Os governos e as políticas ambientais no estado do Acre

Luci Maria Teston, Manoel Valdemiro Francalino da Rocha e Bárbara Adriele Rufino

Este boletim pretende contribuir, em alguma medida, no debate acerca das políticas públicas relacionadas à agenda ambiental adotadas por diferentes governos estaduais no Acre. Não há a pretensão de abordar em detalhes todas as políticas, mas trazer as principais diretrizes, ações, projetos e programas adotados por diferentes governos ao longo dos anos relacionados ao meio ambiente. Os dados e informações foram coletados a partir de documentos (como relatórios de gestão); instrumentos de planejamento e gestão territorial (a exemplo do Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre); pesquisas em sites institucionais e de notícias; bem como a partir do contato com gestores que atuam ou atuaram em pastas envolvendo a agenda ambiental.

O Acre, estado situado no extremo sudoeste da Amazônia, corresponde a 4% da área amazônica brasileira e a 1,9% do território nacional. Faz fronteira internacional com o Peru e a Bolívia e nacional com os estados do Amazonas e de Rondônia. A situação fundiária das terras no estado pode ser considerada complexa devido ao reconhecimento de títulos expedidos por diferentes administrações. A regularização das terras se deu em decorrência da política de expansão da fronteira agrícola e da integração da Amazônia ao restante do país, estimulada pelo governo federal entre os anos 1970 e 1980. Em meados dos anos 1980 são criados projetos de assentamento e reservas extrativistas e, na década de 1990, há o reconhecimento e demarcação de terras indígenas, fruto de reivindicações de povos tradicionais, bem como do apoio de movimentos nacionais e internacionais (ZEE, 2010).

Apesar do Incra discriminar parte das terras acreanas, tem permanecido a falta de ordenamento fundiário. Os conflitos, em grande medida, surgem de pendências relacionadas à regularização. Neste contexto, em 2001, é criado o Instituto de Terras do Acre (Iteracre) com a finalidade de promover a regularização, ordenação e reordenação fundiária rural, bem como mediar os conflitos pela posse de terras e apoiar a criação de novas Unidades de Conservação, Projetos de Assentamentos e Terras Indígenas (ZEE, 2010).

Entre 2006 e 2018 houve um crescimento de 23% no rebanho bovino do Acre e de 25% das áreas de pastagens (Acre, 2021) elevando o desmatamento e, consequentemente, as queimadas, tendo em vista que o processo de desmatamento é, quase sempre, realizado através desse recurso. A distribuição das propriedades com rebanho bovino tende a se concentrar, conforme observamos na figura 1, nas proximidades das rodovias federais (BR 364 e BR 317), as quais interligam o Acre a outros estados e países, bem como em municípios localizados no Alto Acre (Assis Brasil, Brasileia, Xapuri e Epitaciolândia) e Baixo Acre (Acrelândia, Bujari, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard e Capixaba).

Figura 1 – Distribuição das propriedades com rebanho bovino no Acre em 2019
Fonte: Acre (2021).

O Acre ainda possui grandes desafios no combate às queimadas e ao desmatamento ilegal. Entre os meses de agosto e outubro, a prática de queimadas para preparar o solo para a agricultura é comum, causando impactos significativos tanto para o meio ambiente quanto para a saúde da população. Em setembro de 2024 a poluição decorrente das queimadas atingiu um nível tão perigoso ao ponto de o governo estadual e a prefeitura de Rio Branco suspenderem as aulas da rede pública.

Nesse contexto, a seguir, são apresentadas ações, políticas e programas relacionados à agenda ambiental, considerando os governos da Frente Popular – correspondentes aos 20 anos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no comando do Executivo estadual – e a agenda mais recente, a partir da vitória de Gledson Cameli (PP) ao governo do estado em 2018.

Governos da Frente Popular

Até 1999, o estado do Acre possuía aproximadamente 2,6 milhões de hectares em Unidades de Conservação (UCs), distribuídas entre as esferas federal, estadual e municipal. A partir do ano 2000, até o ano de 2018 – quando encerram os 20 anos de domínio do PT no comando do Executivo estadual – o governo do estado, em colaboração com o governo federal, promoveu a criação de 16 novas UCs, o que resultou em um aumento de 2,8 milhões de hectares. Com isto, o Acre alcançou a marca de mais de 5,4 milhões de hectares em áreas protegidas, dobrando o número em menos de 20 anos (Acre, 2018).

As UCs são fundamentais para a preservação da biodiversidade e para a sustentabilidade econômica das comunidades locais, que dependem diretamente dos recursos naturais. Entretanto, o crescimento destas áreas deve ser acompanhado por políticas de incentivo à produção agrícola e florestal sustentável, fornecendo acesso a serviços básicos como saúde, educação e segurança para as comunidades residentes nestas regiões.

Entre 2004 e 2017, o Acre reduziu o desmatamento em 65%, um resultado atribuído à combinação de políticas ambientais consideradas rigorosas e apoio a atividades produtivas sustentáveis (Acre, 2018). Foi um período no qual o estado incentivou o manejo florestal comunitário e empresarial, tanto madeireiro quanto de produtos não madeireiros.

Outro marco importante foi a implementação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), um instrumento de planejamento territorial que orienta o uso sustentável dos recursos naturais no Acre. O ZEE passou por três fases: a primeira entre 2000 e 2007, a segunda entre 2008 e 2017, e a fase atual, em revisão desde 2018[1]. Este instrumento é considerado essencial para organizar as atividades econômicas no estado, no sentido de a expansão agrícola não causar impactos ambientais irreversíveis.

Houve, ainda, a implementação do novo Código Florestal, que instituiu o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA), os quais visam regularizar propriedades rurais e assegurar o uso sustentável das terras. Além disto, o estado elaborou uma série de planos e programas relacionados à política ambiental, como o Plano Estadual de Recursos Hídricos (2012); o Programa Estadual de Arborização Urbana (2012); o Plano Estadual de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (2012); o Plano de Gestão de Riscos de Desastres Ambientais (2013); bem como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas – PPCDQ (2018). Estes programas visavam garantir a preservação dos recursos naturais do estado e a segurança das populações. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento (2008), por exemplo, buscava combater a degradação florestal, enquanto o PPCDQ se concentrava no problema recorrente das queimadas (Acre, 2018).

Governo de Gladson Cameli

Entre 2019 e 2022, durante o primeiro mandato de Gladson Cameli (PP) – gestão que coincidiu com a presidência de Bolsonaro -, o Acre registrou níveis recordes de desmatamento da Floresta Amazônica. No primeiro mandato de Cameli, em especial, há um direcionamento na perspectiva do agronegócio, que veio a ser um dos pilares da gestão, com o estado passando a registrar safras recordes. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), as taxas de desmatamento anuais no período de 2019 a 2022 mais que duplicaram se comparado ao período de 2011 a 2018.

A partir de 2023, em seu segundo mandato e sob o governo Lula, Cameli vai ao encontro do apelo ambiental externo, inclusive na perspectiva da captação de recursos para o setor em organismos internacionais. O governador, por exemplo, foi líder da comitiva acreana na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28) na qual participou de mesa redonda com governadores com o objetivo de discutir medidas de combate ao desmatamento e a conservação e restauração de paisagens e florestas visando o cumprimento da meta climática.

Já em 2023, o Acre assinou um contrato com o Fundo Amazônia garantindo um investimento de R$ 97,8 milhões para ações de combate ao desmatamento e valorização da sociobiodiversidade. O recurso, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), visa intensificar o monitoramento ambiental e apoiar iniciativas de produção agrícola sustentável. Além disto, o estado foi escolhido para presidir o Fórum de Secretários de Meio Ambiente da Amazônia Legal, um espaço importante de articulação entre os estados amazônicos para promover ações conjuntas de preservação da floresta. Esta posição tende a refletir certo protagonismo do Acre nas discussões sobre sustentabilidade e conservação da Amazônia.

Quanto à legislação relacionada à agenda ambiental, em outubro de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) avaliou serem inconstitucionais dispositivos das Leis n. 4.396/2024 e n. 4.397/2024, do estado do Acre, que flexibilizam a concessão de licenciamento ambiental e autorizam o Executivo a outorgar, sob condição resolutiva, concessão de direito de uso nas áreas das Florestas Públicas Estaduais do Rio Gregório, do Rio Liberdade, do Mogno, do Antimary e do Afluente do Complexo do Seringal Jurupari, para efeito de regularização fundiária.

Desmatamento, queimadas e recuperação de áreas degradadas

As queimadas no Acre representam um desafio complexo e multifacetado, com impactos importantes no meio ambiente, na saúde pública e na economia local. Estão associadas à perda de biodiversidade, degradação do solo, bem como no agravamento das alterações climáticas decorrentes da liberação de grandes quantidades de gases de efeito estufa. Os impactos socioeconômicos estão associados à qualidade do ar (fumaça das queimadas causa problemas respiratórios), à economia local (pode afetar setores como o de turismo), bem como conflitos sociais decorrentes da disputa pelo uso dos recursos naturais.

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) demonstram a ocorrência de focos ativos de queimadas detectados por satélite no Acre ao longo dos anos (figura 2).

Figura 2 – Série histórica do total de focos ativos de queimadas no Acre detectados por satélite (1998 a out. 2024)
Fonte: INPE (2024)

As áreas de queimadas contribuem para a expansão do desmatamento que, por sua vez, possui a tendência de se concentrar ao longo da BR 364 e da BR 317 e em rios que cortam perpendicularmente a rodovia (figura 3). Mais de 80% das áreas de expansão da fronteira do desmatamento estão concentradas em assentamentos, lotes particulares e terras discriminadas (Acre, 2021). De acordo com o Batalhão de Policiamento Ambiental do Acre, em 2023 foram registradas 408 ocorrências de crimes ambientais.

Figura 3 – Áreas de fronteira de expansão de desmatamento no período de 2005-2021 no estado do Acre.
Fonte: Acre (2021).

Se observamos atentamente as figuras 1 – envolvendo a distribuição das propriedades com rebanho bovino – e a figura 3 – que trata das áreas de fronteira de expansão de desmatamento no Acre – observamos a convergência das áreas nas quais os dois processos se manifestam com maior intensidade.

Em 2023 teve início a implementação do Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (Peveg), com o objetivo de recuperar áreas desmatadas por meio de sistemas agroflorestais (SAFs), combinando o plantio de árvores com cultivos agrícolas, o que poderá vir a beneficiar pequenos agricultores e ajudar a restaurar o solo. O Peveg teria sido uma resposta às exigências ambientais nacionais e internacionais. Seu desenvolvimento foi financiado parcialmente por programas como o REM Acre II e o Fundo Amazônia. O objetivo é promover a recuperação de áreas degradadas e, ao mesmo tempo, gerar oportunidades econômicas para as comunidades rurais.

Além disso, vem ocorrendo campanhas de educação ambiental, especialmente nas escolas, por meio de programas como o Circuito Ambiental, um projeto que leva informações sobre a biodiversidade e os efeitos das mudanças climáticas para crianças e jovens utilizando materiais didáticos interativos e tecnologias audiovisuais.

Considerações

Apesar das medidas adotadas pelo governo para enfrentar os desafios ambientais, no que tangue ao combate ao desmatamento e às queimadas as ações esbarram em limitações consideráveis. A pressão pela ocupação de terras para atividades como a agricultura e a pecuária, muitas vezes realizadas de forma irregular, segue como um dos principais incentivadores da devastação ambiental. Além disto, as queimadas – com impactos significativos tanto para o meio ambiente quanto para a saúde da população -, continuam a ser uma prática recorrente, principalmente em períodos prolongados de seca.

Entre os principais desafios relacionados às queimadas podem ser destacados: a) sua extensão e intensidade: inclui dificuldade de acesso a algumas regiões e a intensidade dos incêndios, consumindo grandes áreas de vegetação em pouco tempo; b) causas complexas: inclui desde causas naturais devido aos períodos de seca prologada e alta temperatura, bem como causas humanas, decorrentes de desmatamento, queimadas para limpeza de pastagens, conflitos agrários e ações criminosas; c) dificuldades no combate: falta de recursos financeiros e humanos como fatores limitantes da capacidade de combate às queimadas.

Além disso, o combate a crimes ambientais, especialmente as queimadas no estado do Acre envolve uma série de ações coordenadas por diferentes órgãos e instituições. As estratégias incluem monitoramento constante, intensificação da fiscalização, combate às causas do desmatamento e das queimadas – compreendendo ações de educação ambiental, apoio a atividades sustentáveis, combate à grilagem de terras e o fortalecimento da gestão ambiental. Em complemento, pode ainda ser citada a colaboração entre órgãos governamentais, organizações não governamentais, comunidades locais e o setor privado, bem como o uso de tecnologias (drones, aplicativos e outras tecnologias que facilitam o monitoramento, a comunicação e a tomada de decisões no combate às queimadas), além da aplicação adequada da legislação ambiental.

Enquanto as políticas de incentivo a práticas sustentáveis como o extrativismo e o ecoturismo buscam oferecer alternativas econômicas, a adesão destas práticas de forma mais ampla pelas comunidades locais ainda é um processo lento, exigindo mais investimentos em infraestrutura, assistência técnica e acesso aos mercados. O estado, portanto, segue enfrentando obstáculos no controle do desmatamento e das queimadas, especialmente em regiões onde as pressões socioeconômicas e a falta de governança ambiental são mais intensas.

Agradecimentos

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre (FAPAC) – Iniciativa Amazônia + 10.

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Referências

ACRE. Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA+Floresta. Relatório de Gestão 2018. Rio Branco: SEMA + Floresta, 2018.

ZEE. Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre. Guia para o uso da terra acreana com sabedoria: Resumo educativo do Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre: fase II (escala 1:250.000) Rio Branco: Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, 2010.

ACRE. Governo do Estado. Zoneamento ecológico-econômico do Acre: fase III: escala 1:250.000: documento-síntese. Secretária de Estado do Meio Ambiente. Rio Branco: Semapi, 2021.

INPE. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Programa Queimadas, 2024. Disponível em: https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/estatisticas/estatisticas_estados/


  1. A fase atual do ZEE, conhecida como Fase III, está prevista para ser concluída em 2027, com financiamento de parceiros internacionais, como o Banco Alemão KfW e o Fundo Amazônia.