João Paulo S. L Viana; Patrícia M. C. de Vasconcellos; Melissa V. Curi; Roberta Mendonça De Carvalho; Gabriel Ximenes da Rocha Souza
Introdução
O presente boletim analisa a disputa local de 2024 na capital de Rondônia, estado em que a direita radical bolsonarista apresentou melhor desempenho eleitoral nas últimas eleições presidenciais. Embora desde os tempos do antigo território federal, a política rondoniense tenha se caracterizado pelo domínio de uma elite política conservadora que conviveu historicamente com uma firme oposição de centro-esquerda nos períodos mais radicalizados da ditadura militar, a direita moderada deu lugar nos últimos anos a um conservadorismo extremado que faz de Rondônia atualmente o centro do bolsonarismo no País.
Nesse contexto, a disputa eleitoral na capital rondoniense foi dominada por candidaturas conservadoras, com um notório esvaziamento da pauta ambiental e forte influência religiosa. Não obstante, apesar do favoritismo do grupo bolsonarista liderado pela ex-deputada federal Mariana Carvalho (União) e uma ampla coligação de partidos de direita, Carvalho não logrou êxito eleitoral, cedendo a vitória ao campo conservador moderado representado pela candidatura do também ex-deputado federal Léo Moraes (PODE), que concorreu praticamente sozinho sob o lema: “Coligado com o povo”.
Inicialmente, a análise apresenta as características gerais da disputa em Porto Velho, dando ênfase ao conservadorismo religioso e a pauta anti-ambiental. Posteriormente, busca compreender os principais fatores que marcaram a virada eleitoral histórica. Em que pese os inúmeros equívocos da campanha de Mariana Carvalho (União), nossa hipótese é de que, sob um sistema eleitoral majoritário de dois turnos, o voto do eleitor mediano foi decisivo para impedir a vitória do bolsonarismo. Na seção seguinte, abordamos a questão da “frustração” do efeito coattail, na qual a coligação da candidata derrotada elegeu a totalidade dos 23 vereadores da Câmara Municipal de Porto Velho (CMPV), e seus possíveis impactos na governabilidade. Por fim, traçamos um rápido balanço com algumas questões relacionadas ao sucesso do novo prefeito na construção de maioria na CMPV e o futuro do grupo bolsonarista derrotado nas urnas.
Eleição conservadora com eleitorado mediano decisivo
As eleições de 2024 em Porto Velho apresentaram características peculiares. Na capital do estado mais bolsonarista da federação, a guinada conservadora, um dos principais elementos da eleição portovelhense, veio acompanhada do antipetismo que se recusa a ceder e se perpetua na cidade pelo menos desde 2016. A forte influência evangélica fez com que Léo Moraes (PODE) e Mariana Carvalho (União), candidatos que disputaram o segundo turno, optassem por pastores para ocupar o lugar de vice nas respectivas chapas. Até mesmo o candidato da frente de esquerda, Célio Lopes (PDT), tinha como vice uma pastora.
O tema do meio ambiente como antipauta eleitoral também consistiu numa das principais características da disputa local. A temática ambiental foi completamente negligenciada por candidatos e legendas partidárias, mesmo diante de uma situação de emergência na qual a cidade esteve sob intensa fumaça durante praticamente todo o primeiro turno. Somente Samuel Costa (REDE) abordou o assunto com a devida preocupação que o tema merece. Entretanto, o candidato da REDE atingiu apenas 1% dos votos.
As peculiaridades da eleição portovelhense de 2024, não param por aí. Ainda no primeiro turno, a coligação da candidata do União Brasil, Mariana Carvalho, que terminou o primeiro round com quase 20% a mais que o vencedor da eleição, Léo Moraes (PODE), conseguiu o feito de eleger todos os 23 vereadores da Câmara Municipal de Porto Velho (CMPV). Apoiada pelo governador, Cel. Marcos Rocha (União), pelo prefeito Hildon Chaves (PSDB), pelo senador Marcos Rogério (PL), por todos os vereadores que concorriam à reeleição, e por uma coligação de partidos conservadores formada por 12 legendas, Mariana parecia “nadar de braçada” rumo à vitória.
Contudo, uma sucessão de equívocos por parte da candidata do União, certamente, permitiu a virada histórica do candidato do Podemos, Léo Moraes. Nesse contexto, o que teria contribuído para a derrota de Mariana Carvalho num cenário que parecia tão favorável a sua vitória já em primeiro turno?
Cumpre mencionar que Mariana Carvalho (União) chegou a obter 56% de intenções de votos na 2ª pesquisa Quaest, publicada no dia 17 de setembro, enquanto na mesma sondagem Léo Moraes (Podemos), apresentava 11%, sete pontos a menos do que seu desempenho na primeira pesquisa, quando iniciou com 18%. À época, analistas locais chegaram a afirmar, equivocadamente, que Léo perderia a segunda posição para a juíza aposentada Euma Tourinho (MDB), o que evidentemente não ocorreu. Naquele momento, Mariana possuía praticamente o dobro de intenções de votos dos demais candidatos juntos. No entanto, é importante relembrar que Léo Moraes, embora concorrendo sozinho, é um candidato bastante conhecido do eleitorado local, tendo sido inclusive o deputado federal mais votado do estado em 2018. Em suma, desde o início da campanha era dado como certo que a disputa seria entre Mariana e Léo.
Embora impressionassem os percentuais nas pesquisas, o volume de recursos financeiros e o tempo de rádio e TV da coligação de doze partidos em torno da candidatura de Mariana Carvalho (União), como afirmado anteriormente, um conjunto de erros cometidos na reta final da campanha foi fundamental para levar a eleição ao segundo turno. Seguramente, o evento principal desse “combo de equívocos” foi a ausência da candidata do União Brasil ao debate da Rede Amazônica, afiliada Globo, realizado na quinta-feira, dia 03 de outubro. Algo difícil de compreender, até porque, alguns dias antes, Mariana Carvalho havia tido um bom desempenho no debate da SIC-TV, afilada Record.
Assim, diante de um formato que penalizava fortemente o candidato ausente, no qual o púlpito permanecia vazio no estúdio, e aos demais candidatos era permitido fazer perguntas para Mariana Carvalho que não estava presente, todos os outros cinco postulantes centraram “artilharia” na candidata favorita que não podia se defender. Nesse sentido, é justificável que a Quaest, fechada, provavelmente, sexta-feira à noite, ou no sábado de manhã, não tenha captado a tendência de queda constante que se acentuou até o domingo, dia 06 de outubro. Resultado das urnas: Mariana 44% x 25% Léo.
Em meio a essa conjuntura, embora o segundo turno tenha se iniciado com uma vantagem de quase vinte pontos percentuais em favor de Mariana Carvalho, a tendência de crescimento de Léo Moraes se acelerou. A primeira pesquisa Quaest do segundo turno, divulgada no dia 17 de outubro, apresentou um empate técnico entre os candidatos, com 43% para Mariana e 42% para Léo. Tendo como base o resultado do primeiro turno, isso representava um crescimento quase sete vezes superior do candidato do Podemos, em relação à candidata do União Brasil que apresentava um quadro de estagnação. Apesar de Mariana ter recebido formalmente o apoio de Célio Lopes (PDT) e de Benedito Alves (Solidariedade), isso não se refletiu em migração de votos. Inclusive, para uma fatia do eleitorado mais radical à direita, soou muito mal o apoio do pedetista.
De uma situação que apontava para um quadro praticamente decidido em primeiro turno, a última semana de campanha do segundo turno ocorreu de forma dramática. Diante de conjunturas que se modificam muito rapidamente, o que observamos foi um quadro de virada histórica na eleição de Porto Velho. Certamente, a maior virada das eleições de 2024 nas cidades em que o segundo colocado no primeiro turno sagrou-se vencedor no segundo turno da disputa.
Ao final da eleição, Moraes conseguiu uma vitória épica, sob o slogan “Coligado com o povo”, e praticamente sozinho venceu o establishment da política estadual. Se no primeiro momento da eleição, que poderia ter sido decidida já em primeiro turno, os recursos tradicionais de campanha, como financiamento eleitoral e tempo de rádio e tv, exerceram notória influência, com a candidata do União Brasil, embora em queda, obtendo larga vantagem, no segundo turno quando o acesso a esses recursos ocorreram em maiores condições de paridade, parte significativa do eleitorado passou a olhar com desconfiança uma aliança tão extensa em torno de uma candidatura.
Para a ciência política, um ponto de grande relevância à análise da eleição em Porto Velho diz respeito ao modelo de sistema eleitoral de dois turnos e sua tendência a evitar o predomínio de candidaturas extremistas. Como explicitado anteriormente, embora a candidata do bolsonarismo tenha recebido o apoio do pedetista Célio Lopes, candidato da aliança com o PT e a frente de esquerda, os votos de Célio, em sua imensa maioria, provenientes do eleitorado petista, migraram para Léo Moraes. Decerto, o mesmo ocorreu com a votação de Euma Tourinho (MDB), Benedito Alves (Solidariedade) e os demais candidatos.
Se no primeiro turno cerca de 55% do eleitorado disse não à Mariana Carvalho (União), no segunto turno a totalidade desses eleitores seguiu com Léo Moraes. Político de centro-direita, de postura moderada, o candidato do Podemos, que alcancou 25% dos votos no primeiro round, logrou receber prasticamente a totalidade dos votos dos candidatos derrotados em primeiro turno, inclusive, o voto da esquerda moderada. Importante mencionar que no início de sua carreira política, principalmente, durante os mandatos de vereador e deputado estadual, Léo Moraes manteve uma profícua relação de diálogo com setores de centro-esquerda, o que acarretou até mesmo em defesa de algumas pautas progressitas. A postura fiscalizadora e combativa do jovem parlamentar favorecia tal aproximação, embora logo depois o mandato de deputado federal tenha contribuído para um certo distanciamento entre Léo e a esquerda moderada em Rondônia.
Nossa hipótese é de que para cerca de 30% do eleitorado, que não votou em Léo e Mariana no primeiro turno, num segundo turno entre o radicalismo bolsonarista e uma opção de centro-direita encabeçada pelo candidato do Podemos, prevaleceu a busca pela moderação e o equilíbrio, no que denominamos na ciência política como a teoria do eleitor mediano, conceito amplamente desenvolvido por Anthony Downs em meados do século XX. Em uma próxima oportunidade, pretendemos desenvolver melhor o argumento.
A frustração do efeito coattail e a construção de maioria na CMPV
Uma outra questão também bastante interessante da disputa portovelhense, se refere à eleição dos vereadores e o efeito coattail. Apoiada por toda a composição da atual legislatura da Câmara Municipal de Porto Velho que disputava a reeleição, como explicitado anteriormente, a coligação de Mariana Carvalho (União), mesmo diante de um quadro de 2/3 de renovação no parlamento municipal, assegurou os 23 assentos da casa. No gráfico 1 apresentamos o percentual de votação recebido pelos partidos na disputa à CMPV.
Votação por Partido para Câmara de Vereadores de Porto Velho – 2024
Fonte: Elaborado pelo cientista político Rodrigo Karolczak, a partir de dados do TSE
Com base nos dados apresentados no gráfico 1, todos os dez partidos mais bem votados na eleição à CMPV faziam parte da coligação de Mariana Carvalho (União). Outro detalhe que não pode ser minimizado, trata-se de que todas essas legendas estão situadas entre o espectro da centro-direita, direita e extrema direita. No gráfico 2, apresentamos a composição da CMPV eleita em 2024, por partido.
Composição da Câmara de Vereadores de Porto Velho, eleita em 2024
Fonte: Elaborado pelo cientista político Rodrigo Karolczak, a partir de dados do TSE
O coattail effect pode ser compreendido como a capacidade de um candidato transferir considerável força eleitoral a seus aliados. No caso específico aqui abordado, a influência de um candidato a prefeito forte para o sucesso dos candidatos a vereador apoiados por ele. Em conversa telefônica com os cientistas políticos Vítor Vasquez e Rodrigo Karolczak, ambos concordavam, no caso da eleição portovelhense, com um quadro de “frustração” do efeito coattail, situação em que, embora a votação expressiva de Mariana Carvalho muito possivelmente possa ter sido decisiva para o êxito da eleição da totalidade dos vereadores da coligação liderada pelo União Brasil, o fracasso da candidata no segundo turno “frustrou”, de forma surpreendente, o efeito coattail.
Com o término da eleição, o desafio imediato do prefeito eleito Léo Moraes (PODE) é a formação de uma maioria na CMPV apta a governar. Ao contrário do atual mandatário, Hildon Chaves (PSDB), que governa sem oposição, Léo começará o mandato sem uma base consolidada e terá que construir alianças para a obtenção de uma coalizão majoritária, um desafio, tendo em vista que o triunfo histórico nas urnas obtido por ele não garantiu a eleição de vereadores.
Vale frisar que, do ponto de vista da fragmentação partidária, o Número Efetivo de Partidos (NEP) parlamentar ficou em 8,7, o que representa um quadro moderadamente fragmentado. No tocante à competição política, o Número Efetivo de Partidos (NEP) eleitoral foi de 14,6. A princípio, observamos que o alto índice do NEP eleitoral pode ser explicado pela elevada oferta de legendas partidárias no mercado eleitoral, principalmente, partidos competitivos no plano local. Entretanto, há necessidade de uma análise mais aprofundada sobre o tema.
Breves considerações finais
Como assinalado anteriormente, por diversas razões, trata-se de uma eleição histórica em Porto Velho. Principalmente pela virada nas urnas no segundo turno, na qual o candidato vitorioso, um reconhecido ‘puxador de votos’, conseguiu superar uma diferença de quase 20% de votos em relação ao primeiro turno da disputa. Outro ponto, diz respeito ao quadro conservador, acompanhado pelo antipetismo ferrenho que se recusa a arrefecer. Vale recordar que a última vez que o PT, maior partido do campo progressista, elegeu um vereador na CMPV foi na eleição de 2012. Não obstante, o grupo da direita radicalizada, favorito em todos os cenários durante o período eleitoral, acabou sendo derrotado pelo voto de um eleitor mediano que rejeitou o radicalismo no segundo turno e optou pelo conservadorismo moderado.
Ademais, o fracasso eleitoral da ampla aliança política que representou o bolsonarismo na eleição de Porto Velho, pode acelerar a desagregação do grupo com vistas à disputa estadual de 2026. Se eram grandes as possibilidades dessa elite bolsonarista não chegar unida à proxima eleição estadual, com a derrota à prefeitura da capital isso se tornou iminente. Embora bem avaliado pela população, o atual prefeito Hildon Chaves (PSDB), que se colocava como um possível candidato ao governo estadual, deve repensar seus planos políticos, tendo em vista sair enfraquecido das urnas com a derrota de sua candidata.
Sobre a construção da governabilidade no plano municipal, em se tratanto de um político habilidoso, moderado e experiente, embora jovem, aliado ao fato de que a mediana ideológica da nova composição da CMPV é conservadora, o novo prefeito de Porto Velho, Léo Moraes (PODE), muito possivelmente logrará êxito na formação de sua coalizão governista. Resta saber como se comportará a oposição, já que o grupo derrotado nas urnas, pelo menos essa afirmativa esteve no discurso pós-eleição da candidata derrotada, assegurou que desempenhará atento o seu papel de oposição, como uma ‘fiscal’, durante o mandato do Podemos à frente de Porto Velho. Seguramente, retornaremos ao tema em uma próxima oportunidade.
Agradecimentos: Iniciativa Amazônia+10
Referências
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