O segundo turno das eleições de 2022 em Rondônia: a disputa no centro do bolsonarismo

João Paulo S. L. Viana, Patrícia M. C. de Vasconcellos, Melissa V. Curi, Jamila Martini

Como assinalado nas recentes análises desenvolvidas pelo LEGAL, o caso rondoniense apresenta-se como um dos mais provocadores da atual conjuntura política brasileira. Rondônia foi a única unidade federada em que Bolsonaro (PL) venceu na totalidade dos municípios, em cada um dos quatro turnos das disputas presidenciais de 2018 e 2022. Ainda que o conservadorismo constitua-se como um traço marcante da cultura política, desde os períodos de formação institucional da região, o estado vivencia, a partir da eleição de 2018, uma radicalização à direita que faria jus ao título de mais forte reduto bolsonarista do País. Embora detenha menos de 1% do total dos eleitores em nível nacional, Rondônia possui, proporcionalmente, um dos mais numerosos eleitorados evangélicos brasileiros. No plano econômico, o agronegócio é responsável por grande parte do PIB estadual.

Em Rondônia, o bolsonarismo encontrou terreno fértil para sua consolidação e expansão. Nesse contexto, os temas do agronegócio e da religião, especialmente, questões morais extremistas relacionadas à família, aos valores e costumes, dominaram amplamente a pauta da eleição no estado. Assim, os eleitores rondonienses elegeram para a Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados e Senado federal uma ampla maioria de políticos de direita e extrema-direita. Feito que se reproduziu também na corrida ao governo estadual. A eleição foi decidida num acirrado 2° turno entre dois candidatos bolsonaristas, o governador e candidato à reeleição, Cel. Marcos Rocha (União), e o senador Marcos Rogério (PL). Na reta final, Rocha contou com o apoio do terceiro colocado na disputa, o deputado federal Léo Moraes (PODE). E com a adesão da família Cassol, especialmente, a deputada federal Jaqueline Cassol (PP), candidata derrotada ao Senado. Ambos, apoios decisivos para o atual governador que foi reeleito com quase 53% dos votos válidos.

Também na primeira rodada da disputa presidencial, Jair Bolsonaro alcançou 64% das preferências, seguido por Lula (PT), com 29% dos votos válidos. O resultado representou, proporcionalmente, a segunda maior votação de Bolsonaro, atrás apenas do estado de Roraima, o que se repetiria no segundo turno, com Bolsonaro alcançando 70% do eleitorado rondoniense. Vale frisar que o estado teve uma das maiores abstenções eleitorais em ambos os turnos, em torno de 24%, porém, o índice não é muito superior à média nacional. Importante ratificar, assim como ocorrido na disputa de 2018, novamente, apenas em Rondônia o bolsonarismo sagrou-se vitorioso em todos os municípios.

Importante também analisar como essa vitória bolsonarista no estado se relaciona com a pauta ambiental. Com o resultado das eleições, constatou-se que os municípios em que Bolsonaro foi vitorioso estão dentro do arco do desmatamento, um território que vai do oeste do Maranhão e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre. Embora o desmatamento provoque inúmeros impactos locais negativos, o apelo econômico do agronegócio se sobrepõe a valores ambientais e sociais fundamentais, consolidando um modelo degradante de desenvolvimento. Realidade anunciada nas campanhas para o governo do estado, nos dois turnos das eleições.

O debate entre os candidatos não apresentou novidades, sendo dominado amplamente, como já mencionado, pela agenda econômica do agronegócio e a pauta religiosa. Ressalta-se que a maneira descuidada como a temática do meio ambiente foi abordada por ambas as candidaturas, caracterizou-se como uma espécie de “antipauta”, sem propostas consistentes e sem preocupação com temas relevantes. Durante quatro anos de uma experiência governamental radicalizada, sob a qual o Executivo e o Legislativo estaduais seguiram os ditames do governo Bolsonaro, indicadores divulgados por organizações especializadas evidenciam o descaso em várias áreas, principalmente, no que refere à Saúde, Segurança Pública e Meio Ambiente.

Especificamente sobre a questão ambiental, como assinalado em outras oportunidades, além de inúmeras investidas contrárias à Constituição Federal nos últimos anos, Rondônia foi responsável recentemente por 12% dos incêndios registrados no País, e registrou um aumento exponencial em relação a novembro do ano passado. Claramente, o tema está longe de ser uma preocupação da elite política estadual. O descaso e o retrocesso nas políticas públicas em áreas essenciais vão além. Porto Velho lidera entre as capitais com os piores índices de saneamento básico e água tratada. No tocante à segurança pública, o estado apresenta um dos maiores índices de mortes violentas entre as unidades federadas. A saúde também apresenta sérios problemas, sobretudo, na questão da descentralização, uma antiga demanda nunca efetivada. De fato, são inúmeros os desafios do atual governo reeleito.

Cumpre mencionar que, assim como em outras regiões do País, em Rondônia o resultado das urnas veio acompanhado por uma onda de protestos e mobilizações. Durante mais de dez dias, centenas de manifestantes bloquearam vários trechos da BR-364, impedindo o tráfego na principal rodovia do estado. Após duas semanas do encerramento do segundo turno, os protestos contrários a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) persistem pelo estado. Em Porto Velho, manifestantes, ainda que minoritários, continuam reunidos em frente ao quartel da 17ª Brigada de Infantaria e Selva, no centro da capital. Em importantes cidades do interior há ainda diversos acampamentos com concentrações de manifestantes bolsonaristas inconformados com o resultado eleitoral, muitos, inclusive, pedindo intervenção militar. Uma série de protestos está marcada para esse 15 de novembro. É notório e preocupante o clima de radicalização política no estado.

Não obstante, o retorno de Lula e do PT à presidência pode contribuir para uma mudança na atual conjuntura política radicalizada no estado. Vale recordar que foi durante os governos Lula (PT), entre os anos de 2003 e 2010, o período em que a esquerda moderada mais cresceu eleitoralmente em Rondônia, inclusive, governando a capital por dois mandatos. Um ponto importante para um possível arrefecimento do quadro extremado que marca a política rondoniense foi a recente sinalização do presidente do União Brasil, Luciano Bivar, no sentido de que o partido está disposto a participar do governo Lula. Ademais, logo após o segundo turno, o prefeito de Porto Velho, agora ex-tucano, Hildon Chaves, um dos principais responsáveis pela reeleição do governador Marcos Rocha, também se filiou ao União Brasil e desponta como um possível candidato ao governo em 2026. Político de centro-direita, Chaves (União) pode ocupar um papel central num possível processo de moderação política.

Embora seja prematuro prever o comportamento dos atores, estratégias e conjunturas específicas, uma possível aproximação entre os governos de Lula e Marcos Rocha não é uma possibilidade a ser descartada. Todavia, trata-se de uma boa oportunidade para o campo progressista se reorganizar no estado, com o objetivo de disputar as eleições municipais de 2024. Sempre importante recordar que a região é estratégica para o governo federal e sob qualquer perspectiva a agenda política para a retomada da preservação ambiental no País passa pela Amazônia rondoniense. Por outro lado, caso a conjuntura política ultraconservadora continue dominante em Rondônia, o estado poderá ser o “calcanhar de Aquiles” do novo governo petista.