Marilene Corrêa da Silva Freitas, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite e Simone Machado de Seixas
Introdução
O Estado do Amazonas, maior unidade federativa do país em extensão territorial, está situado na região Norte, compõe a Amazônia panamericana na América do Sul, e a chamada Amazônia Legal, região geopolítica do Brasil. Tem identidade fortemente marcada pela extensão de sua fisiografia, da bacia hidrográfica e floresta tropical, e de notável socio biodiversidade. Povos indígenas, etnias e culturas, integram composição populacional marcada por sucessivas ocupações por mobilidade demográfica, migrações estrangeiras, nacionais, espontâneas e induzidas, e dinâmicas populacionais estimuladas por processos e ciclos de desenvolvimento econômicos. A área territorial do Amazonas é de 1.559.167,87 km², é organizada em 62 municípios, população estimada de 4.269.995 de habitantes, com um dos mais baixos índices de densidade demográfica do país, de 2,23 habitantes por km2 (IBGE, 2021).
Manaus, capital do Estado, concentra a maior parte da população amazonense, ou seja, 2.255.903 pessoas. Apenas três municípios do Amazonas possuem mais de 100 mil habitantes. Centenas de comunidades agregam moradores às margens dos rios, que sobrevivem de recursos da floresta, em extrativismo de baixo impacto, pesca, no que se chama de economia de subsistência, complementada com repasses públicos de programas sociais do governo federal, Bolsa Família/Auxílio Brasil e previdência social. A estratificação social do interior do estado é composta por ribeirinhos, comunidades indígenas e a população que vive nas cidades sedes dos municípios. Capital e interior do Amazonas têm assimetrias e diferenças de todas as ordens, sobretudo no que diz respeito aos direitos de cidadania, acesso às políticas públicas, e capacidade de intervenção política e empoderamento social.
Do ponto de vista da organização federativa e dinâmica política interna entre o estado e a sociedade no Amazonas, a centralidade do Poder Executivo marca importante diferença da relação de entre a população da capital e do interior do estado, no que concerne ao acesso às políticas públicas, e à dependência dos poderes em assegurá-la. O papel do governador e de prefeitos assume lugar de destaque na luta pelo poder do estado. Tradicionalmente, a renovação política no Amazonas é controlada pela elite local. Uma elite endogâmica, coesa e historicamente legitimada. As lideranças políticas no Amazonas emergem a partir do Estado Novo, período do varguismo, com a eleição de Álvaro Maia, representante das elites seringalistas, em 1950. A eleição de Plínio Coelho, em 1954, e de Gilberto Mestrinho, em 1959, ambos do PTB, caracterizam o período de trabalhismo, que evolui, no âmbito local, para um caráter mais personalista e clientelista. Tal fato, tornou-se comum na formação de outras lideranças locais e na sua relação com os partidos políticos no Amazonas. Ou seja, o capital político dessas lideranças tradicionais se reflete na composição de forças através das eleições, e expressivas vitórias eleitorais de seus partidos para os cargos do Executivo e Legislativo estadual e federal.
Observa-se à exemplo, a eleição de Gilberto Mestrinho, em 1982, pelo PMDB, para o governo do Amazonas, época em que nomeou Amazonino Mendes prefeito de Manaus. Novamente governador eleito em 1990, apoia Amazonino Mendes para o senado, pelo PFL, quando o partido elegeu um significativo número de deputados, tanto para o legislativo estadual como para o federal. Esses agentes políticos sobreviveram aos processos de cassação pelo regime militar, ressurgiram no processo de redemocratização da sociedade brasileira como forças políticas reformistas de direita, centro, e até centro esquerda.
A produção de políticas públicas do Estado fica a cargo do Poder Executivo – governador e seu secretariado estadual – que conta com o suporte de sua bancada no Poder Legislativo. O processo de interação Executivo-Legislativo, dentre os quais realizam projetos de lei, tem como objetivo aprovar projetos para um bem comum da sociedade. Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM) possui 24 deputados estaduais eleitos por diversos partidos eleitorais. Na produção legislativa da legislatura 2019-2021 temos como escopo de análise os Projetos de Lei Complementar (PLC), os Projetos de Lei Ordinária (PL) e as Propostas de Emenda à Constituição (PEC), totalizando 2.005 iniciativas tramitadas na ALEAM. Alem do mais, destacamos a dinâmica partidária acerca das iniciativas já indicadas. Utilizamos como fonte secundária, os dados compilados no repositório institucional da própria ALEAM, o Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (link: https://sapl.al.am.leg.br/); e os dados eleitorais no Tribunal Supremo Eleitoral (link: https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-plebiscitos-e-referendos).
Gráfico 1- Tipo de Iniciativa da ALEAM
(Fonte: Matéria Legislativa – ALEAM, Elaboração própria, 2022)
O primeiro gráfico abarca as iniciativas legislativas: de Projetos de Lei Complementar (PLC), Projeto de Lei Ordinária (PL), e Proposta de Emenda à Constituição (PEC). É possível identificar que os Projetos de Lei Ordinária como maior de executor de projeto da bancada legislativa o que equivale a 96,16% das PL. A maioria das proposições são remanejadas de um ano ao outro e assim tramitam na ALEAM. O Projeto de Lei Ordinária é o artifício legislativo mais usado nas casas legislativas de todo país, uma vez que tal propositura é abrangente no seu escopo, e permite que atores extraparlamentares participem de sua formulação. Além do mais, a Lei Ordinária requer apenas uma maioria simples para ser aprovada.
Os Projetos de Lei Complementar, aparecem em segundo lugar das iniciativas parlamentares. Este é um tipo de legislação que em si possui um elevado custo de transação institucional, e manteve baixa produtividade com 2,39% das proposições. A Proposta de Emenda à Constituição do Estado que tem como foco principal reformar, aprimorar, modificar ou excluir elementos outrora aprovados na constituição estadual estão em último lugar. As emendas à constituição foram feitas ao longo do período estipulado nesta análise com 1,45% dessas iniciativas.
Gráfico 2- Autoria de projeto
(Fonte: Matéria Legislativa – ALEAM, Elaboração própria, 2022)
Os projetos legais são de autoria dos deputados estaduais, na maioria das proposituras. O Poder Legislativo apresentou cerca de 90,45% dos projetos propostos. Em seguida, aparece o Poder Executivo com 7,14% dos projetos e os nomeados como outros, são de autoria do Ministério Público, Mesa Diretora, Tribunal de Justiça e Defensoria Pública com uma porcentagem mínima de 2,41%. Tamanho desequilíbrio reforça a percepção a qual cabe aos deputados, de fato e de direito, a consecução e aprovação das iniciativas legislativas. Parte dos projetos de lei passa pela coordenação estratégica do gabinete da governadoria, e outra parte é exclusiva dos interesses do deputado.
Gráfico 3- Quantidade de Projetos por Classificação Temática
(Fonte: Matéria Legislativa – ALEAM, Elaboração própria, 2022)
O mapeamento da produção da ALEAM aborda a classificação temática de projetos propostos pelos atuais candidatos. Foram identificadas pelo menos 16 categorias das mais diversas áreas temáticas e que serviram para a orientação e consecução de políticas públicas no Estado do Amazonas: As categorias identificadas são: Declaração de Utilidade Pública; Trabalho, Previdência e Assistência; Segurança; Saúde; Política e Administração Pública; Pandemia; Orçamento; Meio Ambiente e Energia; honoríficos e simbólicos; educação, cultura e esportes; Economia; Direitos Humanos; Consumidor; Ciência, Tecnologia e Comunicação; Cidade e Transportes; Agropecuária e Outros. O gráfico acima ilustra a quantidade de projetos aprovados na atual legislatura nas diversas categorias. Assim, destacamos os projetos voltados para Saúde e Honoríficos e Simbólicos como os mais visados nas proposições legislativas com cerca de 284 projetos, que equivale a 14,21% do total entre as outras categorias.
O gráfico 4 demonstra a demanda de iniciativas aprovadas na ALEAM. Entretanto, a categoria Política de Administração Pública e Honoríficos e Simbólicos foram as iniciativas mais aprovadas pela casa. A categoria Política e Administração Pública abrange ao todo 18,28% de todos aqueles projetos relacionados com Política (ciência política; partidos; eleições; processo legislativo; atuação parlamentar; administração pública; finanças públicas; direito constitucional e direito administrativo). Além de demonstrar o projeto como aprovado, muitas iniciativas nesta categoria encontram-se em andamento, ou seja, ainda estão tramitando na ALEAM.
A segunda categoria mais aprovada pelos deputados estaduais é a de títulos Honoríficos e Simbólicos concedidos pela ALEAM com um total de 21,35% de projetos aprovados, o que equivale 174 projetos de um total de 284. Nesta categoria abarca os projetos referentes à distribuição de títulos honoríficos, homenagens e reconhecimento de um deputado para um cidadão; tem como objetivo, portanto, estreitar os laços clientelísticos e, possivelmente, eleitorais do futuro candidato.
Os Projetos de Lei referentes às pessoas com deficiência (PCD) foram qualificados na categoria Direitos Humanos. Há algumas ementas de Projetos de Lei que abrangem mais de uma categoria, que podem ser enquadradas em outras, tais como os projetos da deputada Joana Darc (PL) sobre a população animal que foram classificados dentro da categoria Agropecuária sem, contudo, reverberarem nas temáticas do Meio Ambiente e Energia, Consumidor, entre outros. Do mesmo modo, acontece com os Projetos de Lei sobre algumas áreas do Amazonas que foram declaradas como Patrimônio Histórico e Material do Estado do Amazonas, classificadas na categoria Honoríficos e Simbólicos, mas que se enquadram na realidade nas temáticas do Meio Ambiente e Energia, Educação, Cultura e Esporte, entre outras.
Gráfico 4 – Projetos Aprovados por Classificação
(Fonte: Matéria Legislativa – ALEAM, Elaboração própria, 2022)
O quadro partidário da ALEAM, na legislatura (2019-2021), tem a seguinte composição entre deputados ativos e titulares: PODEMOS (3), PDT (1), MDB (1), PP (3), DC (1), DEM (1), PL (2), PV (2), PSL (1), PSC (1), PRTB (2), Patriota (1), PRB (1), PSD (3), PTB (1), PSB (1), PT (1), PSDB (1). Na prática, a alocação multipartidária da ALEAM apresenta alto grau de fragmentação e fracionalização da composição partidária no interior da assembleia. Vale lembrar que tal condição de alta dispersão parlamentar é fator estruturante na lógica de predominância do governador na arena legislativa, notadamente na sua capacidade de ordenar e impor a sua agenda.
Gráfico 5- Distribuição de projetos por Temática Iniciados e Aprovados
(Fonte: Matéria Legislativa – ALEAM, Elaboração própria, 2022)
Na dinâmica da produção legislativa (gráfico 5), observa-se maior incidência de decisões legislativas acerca da covid-19, na qual o Amazonas, como um todo, e Manaus, em particular, sofreram grandes dificuldades logísticas na sua infraestrutura de saúde. A complementação legal é baixa e pouco relevante na arena do Poder Legislativo, ao passo que a engenharia em torno da Lei Ordinária é quantitativamente superior e assume forte papel na centralidade do processo legislativo como um todo. As instituições políticas, em geral, coordenam com mais eficácia a produção de Leis Ordinárias. A perspectiva paroquial tem o seu papel nas resoluções legislativas com a distribuição estratégica de títulos honoríficos para cidadãos de destaque. As emendas à constituição indicam um elemento reformista da agenda de interação Executivo-Legislativo, que pode ser pensada na dinâmica dos poderes de veto. O Legislativo assume forte protagonismo na proposição e aprovação de leis. Sublinhe-se clara fragmentação e fracionalização do quadro multipartidário na arena legislativa, com evidente orientação de centro-direita.