A agenda ambiental na Câmara Municipal de Rio Branco na atual Legislatura

Luci Maria Teston, Ermício Sena, Manoel Valdemiro F. Rocha e Rodrigo Forneck

O Acre pode ser considerado o primeiro dos estados da Amazônia Legal no qual o movimento ambientalista adquiriu relevância e visibilidade. Há diversos exemplos ilustrativos desta evidência. No final da década de 1980 com Chico Mendes liderando o movimento socioambiental da Amazônia a partir da luta pela preservação da floresta e dos direitos dos extrativistas, seringueiros, ribeirinhos e indígenas. Décadas depois, nos anos 2000, o Governo da Floresta, slogan da administração de Jorge Viana no Executivo estadual acreano trazia um discurso político a partir do compromisso com a florestania, na perspectiva da cidadania na floresta, por meio da preservação ambiental, exploração do meio ambiente de forma sustentável e o respeito aos povos da floresta. Para além disto, o Acre gestou lideranças como a ex-senadora e atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sempre atuante em defesa da proteção ao meio ambiente e aos povos tradicionais.

Apesar do protagonismo do Acre em termos de movimentos e estratégias envolvendo a defesa do meio ambiente, no âmbito dos legislativos, a agenda ambiental não encontra terreno fértil para avançar quando são consideradas as proposições indicadas pelos parlamentares. Da análise aos projetos de lei apresentados na Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac) durante os anos de 2019 a 2021 observa-se que, a despeito dos problemas ambientais e da prerrogativa constitucional relacionada ao meio ambiente, a questão ambiental não ocupa um espaço relevante na agenda legislativa, apesar dos mais diversos desafios relacionados à proteção ambiental1.

Para além disso, em 2022 o LEGAL realizou uma série de grupos focais com o propósito de mapear perspectivas, sentimentos, narrativas e argumentos da população dos estados da Amazônia Legal associados à agenda ambiental e às mudanças climáticas. Dos resultados, observou-se que o tema não encontra muita ressonância na sociedade Amazônica, com ausência de falas mencionando a necessidade de políticas públicas para o tema2.

Diante desse contexto, busca-se contribuir no sentido de verificar se o reproduzido no âmbito das proposições relacionadas à questão ambiental na Aleac e na percepção da população em relação ao meio ambiente – a despeito dos movimentos de vanguarda relacionados ao tema no estado -, encontram semelhança quando se observam as proposições apresentadas pelos vereadores na capital do Acre, Rio Branco.

1 – Poder de agenda em termos de políticas públicas entre Executivo Municipal e Câmara Municipal de Rio Branco

Para identificar a agenda da Câmara Municipal de Rio Branco (CMRB) na atual legislatura houve o mapeamento e a análise da produção legislativa em termos de projetos de lei ordinária e complementar apresentados pelos poderes Executivo e Legislativo municipais. O recorte compreendeu os anos de 2021, 2022 e até junho de 2023. Será descrita e analisada a tramitação das proposições de forma geral para, em seguida e de forma específica, concentrarmos o foco nos projetos envolvendo a pauta ambiental.

Na atual legislatura foram apresentadas 270 proposições entre projetos de lei ordinária e complementar. O número de projetos de lei ordinária de autoria do Legislativo municipal chegou a 89% do total de projetos apresentados (gráfico 1). O inverso ocorreu em relação aos projetos de lei complementar, os quais tiveram o Executivo como protagonista ao apresentar 90% das proposições (gráfico 2).

Gráfico 1 – Projetos de Lei Ordinária apresentados na CMRB na última legislatura (2021 a 2023)
Fonte: Sistema de Apoio ao Processo Legislativo-CMRB. Elaboração própria.

Em todos os anos observados, os projetos de lei ordinária apresentados pelo Legislativo foram significativamente superiores em termos quantitativos aos de autoria do Executivo. Situação inversa é observada se o olhar se voltar aos projetos de lei complementar, majoritariamente apresentados pelo Executivo. Os projetos de lei complementar, vale ressaltar, são aprovados por maioria absoluta e tratam de matérias específicas, ao contrário dos projetos de lei ordinária, que tratam de assuntos dos mais diversos e são aprovados por maioria simples.

Gráfico 2 – Projetos de Lei Complementar apresentados na CMRB na última legislatura (2021 a 2023)
Gráfico

Descrição gerada automaticamente
Fonte: Sistema de Apoio ao Processo Legislativo-CMRB. Elaboração própria.

Em termos de pautas que mobilizam a agenda da Câmara Municipal de Rio Branco (CMRB) verifica-se que os temas clássicos que aparecem em pesquisas de opinião pública também predominam nas proposituras na CMRB, a citar educação, cultura e esportes, bem como saúde, trabalho e cidades. Existe uma proeminência também do tema política e administração pública, o qual pode estar relacionado com a questão do emprego e renda, já que a economia do estado e da capital, por extensão, dependem das transferências constitucionais, acrescidas dos valores referentes a programas assistenciais, aposentados, funcionalismo público federal e recursos de órgãos federais (gráfico 3).

Gráfico 3 – Classificação temática dos Projetos de Lei Ordinária apresentados na CMRB (2021 a 2023)
Fonte: Sistema de Apoio ao Processo Legislativo-CMRB. Elaboração própria.

Em termos comparativos, enquanto os projetos apresentados pelos deputados acreanos entre os anos de 2019 a 2021 concentram-se em temas honoríficos (24,79%) e pandemia (22,33%)3, a agenda dos vereadores da capital concentrou-se em temas envolvendo saúde (20,87%), educação, cultura e esportes (19,13%). Assuntos honoríficos e simbólicos representaram 12,17% do total de projetos apresentados.

2 – A agenda ambiental na Câmara Municipal de Rio Branco

Com Rio Branco concentrando 45% dos quase 600 mil eleitores do estado, compreendendo uma população de mais de 350 mil habitantes em 2023, segundo censo do IGBE, os dados evidenciam uma ausência em termos de apresentação de projetos de lei versando sobre o tema do meio ambiente na atual legislatura na Câmara Municipal de Rio Branco (gráfico 4).

Gráfico 4 – Percentual de projetos de lei ordinária e complementar relacionados ao meio ambiente apresentados na CMRB na última legislatura (2021 a 2023)
Fonte: Sistema de Apoio ao Processo Legislativo-CMRB. Elaboração própria.

Do início da legislatura em 2021 até junho de 2023, o tema aparece somente em três proposições – dois projetos de lei ordinária e um projeto de lei complementar – de um total de 270 projetos apresentados no período. Das três propostas, duas são de autoria do Executivo e uma do Legislativo.

A proposta do Legislativo – PLO 29/2023, de autoria da vereadora Lene Petecão (PSD), dispõe sobre a implantação do programa “bueiro ecológico” como forma de prevenção às enchentes no município de Rio Branco4. Na justificativa do projeto, a principal intenção do programa é criar as condições para uma melhor recepção das águas pluviais por meio de bueiros com uma peneira para evitar a entrada de resíduos, dejetos e descartes sólidos nas galerias pluviais, melhorando inclusive, a qualidade da água despejada no rio Acre.

A intenção de implantação dos bueiros ecológicos via projeto é importante, mas levando em consideração que dentre as 100 cidades no ranking de saneamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), publicado pelo Ministério das Cidades, Rio Branco está na 94ª posição5, o projeto não parece dialogar com a realidade dos fatos. Segundo o SNIS, em relação aos últimos indicadores municipais de água e esgoto disponíveis, Rio Branco possui pouco mais de 24mil ligações ativas de esgotos6 para uma população de mais de 350 mil habitantes. O projeto da vereadora aguarda parecer nas comissões técnicas da Casa Legislativa.

Uma das duas matérias apresentadas pelo prefeito de Rio Branco é o PLO 03/2002, que versa sobre as sanções administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, complementando a Lei nº 1.330 de 23 de setembro de 1999. A intenção, segundo mensagem governamental, é atualizar as normas municipais para atender e acompanhar as normas federais relativas ao meio ambiente no sentido de auxiliar autoridades como auditores fiscais na aplicação de sanções administrativas em condutas que são lesivas ao meio ambiente, primando pelo cumprimento da legislação ambiental vigente e de boas práticas ambientais.

O projeto de lei, proposto após cobranças, inclusive por parte do Ministério Público do Acre, conforme pode ser observado na mensagem governamental que encaminha a matéria ao Legislativo e ata do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, pode ser considerado uma importante iniciativa. Principalmente em virtude de modular o arcabouço jurídico do município à realidade atual, uma vez que altera a lei anterior, que em muitos aspectos já se mostrava caduca, em virtude das mudanças ambientais, sociais, econômicas e mesmo da legislação nacional. O projeto foi aprovado e transformado em lei (Lei n. 2.422, de 25 de janeiro de 2022)

A outra matéria enviada pelo Executivo e transformada em lei foi o PLC 86/2022, que trata da política municipal de saneamento básico, atendendo à necessidade de regulamentação da Lei Federal nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, bem como ao Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal nº 14.026/2020).

Na mensagem governamental enviada, o Executivo relata a disponibilização para a população do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), informando que foi construído de forma participativa. O Plano visa estabelecer o planejamento de ações de saneamento básico no município de Rio Branco para os serviços públicos e infraestruturas relacionadas com a temática do abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo e a disposição dos resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais.

3 – Considerações

No Brasil a competência legislativa em matéria ambiental deve ser exercida de maneira concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios7, cabendo à União legislar sobre regras gerais. Já os municípios têm a competência de legislar acerca de assuntos de interesse local e, de maneira suplementar, em normas gerais quando da omissão por parte da União e dos estados.

Na Lei Orgânica do município de Rio Branco, por exemplo, no capítulo VII que trata do Meio Ambiente, temos a exposição daquilo que é obrigação municipal, tanto do Executivo quanto do Legislativo, confirmando a previsão constitucional sobre a competência legislativa municipal8.

A despeito da competência legislativa concorrente em matéria ambiental, a produção legislativa na Câmara Municipal de Rio Branco não tem o meio ambiente como pauta central. Pelo contrário, ela ocupa a periferia das matérias apresentadas na Casa, em especial, em se tratando dos projetos de autoria dos vereadores. Há a intenção de um movimento por parte do Executivo municipal neste tema, mas ainda distante da realidade considerando os problemas ambientais que permeiam o município.

Tal comportamento deixa evidente que, apesar dos recentes episódios envolvendo condições climáticas extremas em Rio Branco, tanto na terceira maior enchente quanto em uma das maiores secas do rio Acre, ambas em 20239, os agentes políticos municipais pouco têm se preocupado com a agenda ambiental.

Agradecimentos: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre (FAPAC) – Iniciativa Amazônia + 10.
Placa branca com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Notas

1 https://legal-amazonia.org/a-agenda-ambiental-da-assembleia-legislativa-do-estado-do-acre-na-atual-legislatura/

2 https://legal-amazonia.org/wp-content/uploads/2022/04/QUALI_AMAZONIA-LEGAL-primeira-rodada-1.pdf

3https://legal-amazonia.org/producao-legislativa-pautas-que-mobilizam-a-agenda-da-assembleia-legislativa-do-estado-do-acre-aleac-na-atual-legislatura/

4 https://sapl.riobranco.ac.leg.br/materia/pesquisar-materia

5http://antigo.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos#:~:text=Diagn%C3%B3stico%20anual%20de%20%C3%81gua%20e%20Esgoto%202021%20(ano%20de%20refer%C3%AAncia%202020)&text=Desde%201995%2C%20o%20SNIS%20coleta,panorama%20geral%20para%20o%20pa%C3%ADs

6 http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/#

7 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

8 https://www.riobranco.ac.leg.br/leis/lei-organica-municipal/lei-organica-do-municipio-de-rio-branco

9 https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2023/06/17/dois-meses-apos-3a-maior-cheia-rio-acre-esta-abaixo-de-tres-metros-em-rio-branco-e-defesa-civil-alerta-para-possivel-seca-severa.ghtml e https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2023/10/06/alegando-extrema-seca-governo-decreta-emergencia-em-todo-o-estado-e-alerta-para-possivel-desabastecimento.ghtml