Produção e discussão de projetos do Legislativo Tocantinense sobre o segmento Meio Ambiente no período 2019-2021.

Cynthia Mara, Talita Melz, Liana Vidigal Rocha e Albertina Oliveira.

Nos últimos anos, o Legislativo tocantinense tem apresentado propostas voltadas para questões relacionadas ao meio ambiente, porém foi necessário fazer um levantamento das proposituras no período entre 2019 a 2021 a fim de verificar o teor e a relevância dos projetos.

Portanto, o objetivo deste boletim é apresentar as iniciativas de projetos de lei voltadas para o meio ambiente na Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto) no período de 2019 a 2021 que corresponde a 9ª legislatura que se encerra em 2022. Os dados utilizados na pesquisa foram coletados no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (Sapl), do Interlegis, em uma parceria entre a Assembleia Legislativa de Tocantins e o Senado Federal.

A partir do período selecionado, a pesquisa tem como objetivo identificar, na atuação parlamentar da atual legislatura, os assuntos das iniciativas de projetos de lei e acompanhar o seu fluxo até o final quando são arquivados, apensados, aprovados ou vetados. A partir desses dados, é realizada uma análise geral das propostas relacionadas ao meio ambiente, especialmente as proposituras que denotam um impacto significativo, para além da simples vinculação por categoria temática. A seguir, no gráfico 01, são apresentados os dados gerais da coleta.

Gráfico 01 Quantitativo de projetos por categoria
Fonte: elaborado pelas autoras

No gráfico 01, que faz referência aos projetos por categorias, constam 1177 propostas de iniciativas de projetos de lei apresentadas no período 2019-2021, porém, apenas 50 propostas foram enquadradas na categoria Meio Ambiente e Energia que, em percentual, representam 4,25% do total. A partir da classificação elaborada pela Câmara dos Deputados, a categoria contempla assuntos relacionados a estudos legislativos e propostas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável, energia, recursos hídricos e minerais.

Dentre as 50 propostas de projeto de lei coletadas junto à Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto), a maior parte diz respeito a temas ligados aos parques estaduais, animais de estimação ou medidas econômicas que visavam a sustentabilidade, como a discussão desenvolvimento agrícola versus ambiental ou ainda questões relacionadas a potenciais energéticos. Assim, para identificar e compreender com maior precisão os temas, foi criada uma subcategorização dos projetos de lei, medidas provisórias e proposituras que envolvem as questões ambientais e energéticas (ver gráfico 02).

Gráfico 02 Identificação dos projetos a partir das subcategorias
Fonte: elaborado pelas autoras

Nos três anos da atual legislatura, das 50 proposituras apresentadas pela Aleto, os Direitos dos Animais apresentaram o maior número, com 17 projetos, seguida pela Sustentabilidade, com nove. Cabe ressaltar que esta subcategoria teve projetos cujos princípios aliaram questões ambientais e agricultura, como legislações envolvendo agrotóxicos. O tema Parques, Reservas e Biomas teve seis projetos apresentados no período. Já sobre Recursos Hídricos foram cinco e Coleta, Destinação e Reciclagem de Resíduos apareceu quatro vezes. As demais subcategorias, Energia, Educação Ambiental e Saneamento Básico tiveram, cada uma, apenas três propostas.

Ao longo do período selecionado, destaca-se que, com 21 proposituras, o ano de 2019 teve o maior número de projetos apresentados para o Meio Ambiente e Energia. Em 2020, primeiro ano da pandemia no Brasil, registrou-se uma queda considerável no número de projetos, no caso, apenas 11. Em relação ao ano de 2021, os dados da Aleto mostram um pequeno aumento, sendo apresentados 18 projetos e medidas envolvendo questões ambientais e energéticas. Durante os três anos, somente em 2019 que os deputados estaduais apresentaram proposituras para apreciação em todas as subcategorias, inclusive de forma homogênea, variando entre um e cinco projetos.

Em 2020, cinco subcategorias tiveram projetos apresentados e, em 2021, somente quatro. Vale ressaltar que, nesse último ano, a subcategoria que trata de Direitos dos Animais teve destaque com novos projetos apresentados, como o que dispõe sobre a autorização para cultivo da espécie exótica Pangassius Hipophtalmus, que virou lei e o sobre Política Estadual de Proteção à Fauna Silvestre, que acabou arquivado.

No último ano, outra questão importante foi a discussão sobre Parques, Reservas e Biomas que tratou de medidas, mudanças nas legislações de parques como o do Jalapão, e a polêmica concessão de parques estaduais à iniciativa privada.

Impacto das proposituras na população

Para melhor compreender o impacto social gerado que atinge diretamente a população, são apresentados aqui exemplos de propostas que tratam sobre a concessão de Parques Estaduais. Assim são destacados o Projeto de Lei nº 435/2021 que altera o dispositivo da Lei 1.203, de 12 de janeiro de 2001, que tratou da criação do conhecido Parque Estadual do Jalapão, inclusive, adotando outras providências (ver https://sapl.al.to.leg.br/materia/3657) e o PL 436/2021, que altera o dispositivo da Lei 1.172, de 31 de julho de 2000, que cria a unidade de conservação ambiental denominada APA-Jalapão (conferir https://sapl.al.to.leg.br/materia/3658).

A escolha desses projetos de lei está relacionada à proposta de concessão de exploração pela iniciativa privada, dos serviços de turismo no Parque Estadual do Jalapão, Parque Estadual do Cantão, Parque Estadual do Lajeado e o Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Estado do Tocantins, englobando ainda outras áreas de preservação localizadas no estado.

Com os projetos de lei nº 4/2021 e nº 5/2021, apresentados pelo executivo do Estado, em junho de 2021, e a divulgação de seu conteúdo na mídia, a opinião pública foi mobilizada e passou a questionar os reais benefícios da concessão para a população da região do Jalapão e para os empreendedores do turismo local.

O Parque Estadual do Jalapão, que é uma unidade de conservação brasileira de proteção integral à natureza localizada na região leste do estado do Tocantins, possui uma área de extensão de quase 160 mil hectares. O seu potencial econômico vem se expandindo a cada ano, sendo o principal destino do ecoturismo no Tocantins. A sua visibilidade nacional e internacional tem crescido de forma vertiginosa desde 2009 quando uma rede de televisão americana, a CBS, gravou uma das temporadas do reality show Survivor na região. Além disso, em 2017, a TV Globo, produziu a novela O Outro Lado do Paraíso, explorando o local como cenário para as gravações.

Em 24 de agosto de 2021, em sessão tumultuada, deputados aprovaram a concessão de exploração do Parque Estadual do Jalapão para a iniciativa privada. A comunidade local não havia sido consultada e o projeto apresentado não detalhava o modelo de concessão e nem mesmo destacava as áreas afetadas.

Antes da aprovação do projeto na Aleto, no dia 19 de agosto de 2021, foi realizada uma única audiência pública para ouvir representantes do Governo Estadual, prefeitos, vereadores, agências de turismo, guias, condutores e representantes de comunidades do Jalapão. A aprovação do projeto resultou em repercussão negativa perante a população, tendo em vista a falta de realização das audiências públicas nas comunidades tradicionais da região do parque, uma solicitação reivindicada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Para além das imagens turísticas que são amplamente divulgadas pela mídia local, nacional e internacional, a região em que o parque se localiza, a zona rural do município de Mateiros, apresenta baixo índice de IDH. Para completar, sete comunidades quilombolas, certificadas pela Fundação Palmares, habitam o território e, durante anos, enfrentaram dificuldades de sobrevivência em decorrência da pobreza, isolamento e falta de estrutura do município. Com a exploração do turismo e a venda de artesanato feito com capim dourado, as comunidades quilombolas melhoraram sua condição de vida a partir dessa fonte de renda que atualmente é considerada o pilar da economia local.

O capim dourado é um tipo de palha, abundante na região do Jalapão, com o qual são desenvolvidos produtos artesanais, como: pulseiras, brincos, chaveiros, bolsas, cintos, vasos, peças de decoração, entre outros. Suas características principais são a cor, que lembra a do ouro, e a resistência da fibra. A principal localidade, onde começou o desenvolvimento da produção artesanal, é o território quilombola Mumbuca, comunidade pertencente ao município de Mateiros.

O Capim Dourado pode ser colhido somente entre 20 de setembro e 20 de novembro para que não entre em extinção. O Estado do Tocantins conta com regulamentações que proíbem a saída do material “in natura” da região. Portanto, apenas peças já produzidas pela comunidade local podem ser transportadas e comercializadas, visando a sustentabilidade ambiental, social e econômica da região.

Com a aprovação do projeto de lei sem audiências públicas junto às comunidades quilombolas, surgiram questionamentos em torno da ausência de detalhamentos do projeto e o receio da população local perder sua principal fonte de renda com a chegada de empresas privadas para a exploração do parque. Aliados aos moradores locais, pequenos e médios empresários da região e da capital Palmas, que trabalham com o turismo no Jalapão, se juntaram a essa luta.

Durante o período de apreciação do projeto de lei e posteriormente a sua aprovação, diversos atos públicos e manifestações ocorreram devido à resistência das comunidades tradicionais e operadores do turismo na região, que ainda entendiam a concessão como não benéfica para a localidade e a população. Os grupos reivindicaram transparência no processo e afirmaram que o projeto aprovado não era claro em relação aos objetivos.

Em meio às manifestações, em setembro de 2021, o Executivo divulgou as etapas para a implantação da concessão, sendo a primeira um estudo no Parque do Jalapão, o primeiro alvo da lei de concessão, e o segundo a realização da audiência pública. Já em outubro de 2021, no Diário Oficial do Estado, foi publicada a minuta do contrato de concessão do Parque Estadual do Jalapão válido por um período de 30 anos ao custo de R$ 31.677.451,00.

Em seguida, o Executivo abriu o período de inscrições para a audiência pública em Palmas e em Mateiros. Entretanto, a Justiça Federal entendeu que o prazo de uma semana, definido pelo Estado para inscrição, era pouco para os moradores e envolvidos analisarem o contrato publicado e elaborarem questões pertinentes para a discussão. Desta forma, as audiências foram adiadas para novembro do mesmo ano.

Em meio ao debate sobre a concessão de exploração do parque, o Executivo tocantinense sofreu mudanças a partir da investigação e afastamento pelo STF do então governador Mauro Carlesse. O governador, alvo de operação da Polícia Federal, estava sendo investigado por dois supostos casos de corrupção, envolvendo as forças de segurança e o sistema público de saúde.

Com o afastamento do então governador, em outubro de 2021, o vice-governador Wanderlei Barbosa assumiu interinamente o cargo. Ao assumir o Executivo, o governador interino publicou dois decretos sobre a concessão dos parques, um deles definiu o que eram as ‘áreas adjacentes’ do parque, um dos principais questionamentos realizados durante todo o processo de tramitação do projeto de lei e posteriormente a sua aprovação, e o segundo tratava sobre a regularização dos territórios das comunidades tradicionais.

Posteriormente, em novembro de 2021, após a realização das audiências públicas sobre a concessão dos serviços de turismo do Parque Estadual do Jalapão, o Executivo tomou a decisão de retirar o Parque do Jalapão do chamado `pacote de concessão’ e informou que, com o andamento do projeto nos demais parques, novas audiências com as comunidades locais seriam realizadas. A justificativa da retirada do Parque do Jalapão do projeto se baseava na insatisfação das comunidades e moradores da região, bem como dos operadores de turismo que atuam no local.

Em fevereiro de 2022, o executivo publicou a Medida Provisória nº 3/2022 no Diário Oficial e encaminhou à Assembleia Legislativa, que trata da revogação dos termos da Lei n° 3.816, de 25 de agosto de 2021, que autorizou a concessão do parque.