Luci Maria Teston, Ermício Sena, Manoel Valdemiro F. Rocha e Rosa Indira Alves
O cenário político das eleições gerais de 2018 teve repercussões importantes no comportamento eleitoral no Acre. No âmbito do Executivo, a Frente Popular do Acre (FPA), liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Estado por 20 anos (1999 a 2018), sofreu uma derrota para o grupamento que lhe fazia oposição, levando ao Palácio Rio Branco o ex-Deputado Federal e ex-Senador (em meio do mandato) Gladson Cameli, pelo Partido Progressista (PP).
Em relação direta com o ocorrido no Executivo Estadual, na Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac), houve a renovação de 13 das 24 cadeiras destinadas pela legislação eleitoral. Evidenciou-se uma redução de candidatos eleitos posicionados ideologicamente em legendas de esquerda e, como consequência, o aumento de vagas ocupadas por partidos considerados ideologicamente de direita.
No âmbito da estrutura organizacional da Assembleia, o presidente da Mesa Diretora, o deputado estadual Nicolau Junior (PP), é aliado do governo do Estado. Ele desenvolve uma função essencial no sentido de orientar voto favorável aos projetos de iniciativa do Executivo.
A presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, que analisa a constitucionalidade das proposições apresentadas, e a Comissão de Orçamento e Finanças, que avalia qualquer proposição que tenha impacto fiscal, exercem função estratégica dentro da Assembleia. Nelas, é comum que o presidente da Casa avoque a relatoria da matéria para si e utilize desta posição para agir estrategicamente, questionando ou defendendo o Executivo.
Apesar do alinhamento do governo com o parlamento estadual, sobretudo nas pautas que dizem respeito às questões vinculadas ao funcionalismo público, o qual corresponde a uma grande parcela de mão de obra empregada no Estado, a oposição (representada por deputados vinculados aos partidos PT, PC do B e PSB) e os autodenominados ‘independentes’, tem conseguido algumas vitórias políticas na definição da agenda legislativa, seja por meio da obstrução de matérias do Executivo, seja propondo projetos.
Entre 2019 a 2021 foram apresentadas na Assembleia um total de 716 iniciativas, constituídas por Projetos de Lei Ordinária (PL), Projetos de Lei Complementar (PLC) e Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Os PLs, por serem mais corriqueiros e não alterarem nem regularizarem normas constitucionais, representaram 89,94% (644) das proposições. Os PLCs, que regulamentam assuntos específicos, bem como as PECs, que alteram o próprio texto da Constituição, corresponderam a 7,96% (57) e 2,09% (15), respectivamente (gráfico 1).
Gráfico 1 – Tipos de iniciativas na Aleac (2019 a 2021)
(Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria)
No Acre, apesar das Medidas Provisórias (MP) serem legalmente previstas (Art. 52, V e Art. 79 da Constituição do Estado do Acre), não houve a utilização deste instrumento por parte do Executivo estadual.
Predomínio e taxa de sucesso dos Projetos de Lei apresentados na Aleac
O predomínio na iniciativa de Projetos de Lei foi dos parlamentares. Do total de 644 PLs apresentados na atual legislatura (2019 a 2021), 488 (76%) foram iniciados pelos deputados, cabendo ao Executivo a apresentação de 156 (24%) proposições durante o período (gráfico 2).
Gráfico 2 – Projetos de Lei apresentados, por autoria, no Acre (2019 a 2021)
(Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria)
Esta preponderância de iniciativa por parte dos parlamentares pode evidenciar os baixos custos para iniciar uma proposição, tendo em vista que a não aprovação de um projeto tende a não gerar impacto eleitoral negativo ao parlamentar.
Apesar de propor menos projetos, o Executivo conseguiu aprovar mais e, em grande medida, em regime de urgência (gráfico 3).
Gráfico 3 – Tramitação (em dias) dos Projetos de Lei aprovados, por autoria (2019)
(Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria)
Considerando que a legislatura ainda está em curso e que as proposições ainda estão tramitando, se for observado o primeiro ano da legislatura atual, dos 42 Projetos de Lei apresentados pelo Executivo, 40 já foram aprovados, o que representa um percentual de 95% de aprovação.
Em se tratando de proposições de autoria dos parlamentares, 68% dos Projetos de Lei foram aprovados, o que corresponde a 111 de 162 projetos apresentados e evidencia menor celeridade no tratamento das iniciativas.
Esse percentual de aprovação dos projetos de autoria do Executivo é muito próximo do encontrado nas legislaturas anteriores na Aleac (1999 a 2014) e demonstra que, apesar dos parlamentares proporem mais projetos, é o Executivo quem aprova mais e em menor espaço de tempo, desempenhando um importante papel legislativo.
O alto índice de efetividade do Executivo na aprovação de iniciativas pode sinalizar a costura de acordos com os parlamentares para a garantia do apoio às iniciativas legislativas de seu interesse, seja por meio de coalizões ou negociações pontuais. Provavelmente, houve a necessidade de serem concebidos acordos políticos. No bloco de oposição, poderia haver deputados flexíveis para esta negociação.
Pautas que mobilizam a agenda dos parlamentares e do governo
Os projetos apresentados pelos deputados concentram-se em temas honoríficos (24,79%), pandemia (22,33%) e em matérias relacionadas à política e administração pública (13,72%) (gráfico 4).
Durante o ano de 2020, os deputados acreanos apresentaram 82 Projetos de Lei relacionados à pandemia, dos quais 11 foram aprovados, o que corresponde a 13,4% do total apresentado. Já em 2021 foram propostos 27 Projetos de Lei, sendo aprovados, até o momento, cinco proposições, representando 18,5% do total apresentado.
Dentre os projetos aprovados durante a pandemia e de autoria dos parlamentares destacam-se o que dispõe sobre a obrigatoriedade de utilização de máscaras no Estado do Acre (PL 55/2020), bem como o que estabelece medidas punitivas a quem desrespeitar a ordem de vacinação estabelecida pelo Poder Público do Estado para combater a pandemia (PL 06/2021).
A agenda do Executivo esteve voltada para a apresentação de projetos relacionados à política e administração pública (46,79%), a questões de ordem econômica (14,74%), bem como Projetos de Lei relacionados ao orçamento (10,2%). Em relação à pandemia, o Executivo obteve a aprovação de dez Projetos de Lei.
Gráfico 4 – Classificação temática dos Projetos de Lei apresentados (2019 a 2021)
(Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria)
Para além dos Projetos de Lei Ordinária, no período observado foram identificados Projetos de Lei Complementar (PLC) e Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Apesar de previstas na Constituição Estadual, não foram apresentadas Medidas Provisórias (MP) durante o período.
Em 2019 foram apresentados 20 PLCs, sendo aprovadas 12 proposições. Em 2020, dos 23 PLCs apresentados, 13 foram aprovados e, em 2021, houve a apresentação de 15 PLCs, sendo sete aprovados.
Quando à PEC, em 2019 foram aprovadas cinco do total de oito proposições apresentadas. Em 2020 foram apresentadas três propostas e em 2021, das quatro apresentadas, uma foi aprovada. As demais seguem em fase de tramitação.
A principal temática envolvendo tanto PLCs quando PECs nos três anos observados está relacionada à política e administração pública e, subsidiariamente, a questões de ordem econômica.
Agenda Ambiental na Assembleia
Com amplas florestas, o Acre já vivenciou um período marcado pelo “Governo da Floresta”, a partir de um discurso governamental iniciado em 1999 que criou o neologismo “florestania”. Preservação ambiental, exploração do meio ambiente de forma sustentável e o respeito aos povos da floresta faziam parte do discurso político.
Na atualidade, entretanto, a questão ambiental não ocupa um espaço relevante na agenda legislativa, apesar dos problemas ambientais ainda serem evidentes. Exemplo disso são os quase nove mil focos de queimadas registrados no território do Acre em 2021, concentrados nos meses de julho a outubro, de acordo com registros do programa de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Dois projetos em específico carecem de uma descrição mais detalhada envolvendo a pauta ambiental. Um deles é o Projeto de Lei n. 225/2020, de autoria do Executivo, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável no Acre. Este projeto foi apresentado à Aleac pelo governo em dezembro de 2020 e recebeu o apelido de “PL de concessão de florestas públicas”.
Na mensagem do Executivo propondo um novo regramento para a gestão das florestas públicas, havia a justificativa de que a proposta modernizaria a Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2001. Ademais, o projeto propunha a adequação da legislação estadual à legislação federal e buscava cobrir lacunas que gerassem insegurança jurídica na implantação de um programa de gestão de florestas públicas.
O projeto foi duramente criticado por deputados de oposição ao governo, movimentos ambientalistas, indígenas, extrativistas e especialistas no tema, que viram no projeto muitos problemas, em especial, o impacto socioambiental que geraria caso fosse aprovado da forma como propunha o Executivo. A matéria foi discutida em audiência pública proposta pelo deputado Daniel Zen (PT) nas Comissões de Constituição e Justiça, Serviço Público e de Legislação Agrária.
Em maio de 2021 foi realizada uma audiência com deputados, lideranças indígenas, ribeirinhas, extrativistas e organizações da sociedade civil ligadas ao tema. Dentre as principais críticas, foram destacados o impacto no modo de vida das populações tradicionais, a não participação da sociedade civil na elaboração da proposta, a privatização dos recursos naturais e os impactos que a concessão de florestas públicas causaria no Complexo de Floresta Estadual do Rio Gregório, composta pelas Florestas Estaduais do Rio Gregório, Floresta Estadual do Rio Liberdade e Floresta Estadual do Mogno. Após estes debates, o projeto foi encaminhado à Comissão de Serviços Públicos e aguarda, atualmente, parecer para ser votado no plenário da Casa Legislativa.
Outra proposição a ser destacada é o Projeto de Lei n. 68/2021, de autoria do líder do governo na Aleac, deputado Pedro Longo (PV). A política ambiental do Acre é normatizada por meio da Lei 1.117 de 26 de dezembro de 1994, que ao longo dos anos vem sofrendo alterações. O referido projeto propunha acrescentar o seguinte dispositivo na mencionada Lei: “Fica dispensado do licenciamento ambiental a atividade de extração de piçarra e barro, para utilização, exclusivamente, na conservação, recuperação e melhoramento de ramais, estradas vicinais e ou reparos emergenciais em rodovias, das propriedades que não estão em Área de Preservação Permanente – APP ou em reserva legal, desde que não sejam para uso comercial e que sejam adotadas as providencias para o nivelamento do solo e o controle erosivo”.
Na justificativa do projeto, consta que o dispositivo permitiria aos agricultores familiares realizarem mutirões de tapa-buracos, sem o óbice do regramento ambiental, dispensando assim, o licenciamento ambiental para a extração de barro e piçarra, desde que fosse para recuperação dos ramais, estradas vicinais e reparos emergenciais em rodovias, garantindo segurança jurídica aos pequenos agricultores familiares, sem ferir o princípio fundamental que assegura um meio ambiente equilibrado e sustentável.
Com pouco debate no âmbito dos movimentos ambientalistas, o PL 68/2021 foi apresentado pelo parlamentar em maio de 2021. Foi aprovado em Plenário, porém, houve o veto do Executivo (veto n. 17/2021). No retorno à Aleac, o veto foi rejeitado e o projeto promulgado pelo presidente da Casa, originando a Lei n. 3.780, de 20 de setembro de 2021.