MAPEANDO A CÂMARA MUNICIPAL DE MANAUS: ATORES, PARTIDOS E ESTRUTURA INTERNA

Marilene Corrêa da Silva Freitas; Ludolf Waldmann Júnior; Paula Mirana Sousa Ramos; Breno Rodrigo de Messias Leite; Simone Machado de Seixas

RESUMO

O propósito do presente boletim é examinar a composição político-partidária da atual 18ª. Legislatura (2º. Biênio) da Câmara Municipal de Manaus. Assim, desenvolvemos o estudo sobre o poder legislativo municipal ao levarmos em consideração os seguintes pontos: 1) resultado do processo eleitoral de 2020; 2) alocação dos rótulos partidários nas posições de poder na casa; 3) definição da presidência da Mesa Diretora; 4) distribuição partidária no comando das comissões permanentes.

JOGO ELEITORAL

As eleições municipais de Manaus de 2020 foram regidas pelo signo da renovação endogâmica das elites municipais. Tanto na eleição majoritária como nas proporcionais, o eleitor manauara optou pela renovação na tradição, circunscrita à política convencional, diante de candidaturas disruptivas ou de agendas antissistemas dominantes na política nacional e em outras grandes cidades brasileiras. Assim, as últimas eleições municipais não foram uma arena fértil para a polarização entre bolsonarismo e petismo. Aliás, os efeitos foram residuais e as candidaturas que apostam em tal tendência não lograram êxito nas urnas, conforme veremos nos parágrafos seguintes. Desse modo, o processo eleitoral municipal foi marcado pela lógica predominantemente paroquial na qual os problemas locais foram mais importantes nas agendas dos candidatos majoritários e proporcionais do que a relação esquemática esquerda-centro-direita dos partidos políticos ou dos imperativos ideológicos do conflito bolsonarismo-petismo em âmbito nacional.

Vitorioso do primeiro turno, Amazonino Mendes (Podemos) obteve ao todo 234.088 votos válidos (24,31%). Já David Almeida (Avante), o segundo colocado, 218.929 (22,74%), o terceiro colocado, Zé Ricardo (PT), conquistou 139.846 (14,52%), seguido por Ricardo Nicolau (PSD) com 118.289 (12,29%), Alfredo Menezes (Patriota) com 110.805 votos (11,51%) e Alberto Neto (Republicanos) que teve 76.576 (7,95%). O ex-prefeito de Manaus, Alfredo Nascimento (PL), atingiu a marca de 31.676 votos (3,29%). Em seguida, com votação menos expressiva, estiveram os candidatos do partido Novo, Romero Reis, com 29.102 (3,02%) votos, Marcelo Amil (PCdoB) e Gilberto Vasconcelos (PSTU) tiveram uma votação ínfima: 2.820 (0,29%) e 742 (0,08%) votos, respectivamente. Os números da taxa de alienação eleitoral – brancos 43.981 (4,04%), nulos 81.972 (7,53%) e abstenções 242.787 (18,23%) – mantiveram-se na média histórica das eleições municipais. Outro ponto importante para a compreensão da participação eleitoral diz respeito ao fato de atravessamos, à época, a crise sanitária causada pela pandemia de covid-19, que restringiu a participação de parte do eleitorado, notadamente dos mais idosos.

O resultado da eleição de segundo turno entre Amazonino Mendes e David Almeida foi o inverso do primeiro. O candidato do Avante, David Almeida, sagrou-se vitorioso, numa curta margem percentual, com 466.970 (51,27%) dos votos válidos, ao passo que Amazonino Mendes, candidato do Podemos e apoiado pelo então prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), ficou atrás com 443.747 (48,73%). A taxa de alienação eleitoral do segundo turno apresentou os seguintes números: votos em branco foram de 43.232 (4,19%), nulos de 78.952 (7,64%) e abstenções de 298.712 (22,43%).

A eleição proporcional para ocupar as 41 cadeiras do parlamento municipal contou com o registro de aproximadamente 1,3 mil candidatos distribuídos em 31 partidos. Os candidatos aprovados nas convenções partidárias para disputarem as eleições de 2020 apontam para uma profunda desigualdade entre homens (70%) e mulheres (30%).

DISTRIBUIÇÃO PARTIDÁRIA

A vitória eleitoral de David Almeida garantiu a sua coligação Avante Manaus (Avante-PMB-PTC-PRTB-PV-DEM-PROS), composta por partidos de centro-direita, contudo, obteve apenas dez cadeiras no legislativo municipal. No cômputo das siglas governistas, o Avante elegeu quatro vereadores, PTB, PRTB, PV e DEM elegeram um vereador cada e PROS apenas dois, enquanto o PMB não logrou êxito eleitoral. O candidato derrotado no segundo turno e sua coligação Junto Podemos Mais, formada pelos partidos PSL, Cidadania, Podemos e MDB, obteve apenas sete cadeiras. O partido do prefeito conseguiu três cadeiras, PSL outras duas e Cidadania uma; MDB não conseguiu eleger um único candidato. De fato, na luta política na Câmara Municipal de Manaus (CMM), sair derrotado de um processo eleitoral não significa necessariamente estar ausente da agenda de governo do prefeito. O período pós-eleitoral é um momento de recomeço, de realinhamento das forças partidárias, dos atores e dos interesses.

O resultado das eleições transferiu para o legislativo municipal robusta fragmentação partidária e fracionalização parlamentar em termos de número efetivo de partidos. E a cada nova rodada do jogo eleitoral renova-se a preferência ideológica dos votantes de acordo com as estratégias dominantes postas na mesa pelos atores.

Gráfico 1 – correlação ideológica dos vereadores eleitos e ideologia
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TSE, 2023.

É perfeitamente possível identificar, no agregado, a clivagem ideológica dos partidos vis-à-vis o posicionamento partidário do prefeito ao longo da série histórica. A predominância dos partidos de direita em detrimento dos demais, no último pleito, se deve principalmente a dois motivos. Por um lado, o processo de ascensão do projeto bolsonarista, vitorioso nas eleições presidenciais de 2018. Por outro, o alinhamento do prefeito eleito e dos partidos em busca de um eleitorado mais conservador, majoritário na capital, sem, contudo, entregarem uma retórica de radicalização ideológica.

A alta volatilidade do subsistema municipal apenas traduz uma tendência geral – presente também nas esferas estadual e nacional – identificada em vários estudos na área de Ciência Política. A escassa incidência de partidos de esquerda na representação parlamentar no Amazonas, sobretudo na capital, é histórica. E tal tendência não foi revertida nem no período da presidência Lula I e II ou quando Serafim Corrêa (PSB) foi prefeito de um único mandato (2004-2008). Assim, o predomínio de partidos de centro-direita e direita é a característica do subsistema partidário-parlamentar em Manaus. De modo que, o prefeito procura gerenciar a administração pública a partir deste fato.

O quadro de predominância de vereadores ligados ao espectro da centro-direita e direita continua expressivo transcorridos pouco mais da metade da atual Legislatura, pesem algumas migrações. Destaca-se também o cenário de grande fragmentação partidária. No total, 20 partidos têm cadeiras na CMM, com destaque para o Avante, partido do prefeito, que tem cinco vereadores na casa, seguido pelo Partido Social Cristão (PSC), Republicanos, União Brasil, Patriota, Partido da Mobilização Nacional (PMN), cada um com três representantes.

Gráfico 2 – distribuição de filiação partidária na CMM
Gráfico

Descrição gerada automaticamente
Fonte: https://www.cmm.am.gov.br/parlamentares

Outro elemento relevante para se pensar a presente composição da CMM é o número de mandatos exercidos pelos atuais vereadores. Conforme apontado antes, o processo eleitoral de 2020 foi marcado pela renovação na tradição, ou seja, o eleitorado preferiu grupos políticos tradicionais face a novatos na política. Nesse sentido, ainda que a maioria dos vereadores estejam exercendo seu primeiro mandato (60%), há um número significativo daqueles que ou estão em seu segundo mandato (20%) ou que já exerceram três ou mais o cargo de vereador (20%). Cabe ressaltar que, mesmo entre aqueles em sua primeira legislatura, há um número expressivo de vereadores que exerceram cargos políticos em diferentes níveis, particularmente no municipal e estadual, bem como outros que foram assessores de vereadores e deputados na CMM e ALEAM.

Gráfico 3 – número de mandatos por Vereadores
Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente
Fonte: https://www.cmm.am.gov.br/parlamentares

No que se refere à distribuição das cadeiras por gênero, há um cenário marcante de desigualdade, superior inclusive aos dados das candidaturas. Apesar das mulheres constituírem a maioria do eleitorado manauara (750.381 eleitoras em 2022, correspondendo a 53% do eleitorado conforme dados do TSE), a Câmara tem apenas 4 vereadoras num total de 41 parlamentares, o que corresponde a cerca de 10% das cadeiras. É interessante destacar também que as quatro vereadoras estão em partidos de direita e centro-direita: Glória Carrate (PL), Professora Jaqueline (União Brasil), Thaysa Lippy (Progressistas) e Yomara Lins (PRTB).

Gráfico 4 – distribuição de cadeiras da CMM por gênero
Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente
Fonte: https://www.cmm.am.gov.br/parlamentares

COMANDO DA CASA

A eleição para a Mesa Diretora da CMM foi realizada no dia 05 de dezembro de 2022 e definiu a moldura partidária do comando do parlamento municipal para o biênio 2023-2024. A vitória do atual presidente da CMM, Caio André (PSC), por 22 votos contra o vereador Elan Alencar (então Pros, hoje Democracia Cristã), que obteve 19, explicitou o conflito interno entre o prefeito de Manaus, David Almeida, favorável à candidatura do vereador Elan Alencar, e o governador do Amazonas, Wilson Lima (ex-PSC e agora União Brasil), que patrocinou a candidatura oposicionista de Caio André, vereador de primeiro mandato e secretário de governo.

QUADRO 1 – Mesa Diretora

Caio André

PSC

Presidente

Yomara Lins

PRTB

1ª. Vice-presidente

Everton Assis

União Brasil

2º. Vice-presidente

Lissandro Breval

Avante

3º. Vice-presidente

João Carlos

Republicanos

Secretário-geral

Glória Carratte

PL

1ª. Secretária

Jaildo Oliveira

PCdoB

2º. Secretário

Ivo Neto

Patriota

3º. Secretário

Rosilvaldo Cordovil

PSDB

Corregedor

Capitão Carpê Andrade

Republicanos

Ouvidor

Fonte: https://www.cmm.am.gov.br/parlamentares

O comando da câmara é majoritariamente composto por partidos de centro e centro-direita, tal como espelhada na composição partidária predominante na CMM. PCdoB é o único partido de esquerda com participação direta na Mesa Diretora. Vale notar também a baixar incidência de partidos de grande proeminência na vida política nacional. Com exceção de União Brasil, PSDB e PL, os demais são partidos menores, que usualmente não vencem eleições majoritárias nos grandes colégios eleitorais. Talvez seja este um movimento importante na mudança da identidade dos partidos brasileiros nas últimas décadas.

SISTEMA DE COMISSÕES

Outra arena importante na correlação de forças no parlamento municipal o sistema de comissões. As comissões parlamentares assumem dupla responsabilidade: a ação legislativa propriamente dita, ou seja, a elaboração das leis no âmbito do município; e fiscalizadora, ou seja, o de acompanhamento das ações governamentais e administrativas do prefeito. O sistema de comissões prima pelo teor técnico da produção legislativa. Por este motivo, as comissões têm como objetivo inventariar estudos especializados, buscar dados, produzir pareces, elaborar relatórios, promover audiências, a fim de apreciar com mais tempo a matéria e melhorar a lei. Assim, uma vez apreciada, os projetos podem ser concluídos na própria comissão de modo terminativo ou pode ser levado ao plenário da CMM, após análise da comissão, para que receba a palavra final dos demais vereadores.

QUADRO 2 – Sistema de Comissões da CMM

Gilmar Nascimento

Sem partido

Comissão de Constituição, Justiça e Redação

Marcel Alexandre

Avante

Comissão de Finanças, Economia e Orçamento

Prof. Samuel

PL

Comissão de Educação

David Reis

Avante

Comissão de Agricultura e Política Rural

Elan Alencar

PL

Comissão de Saúde

Peixoto

AGIR

Comissão de Serviço e Obras Públicas

Rosinaldo Bual

PMN

Comissão de Transporte, Mobilidade Urbana e Acessibilidade

Alonso Oliveira

Avante

Comissão de Cultura e Patrimônio Histórico

Sassá da Construção Civil

PT

Comissão Turismo, Indústria, Comércio, Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda

Jander Lobato

Progressistas

Comissão de Assuntos Sociocomunitários e Legislação Participativa

Joelson Silva

Patriota

Comissão de Ética

Daniel Vasconcelos

PSC

Comissão de Direitos Humanos, Povos Indígenas e Minorias

Kennedy Marques

PMN

Comissão de Meio Ambiente, Recursos Naturais, Sustentabilidade e Vigilância Permanente da Amazônia

Raulzinho

PSDB

Comissão de Acompanhamento de Leis

Jander Lobato

Progressistas

Comissão de Água e Saneamento

Mitoso

PTB

Comissão de Esportes

Glória Carratte

PL

Comissão de Defesa e Proteção dos Direitos da Mulher

Eduardo Assis

Avante

Comissão de Defesa do Consumidor

Rosivaldo Cordovil

PSDB

Comissão de Direito da Criança, do Adolescente e do Idoso

Dione Carvalho

Patriota

Comissão de Habitação e Regularização Fundiária Urbana

Roberto Sabino

Podemos

Comissão de Segurança Pública Municipal

Rodrigo Guedes

Podemos

Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Caio André

PSC

Comissão Especial de Comendas

Marcelo Serafim

PSB

Coordenadoria Parlamentar

Fonte: https://www.cmm.am.gov.br/comissoes

Quanto à composição, é possível verificar novamente o predomínio de parlamentares pertencentes aos partidos de direita e centro-direita no controle das comissões. Das 24 comissões existentes, apenas duas são ocupadas por partidos de esquerda: a Comissão Turismo, Indústria, Comércio, Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda com a presidência do vereador Sassá do PT e a Coordenadoria Parlamentar, com funções de comissão, com o vereador Marcelo Serafim do PSB. Em outras palavras, a alocação dos partidos é arregimentada de acordo com os interesses dos aliados do prefeito David Almeida sem grandes espaços institucionais para as forças de oposição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A organização do legislativo na CMM é estruturada com base no multipartidarismo assimétrico, alinhado a partidos de centro-direita e convergentes à agenda do prefeito. É no ambiente de fragmentação partidária e fracionalização parlamentar que o governismo predomina. O padrão de interação entre o prefeito e os vereadores alcança, assim, o seu ponto mais elevado quando identificamos que o perfil eleitoral em Manaus é preferencialmente mais conservador e paroquial tal como espelhado na composição partidária da CMM, da Mesa Diretora e das comissões parlamentares. O peso competição nacional entre duas forças da polarização – a direita bolsonarista e a esquerda petista – é diluída já no processo eleitoral e não ultrapassa o umbral da CMM.