em 2021, 23 propostas.

Das 48 proposições, 13 são do Executivo. O PSL (direita), à época partido do governador Coronel Marcos Rocha, foi o que mais fez proposições, no total de 19. Em seguida, estão os partidos Patriota (direita) e o MDB (centro), com 7 iniciativas cada. Da esquerda, somente 2 propostas realizadas pelo PT.

Gráfico 3: Proposição sobre Meio Ambiente e Energia: Executivo e Partidos.
Fonte: Elaboração dos autores com base em ALE/RO (2019 a 2021)
Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Das proposições apresentadas, destacamos 7 que versam sobre o licenciamento ambiental no estado de Rondônia, 5 sobre o uso de agrotóxicos e 8 sobre áreas de reserva ambiental. A escolha por este grupo de propostas é devido ao seu impacto social e a relação com conflitos territoriais.

Sobre licenciamento ambiental, 5 iniciativas são do ano de 2019 e duas de 2020. Das 7, 4 foram aprovadas, uma retirada e duas em tramitação (figura 2). Das aprovadas, somente uma foi proposta pelo Executivo, que é o PLO 253/2019, que estabelece critérios para a exigência de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório do impacto sobre o meio ambiente – EIA/RIMA, e revoga a Lei no 890, de 24 de abril de 2000.

A justificativa para o referido projeto de lei ordinária baseia-se na imposição constitucional, contida no art. 225, parágrafo primeiro, inciso IV, que afirma a obrigatoriedade da apresentação de estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Contudo, na visão do Executivo, não está claro quais são as obras que podem provocar tal impacto. Assim, propõe que o Órgão Ambiental Estadual verifique caso a caso a exigência ou dispensa do EIA/RIMA. Na fala do governador, “contribuindo, assim, para o desenvolvimento ambiental do Estado de Rondônia”.

A respeito dessa proposição, não resta dúvida do alinhamento ideológico do Executivo em Rondônia com o governo bolsonarista. Uma tentativa explícita de afrouxamento das exigências ambientais em prol de projetos econômicos. A Lei 890/2000, que a proposta revoga, trata exatamente dos empreendimentos que exigem EIA/Rima, enumerando as atividades, conforme a Resolução CONAMA 237/1997.

A suposta desburocratização apresentada pelo Governador de Rondônia vai ao encontro da infeliz fala do Ex-Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial de 22 de abril de 2020, na qual ele ressaltou a importância de aproveitar o período pandêmico para deixar “passar a boiada”, mudar todo o regramento e simplificar normas ambientais. Ressalta-se ainda que a desregulamentação ambiental tem sido a tônica do Governo Bolsonaro e de seus aliados bem antes da pandemia. Compôs sua proposta eleitoral e tem acompanhado todo o seu governo.

Ainda sobre a matéria, o deputado Cirone Deiró (PODE) apresentou a proposta (em tramitação), de considerar de pequeno e baixo potencial impacto as atividades de agroindústrias familiares, que estariam, portanto, dispensadas de EIA/Rima e respectivo licenciamento ambiental. Entre as atividades estariam os abatedouros com capacidade máxima diária de abate de animais de grande porte, até 03 ao dia ou de pequeno porte até 500 ao dia. No caso de pescados, a capacidade máxima de processamento não poderia ultrapassar 1.500Kg de pescados por dia.

Fazendo uma espécie de contraponto às propostas anteriores, temos o PLC 13/2019, que revoga a Lei Complementar nº 974, de 16 de abril de 2018. Esta lei alterou os limites de áreas de preservação ecológica e reserva extrativista para a formação do lago artificial da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio. Nas palavras do propositor, Marcelo Cruz do PTB, a referida lei trouxe impactos negativos com a elevação da cota do reservatório e “passada a euforia da chegada das usinas temos maior compreensão sobre os impactos negativos para o povo de Rondônia […]”.

Como mencionado anteriormente, outra temática abordada pela ALE/RO é sobre a utilização de agrotóxicos. As duas únicas proposições apresentadas por partido de esquerda, o PT, versam sobre este tema. Uma foi arquivada e a outra está em tramitação.

A proposta em tramitação, desde 24 de junho de 2019, veda a pulverização aérea de agrotóxico no âmbito do estado de Rondônia. O Deputado Lazinho da Fetagro afirma para a justificativa da iniciativa que a utilização abusiva do veneno e, consequentemente, o alto índice de pessoas doentes, foi o que levou à instalação do Hospital do Amor em Rondônia. O Barretinho, como é conhecido o hospital, é especializado em tratamento de câncer. A outra iniciativa, de 2021, que propunha a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos realizada por meio de aeronave em todo o estado de Rondônia, foi arquivada.

Em tramitação, encontram-se o PLO 817/2020, que Institui a Estratégia Intersetorial de Redução do Uso de Agrotóxicos e Apoio à Agroecologia e à Produção Orgânica, em Rondônia e o PLO 1487/2021, que institui normas gerais para produção, comércio, transporte, uso, armazenamento, aplicação, fiscalização, destinação final dos resíduos e embalagens dos agrotóxicos, seus componentes e afins no estado, e revoga a Lei nº 1.841, de 28 de dezembro de 2007.

Sobre essa temática (agrotóxico), foi aprovado somente o PLO 733/2020, que dispõe sobre a realização de análise para detecção da presença de agrotóxicos nas águas sob o domínio estadual e na água destinada ao consumo humano, no âmbito do estado de Rondônia.

Dessa forma, notamos que na pauta da Assembleia Legislativa de Rondônia não aparece uma discussão clara sobre preservação e conservação ambiental, desenvolvimento sustentável ou mesmo sobre impactos do agronegócio. O uso de agrotóxicos tem proposições em tramitação para redução e para abolir o seu uso, mas, no último caso, por exemplo, a iniciativa encontra-se há mais de três anos em tramitação. A única proposta aprovada versa sobre controle do impacto do uso do agrotóxico e não sobre a inibição de sua utilização.

No mais, destacam-se as propostas para a alteração de limites de área de reserva ambiental, que são, em geral, palco de conflitos territoriais. Das 7 proposituras sobre o tema, duas tratam de recuperação de Área de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal, respectivamente PLO 1139/2019 e o PLO 1401/2021, ambos em tramitação.

As demais propõem alteração de limite de áreas de reserva. O PLC 80/2020 foi aprovado propondo a redução das áreas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará Mirim. A justificativa apresentada foi a de que a área da Reserva de Jaci-Paraná é um território de conflito fundiário e que o Poder Público tem dificuldades de promover ações para evitar as ocupações ilegais. No mais, na área existiriam 120 mil cabeças de gado, o que impossibilitaria a regeneração natural da reserva. No caso do Parque Estadual de Guajará, atribui-se a redução do território devido à realização de atividades que seriam incompatíveis com os objetivos da Unidade de Conservação. Nota-se que frente à ilegalidade, o Executivo propõe eximir-se do conflito, “legalizando o ilegal”. Em compensação, seriam criadas 6 seis Unidades de Conservação em diferentes localidades do estado.

Já o PLC 104/2021 altera a Lei Complementar 1089, de 20 de maio de 2021, que trata da criação e dos limites do Parque Estadual de Ilha das Flores. De acordo com o autor da proposta, deputado Jean Oliveira, do MDB, a medida é necessária porque “a população local não foi ouvida, tampouco fora feito qualquer espécie de estudo econômico-social a fim de verificar a viabilidade social da criação do mencionado Parque”. A consequência, segundo o deputado, é que “a população local que vivia da caça, da pesca e da agropecuária ficou desassistida e sem a principal fonte do sustento familiar, o que esta Casa de Leis, enquanto representante do povo, não pode permitir”.

O PLC 105/2021 altera os limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro. A justificativa é semelhante a apresentada no PLC 104/2021, ou seja, que os limites impostos prejudicam moradores e produtores que lá residiam há tempos. O PLC 106/2021 trata de desafetação de área do Parque Estadual de Guajará-Mirim, no entanto, afirma que é somente uma proposta para correção de um erro material na redação da Lei Complementar 1.089/2021, pois haveria um equívoco – o parágrafo referente ao tema deveria se referir ao artigo segundo e fazia menção ao artigo primeiro.

Diante das propostas apresentadas e das suas respectivas justificativas, percebe-se que o Legislativo e o Executivo em Rondônia ainda enxergam a preservação do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais como um entrave ao desenvolvimento. Mesmo as proposições que supostamente estariam priorizando interesses sociais partem de uma lógica de que as regras ambientais limitariam benefícios comunitários. Somente às proposições ligadas ao controle do uso de agrotóxico é que, talvez, tenham um olhar um pouco mais reflexivo sobre a necessidade de regulação ambiental, especialmente pelo comprovado impacto que geram à saúde humana. Mas, mesmo assim, matéria tão relevante, vem sendo deixada como esquecida na lista de prioridades.

Atualmente, diante da crise ambiental global e do avanço das pesquisas e da ciência, todos os estudos sobre sustentabilidade e desenvolvimento apontam para um caminho possível entre crescimento econômico, conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida. Não há mais

necessidade de polarizar os temas econômicos e ambientais. A proposta, por exemplo, de manejo florestal sustentável é uma realidade em muitos lugares, assim como diversos outros modelos de sistemas produtivos.

O estado de Rondônia, com forte potencial agropecuário, pode, por exemplo, investir em sistemas produtivos sustentáveis, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que permitem um aumento da produtividade e da renda do(a) produtor(a) rural e, ao mesmo tempo, recuperam áreas degradadas e conservam os recursos naturais.

Infelizmente, alinhados com o Governo Bolsonaro, Governador e deputados estaduais de Rondônia replicam modelos de desenvolvimento ultrapassados, reforçando uma política de desmatamento e degradação ambiental que podem gerar danos socioambientais irreversíveis.