Arleth Santos Borges, Marcelo Fontenelle e Silva, Andressa Brito Vieira e Soraia Weba Santos
O Maranhão tem sido destaque na política nacional pela presumida grande força eleitoral da esquerda, objetivada em duas eleições consecutivas de um governador filiado a um partido comunista, interrompendo longo ciclo de domínio de um dos mais longevos grupos oligárquicos do país, capitaneado pela família Sarney. Este Boletim traz subsídios para esta reflexão naquilo que concerne às dinâmicas político-eleitorais estaduais recentes (2002-2018), destacando agentes individuais e coletivos (partidos) presentes nas disputas e o perfil ideológico dos partidos.
Em 2018, ano das últimas eleições estaduais e federais, o Maranhão tinha população estimada em 6.999.615 pessoas, majoritariamente concentradas em áreas urbanas (66%), com distribuição equilibrada entre homens e mulheres (49% e 51%), sendo a maioria de autodeclarados pardos (69%), 18% brancos, 12% pretos, e 1,5% amarelos. Um estado onde o crescimento da economia nas últimas três décadas (PIB, PIB Per capita, Coeficiente de Gini, e mesmo o IDH, que passou de 0,47 em 2000 para 0,63 em 2010), a realidade da maioria das pessoas permanece sendo de muita pobreza, como se vê nos indicadores sociais e na renda per capita domiciliar mensal, que mesmo tendo crescido, é de R$ 605,00, a mais baixa entre os estados brasileiros[1].
Em relação ao eleitorado, o Maranhão conta com 4.549.506 eleitores, sendo 52,5% mulheres e 47,5% homens; 61% tem no máximo 44 anos, e 43% têm baixa ou nenhuma escolaridade – 7,9% são analfabetos, 22,08% têm ensino fundamental incompleto, 5,8% ensino fundamental completo e 13,06% leem e escrevem; na outra ponta, apenas 6,1% têm escolaridade superior completa. Esses eleitores se distribuem pelos 217 municípios do estado concentrando-se majoritariamente nas 193 cidades de até 30 mil eleitores; a segunda maior parcela se distribui nos 13 municípios que têm eleitorado superior a 50 mil e concentram 35% dos votos, quase a metade destes na capital, São Luís[2].
É nítida a força eleitoral das pequenas cidades, onde estudos tanto antropológicos como da ciência política identificam maior intensidade de adesões e lealdades de caráter pessoal, ainda que não excluam comportamentos eleitorais baseados em partidarismos e ideologia. Em relação aos partidos políticos, é grande e variado o número dos que se apresentam às disputas no Maranhão. Partidos cujas identidades se definem, entre outros fatores, pelo componente ideológico – esquerda, direita e centro, conforme classificação de Cesar Zuco Jr, que também indica que estas posições não são fixas, mas variam no tempo e nas percepções e autopercepções, ocorrendo mudanças e até “saltos” de alguns partidos no continuum ideológico, mas, em geral, prevalece a estabilidade[3].
Eleições para o Governo Estadual
Considerando o primeiro turno das eleições, quando as especificidades das candidaturas se apresentam de modo mais nítido e os eleitores tendem a escolhas mais ideológicas que estratégicas, o Quadro 1 traz os resultados das disputas para o executivo.
Quadro 1 – Eleitos para o Governo Estadual no Maranhão (1º turno)
(Fonte: Dados do TSE)
Ano |
Governador/a Eleito/a |
% Votos |
Partido |
Ideologia |
Partidos Coligados |
2002 |
José Reinaldo Tavares |
51,0 |
PFL |
Direita |
PFL / PST / PSDC / PSC / PMDB / PSD / PV |
2006 |
Jackson Lago |
34,3 |
PDT |
Esquerda |
PDT / PPS / PAN |
2010 |
Roseana Sarney |
50,08 |
PMDB |
Centro |
PMDB /PRB / PP / PT / PTB / PSL / PTN / PSC / PR / DEM / PRTB / PMN /PV / PRP / PTdoB |
2014 |
Flávio Dino |
63,52 |
PCdoB |
Esquerda |
PCdoB / PP / SD / PROS / PSDB / PSB / PDT / PTC / PPS |
2018 |
Flávio Dino |
59,29 |
PCdoB |
Esquerda |
PCdoB / PDT / PRB / PPS / PTB / DEM / PP / PR / PTC / PPL/ PROS / AVANTE / PEN / PT / PSB / SD |
Entre 2002 e 2018, foram eleitos quatro governadores (um deles duas vezes) sendo quatro mandatos exercidos por homens e apenas um por uma mulher, Roseana Sarney, eleita em 2010 para seu terceiro mandato. Dos eleitos, três são de partidos de esquerda (PCdoB e PDT), um é de centro (PMDB) e outro de direita (PFL). A dinâmica dessas disputas no plano ideológico nesse período (Apêndice 1) é marcada pelo apoio a partidos de esquerda (PCdoB e PDT), em patamares que vão de 40 a 60% dos votos, com ligeira queda no último pleito; no mesmo compasso, tem-se o enfraquecimento da direita (PFL), ultrapassada, primeiro por um partido de centro (MDB) e depois, por reiterada vitória da esquerda (PCdoB).
Por outro lado, mesmo admitindo a validade da classificação ideológica dos partidos, impõe-se cautela na interpretação dessa força da esquerda na política maranhense tendo em vista que: as fronteiras ideológicos raramente se apresentaram como limites intransponíveis para os agentes políticos, sobretudo os da direita, ocorrendo, inclusive de um mesmo grupo político controlar vários partidos, de orientação ideológica presumidamente diferentes; fatores não ideológicos, como regras institucionais, caso da verticalização das alianças, em 2006, conflitos pessoais, como os que provocaram um racha no grupo Sarney, em 2004, e o governismo ocasionam mudanças partidárias alheias a afinidades ideológicas, as quais também se mostram frágeis nas coligações muito amplas que vêm sendo montadas em torno de chapas majoritárias.
Ademais, os êxitos eleitorais da esquerda no Maranhão em 2014 e 2018 são tributários do fortalecimento desse campo no plano nacional, com as sucessivas vitórias do PT nas disputas para presidência da República até 2014, sendo o Nordeste, e o Maranhão em particular, uma grande fonte de votos para o PT em 2010, 2014 e até em 2018, quando a direita foi vitoriosa no plano nacional. Isso ajuda a explicar, inclusive, a vitória de Roseana Sarney, em 2010, sendo candidata de um partido de centro, mas em uma coligação que incluía o PT e tendo explícito apoio do próprio Lula. Em 2014 e 2018, o PCdoB elegeu e reelegeu Flávio Dino governador, também apoiado por ampla coligação, e assim, um partido comunista, que nunca elegera sequer um vereador, se torna expressiva força política no estado, elegendo governador, deputados, prefeitos e vereadores, muitos deles recém desembarcados de partidos de direita.
Eleições para a Assembleia Legislativa
A Assembleia Legislativa do Maranhão (ALEMA) possui 42 vagas. Entre 2002 e 2018 foram ocupadas por parlamentares de 29 partidos. Considerando apenas resultados eleitorais, ou seja, sem contabilizar eventuais trocas de partidos ou posse de suplentes, foram, em média, 17 partidos por legislatura, sendo bem menor, porém, o número dos que mantiveram uma presença continuada e significativa, alcançando pelo menos um décimo da composição total (quatro eleitos), que é o mínimo estabelecido pelo Regimento da ALEMA para que um partido possa ter, por exemplo, líder de bancada. PDT, PFL/DEM atingiram esse patamar em quatro dos cinco pleitos; PMDB, três, e PV, dois. Há elevada volatilidade eleitoral, expressa na variedade de siglas entre uma eleição e outra e nas disparidades de desempenho dos partidos no conjunto dos pleitos, caso do PFL/DEM e PSB, PSDB, mas, sobretudo do PSD. O PCdoB, por exemplo, não elegeu parlamentares nos pleitos de 2002 e 2006, mas elegeu 6 parlamentares em 2018. Já o PFL/DEM, elegeu 14 parlamentares em 2002, 02 em 2014 e 05 em 2018.
Em relação à ideologia, a dinâmica das disputas partidárias entre direita, esquerda e centro, apontam tendências distintas das verificada nas disputas para o Executivo, pois os partidos de direita têm ligeira vantagem sobre a esquerda (Apêndice 1). Também se destaca a presença constante e significativa de partidos de centro, perceptível no montante de votos obtidos no período e potencialidade de definir o campo majoritário, a depender do seu deslocamento para a direta ou para a esquerda.
Eleições para deputado Federal
A bancada do Maranhão na Câmara dos Deputados no período 2002 – 2018 é constituída por 18 representantes. Vinte e cinco partidos estiveram presentes nessas bancadas, repetindo-se aqui o padrão identificado nas eleições para o legislativo estadual: muitos partidos com assento e um número bem menor daqueles que conseguem manter uma presença significativa, basicamente o PMDB, PDT, PSDB e PFL/DEM.
Em relação à ideologia, as bancadas maranhenses no período têm o pleito de 2006 como um momento de inflexão em que a esquerda cai e a direita sobe, alcançando ambas um equilíbrio em 2010, quando são suplantadas pelo Centro, que nos pleitos seguintes cai no mesmo diapasão em que esquerda e sobretudo a direita sobem (Apêndice 1).
Eleições para o Senado
As oito vagas maranhenses para o Senado no período de 2002 a 2018 foram ocupadas conforme indicado no Quadro 2, por seis diferentes partidos.
Quadro 2 – Eleições para o Senado no Maranhão (2002 – 2018)
(Fonte: Dados do TSE)
Eleições |
Eleito/a |
Partido |
Ideologia Partidária |
2002 |
Roseana Sarney |
PFL |
Direita |
Edison Lobão |
PFL |
Direita | |
2006 |
Epitácio Cafeteira |
PTB |
Direita |
2010 |
Edison Lobão |
PMDB |
Centro |
João Alberto |
PMDB |
Centro | |
2014 |
Roberto Rocha |
PSDB |
Centro |
2018 |
Weverton Rocha |
PDT |
Esquerda |
Eliziane Melo |
PPS |
Esquerda |
No plano ideológico, predominam partidos de centro e direita em uma dinâmica que evolui no sentido do declínio da direita e ascensão da esquerda. Mas isso deve ser matizado e a título de exemplo, cita-se que o eleito em 2014, por um partido de centro (PSDB), atua em estreito alinhamento à política de extrema direita de Jair Bolsonaro.
Eleições para Presidência da República no Maranhão
Nestas eleições, a esquerda é a força majoritária entre 2002-2018, com ligeira queda no último pleito. Isto decorre de fatores locais e conjunturais, mas também da ascensão nacional do PT e de Lula, cujas políticas sociais continuadas em longo tempo e com forte incidência no Maranhão reiteram o que André Singer[4] denominou como realinhamento espacial das preferências partidárias, com o PT deslocando sua força eleitoral para as regiões mais pobres, Norte e Nordeste, principais beneficiárias dessas políticas. No Maranhão, porém, não foi o PT que protagonizou esse crescimento: o PDT colheu em 2006 os frutos de um longo trabalho de construção partidária e, em 2010, a força do PT se expressou, mas de forma indireta e inusitada, com o partido e o próprio Lula se alinhando à candidatura de Roseana Sarney (MDB), contra Flávio Dino (PCdoB).
Considerações finais: esquerda e direita e oligarquia na política maranhense
Considerando os eleitos e a distribuição dos votos no período analisado, os dados confirmam a esquerda como força dominante nas disputas para os cargos majoritários, superando os partidos que foram basilares no domínio da família Sarney – PFL/DEM e PMDB/MDB. Estas agremiações também já não são tão fortes nas disputas proporcionais, sendo suplantados, porém, não pela esquerda, mas outros partidos de direita, que têm predominado nas casas legislativas.
Dos muitos partidos presentes nas eleições maranhenses, poucos se mantiveram competitivos ao longo do tempo, como PDT, PV e PSDB o PFL/DEM, PMDB com um detalhe revelador: o PV, classificado como esquerda, há muito tempo alberga e é controlado por políticos da família Sarney, tradicionalmente identificada como oligárquica (debate que excede o escopo deste boletim) e alinhada a partidos de direita. A família e seu grupo foram derrotados em 2014 e 2018, se retira do primeiro plano da cena política, mas permanece como importante player na política local, pois seu longo período de domínio lhe permitiu, entre tantos outros recursos, construir bases à direita ao tempo em que se metamorfoseava em composições com a esquerda (PCdoB, PDT e PT) esquivando-se, cada vez mais, da identidade oligárquica que nunca assumiu, mas que sempre lhe foi associada.
Estas circunstâncias evidenciam a complexidade da distinção ideológica, daí, admitir a validade dessa categoria na análise dos partidos e comportamento parlamentar, não significa isentá-la de problematizações; ao contrário disso, impõe-se reconhecer que as fronteiras ideológicas têm se mostrado porosas e frequentemente atropeladas por fatores como: o controle de vários partidos por um mesmo agente político, independentemente da ideologia; as trocas de partidos, que nem sempre ocorrem dentro de um mesmo campo ideológico; o governismo e, sobretudo, as alianças eleitorais e governamentais muito amplas e supra ideológicas.
Da parte do eleitor, mas no mesmo diapasão, o voto não prima pela correspondência ideológica, como se vê no desalinhamento entre eleições majoritárias e proporcionais. Tudo isto sugere que a tendência esquerdizante na política maranhense, notadamente no executivo requer análise mais detida, pois a despeito das possibilidades de mudanças inscritas nas alternâncias de partidos e ideologias, esta condição pode não ser suficiente se as bases que sustentam tais mudanças são praticamente as mesmas de quando eram outros os partidos, as ideologias e os governantes.
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IBGE. Cidades e Estados. Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ma.html.. ↑
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TSE. Dados disponíveis em: < https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/quantitativo-do-eleitorado> e https://dadosabertos.tse.jus.br/ ↑
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ZUCCO JR., C. (orgs.). Esquerda, direita e Governo: a ideologia dos partidos políticos brasileiros in POWER, T. J. e ZUCCO JR., C. (orgs.). O Congresso por ele mesmo: Autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. ↑
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SINGER, A. André. Os Sentidos do Lulismo – reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.