Disputas eleitorais e pauta ambiental em São Luís/MA: surpresas e continuidades

Antonio Marcos Pereira / Arleth Santos Borges / Marcelo Fontenelle Silva / Soraia França Weba

Em 2020, em meio à pandemia da Covid-19, a capital maranhense teve 10 candidatos que concorreram às eleições para assumir o poder executivo do municipal. O segundo turno foi disputado por Eduardo Braide (Podemos), e Duarte Junior (Republicanos), e foi concluído com a vitória de Braide, com 55,53% dos votos válidos, enquanto Duarte recebeu 44,47%. Estávamos em meio ao segundo mandato do então governador Flávio Dino (então no PCdoB, hoje ministro do STF) que, apesar de gozar de altíssima popularidade, não conseguiu fazer com que seu candidato no segundo turno, Duarte Junior, vencesse as eleições.

A disputa em 2024 acontece, mais uma vez, com Duarte e Braide como os dois principais concorrentes, mas com uma dinâmica bastante distinta e ambos em partidos diferentes daqueles de 2020. Flávio Dino, que era uma peça central do quebra-cabeça da disputa estadual, deixou a política eleitoral para assumir uma vaga de ministro do STF, mas conseguiu eleger o vice-governador, Carlos Brandão (PSB), como seu sucessor e indicou Duarte para a disputa ludovicense de 2024, o qual segue apoiado pelo governador e por ampla frente partidária de sustentação aos governos de Dino e Brandão. Mais uma vez sem o apoio de destacadas lideranças políticas, Eduardo Braide, ex-deputado federal e atual prefeito, se coloca na disputa, mas com as vantagens de quem busca a reeleição no exercício do cargo. Paralelamente, há 31 cadeiras do legislativo municipal em disputa por 500 candidatos e uma ambiência marcada por um processo de lutas por recomposição das forças políticas estaduais, tendo em vista a exaustão e retirada de cena do grupo Sarney desde 2014 e o afastamento de Flávio Dino da atividade política.

AS CANDIDATURAS EM DISPUTA EM 2024

Em 2024, oito candidatos disputam a eleição para a prefeitura da capital do Maranhão, a cidade de São Luís. Tendo em vista os marcadores sociodemográficos mais destacados, constata-se que todos têm ensino superior; três se autodeclararam de cor/raça parda, três branca e dois preta; sete são homens e apenas uma é mulher, situação que muda bastante quando observadas as candidaturas a vice – das 8 candidaturas, 5 são de mulheres.

Os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas são Eduardo Braide (PSD), advogado que concorre à reeleição com o apoio do Republicanos e MDB, e o deputado federal Duarte Júnior (PSB), advogado e deputado federal que concorre coligado a duas federações (Brasil da Esperança, com PT/PCdoB/PV e Federação PSDB/CIDADANIA), além do AVANTE, PRD, PODEMOS, PP, UNIÃO BRASIL, PL e o próprio PSB.

Concorrem ainda outros seis candidatos: o empresário Fábio Câmara (PDT); a advogada Flávia Alves (Solidariedade); o professor universitário Franklin Douglas (PSOL), pela Federação PSOL/REDE; o servidor público federal Saulo Arcangeli (PSTU); o empresário e deputado estadual Wellington do Curso (NOVO), e o médico e deputado estadual Yglesio Moisés (PRTB).

Dos oito candidatos, quatro disputaram este mesmo cargo no pleito anterior (2020): Yglesio (PROS), Braide (Podemos), Duarte (Republicanos) e Franklin (PSOL), sendo que o segundo turno foi disputado pelos dois principais competidores do atual pleito. Naquela oportunidade, Braide venceu com 55,5% dos votos contra 45% de Duarte.

Os contrastes entre as duas candidaturas são notáveis, a começar pelas coligações de cada candidato: enquanto Braide conta com três partidos de direita, de médio e pequeno porte, Duarte conta com doze partidos, incluindo os maiores, com orientações ideológicas as mais heterogêneas, que vão do PT ao PL. Além dos partidos, Duarte conta com o apoio do governador do estado, Carlos Brandão (PSB), da maioria de deputados estaduais e federais e dos vereadores de São Luís.

Os senadores do Maranhão, interessados nas disputas políticas de fundo e nos cenários para 2026, apoiam três candidaturas diferentes: Ana Paula (PDT) divulga fotos ao lado da cunhada Flávia Alves (SOLIDARIEDADE), mas seu colega de partido, Weverton Rocha apoia Fábio Câmara (PDT); já Eliziane Gama (PSD), recém-licenciada do Senado para assumir cargo no governo do Maranhão, apoia Duarte (PSB).

Em relação às pesquisas de intenção de voto, Braide vem sustentando larga vantagem, segundo os mais diversos institutos. Em levantamentos realizados ao longo do ano, o Instituto Datailha confirma esse ininterrupto favoritismo.

Gráfico: Pesquisas de Intenção de voto (estimulada) – Datailha[1]
Fonte: construído pelo LEGAL/MA, com base nas pesquisas divulgadas pelo Instituto DataIlha

Desde a pesquisa realizada em fins de janeiro, Braide desponta com quase o dobro das intenções de voto do seu principal concorrente. Também é digno de nota o fato de que nenhum dos demais candidatos conseguiu uma quantidade significativa de intenções de votos, nem mesmo Yglésio, que se apresenta como representante do bolsonarismo, exibindo vídeo em que recebe apoio do ex-presidente, mas até agora, o máximo que atingiu foi 2,5% das intenções de voto. Nesse levantamento, Braide obteve 49,8% e Duarte, 24,5%, enquanto 8,3% ainda não sabiam ou não responderam; 8,9 optaram por nenhum, branco ou nulo, e os demais candidatos somaram 8,5% das intenções de voto.

Registre-se, contudo, que nessa pesquisa Braide teve queda significativa (acima da margem de erro, de 3%) no apoio à sua reeleição, movimento que decorre do recente “escândalo do Clio vermelho”, uma denúncia de corrupção envolvendo o prefeito e que vem tendo insistente divulgação na mídia corporativa e redes sociais, inclusive com inserções em programas nacionais da rede Globo, além da intensa veiculação em programas locais. Este escândalo é relativo à descoberta e apreensão, em 30/07, de um veículo de propriedade de familiares de Braide, abandonado por um ex-assessor do prefeito com mais de um milhão de reais em dinheiro.

Sobre o porte das campanhas, dois aspectos chamam atenção: a distribuição do tempo no horário gratuito de propaganda eleitoral, veiculada entre 30 de agosto e 03 de outubro, e o montante doado pelos partidos a cada candidato. Para a propaganda eleitoral, Duarte dispõe de seis minutos e onze segundos, enquanto Braide tem muito menos tempo, apenas dois minutos e trinta segundos. Quanto ao financiamento recebido, Duarte declarou receita oriunda de fundos especiais (financiamento eleitoral) de R$ 2.500.000,00 e Braide recebeu R$ 2.800.00,00, números que sugerem diferença pouco significativa nesse quesito.

O cerne da disputa eleitoral entre Braide e Duarte tem girado, da parte do primeiro, em torno da sua gestão à frente da prefeitura, notadamente obras de pavimentação e urbanização, organização do trânsito, melhorias na saúde e saneamento das finanças municipais, comprovada, segundo o prefeito, pela não realização de empréstimos e por certificação do Tribunal de Contas do Estado. Da parte de Duarte, prevalece a ênfase ao seu perfil pessoal, mostrado como de um “vencedor”, que passou de vendedor a gestor bem-sucedido do PROCON/MA e deputado estadual e federal, com expressivas votações. Igual destaque é dado às denúncias de corrupção contra Braide e sua família, da precariedade dos serviços públicos municipais, sobretudo transporte e saúde, e de promessas da campanha de 2020 não cumpridas pelo prefeito.

PARTIDOS E IDEOLOGIA

A polarização ideológica não haverá de ser destaque nas campanhas dos principais competidores do pleito em São Luís. Mesmo no que concerne à polarização nacional (lulismo X bolsonarismo) Braide passa ao largo dessa questão, que poderia lhe indispor com o eleitorado de Lula na cidade (60,38% em 2022, contra 39,62% de Bolsonaro) e Duarte tem interesse ainda menor, afinal sua amplíssima frente de apoio reúne lulistas e bolsonaristas; ele aciona bastante a imagem e discursos de Lula na campanha, mas o faz enfatizando as possibilidades de parcerias entre governo municipal e federal. Registre-se que o descolamento das lógicas partidárias entre o nível federal e estadual não faz de São Luís uma excepcionalidade: segundo levantamento da Folha de São Paulo[2] registra coligações entre PT de Lula e o PL de Bolsonaro em 79 cidades de 16 estados, sendo que o Maranhão lidera esse ranking, com alianças em 22 municípios.

Yglésio, que se pretende herdeiro da extrema direita no estado, tem apostado nessa polarização, mas tudo o que conseguiu até agora foi 2,5% de intenções de voto e o apoio da deputada estadual e pastora evangélica da Assembleia de Deus, Mical Damasceno (PSD), entusiasta bolsonarista na política estadual e que, embora seja do mesmo partido de Eduardo Braide, apoia Yglésio, do PRTB.

As alianças formadas comprovam que a orientação ideológica dos partidos não é um divisor de águas relevante para os principais competidores, sendo comum que partidos não orientem sequer próprios filiados, como demonstrado no caso da deputada Mical, como também da senadora Elisiane Gama, igualmente do partido de Braide, mas apoiadora de Duarte, e da senadora Ana Flávia, do PDT e que apoia Flávia Alves (Solidariedade), casos envolvendo lideranças políticas que evidenciam fragilidades da unidade partidária.

As candidaturas de Franklin (PSOL) e Saulo (PSTU) têm cumprido um papel mais ideológico e programático, colocando em debate problemas da cidade, denunciando o descaso de gestores municipais e estaduais em relação aos mesmos. Também se dedicam, em especial Franklin, a mobilizar para a participação no plebiscito sobre gratuidade dos transportes coletivos para estudantes, que será realizado junto às eleições municipais por decisão da Câmara de Vereadores, tomada a partir de demanda representada pelo candidato Franklin (PSOL) através do vereador Sá Marques. As demais candidaturas, Fábio Câmara (PDT), Flávia Alves (Solidariedade) e Wellington (NOVO), plausivelmente, cumprem o papel de se projetarem na cena política e se apresentarem como agentes estratégicos em eventual segundo turno da disputa.

QUESTÃO AMBIENTAL E A DISPUTA ELEITORAL

Em termos ambientais, o Maranhão possui 79,3% de seu território inclusos na Amazônia Legal[3], sendo a capital, São Luís, um destes municípios[4] que, assim como as demais regiões do estado, sofre com fortes impactos ambientais em decorrência do modelo de desenvolvimento adotado. A poluição da capital tem sido alvo de estudos acadêmicos e de matérias jornalísticas que destacam os níveis emergenciais decorrentes da emissão de gases[5] e de audiência pública[6]. Em todas estas ocasiões, a preocupação com a poluição do ar ganhou destaque, devido aos impactos da Zona Industrial da ilha de São Luís, que conta com atividades extremamente poluentes, como o transporte de minério de ferro a partir da ferrovia e atividade portuária, a produção de alumínio e a queima de carvão mineral por usinas termoelétricas[7].

Ainda assim, a questão ambiental não costuma ser um elemento de destaque na disputa política para o executivo municipal, por mais que seja inegável a importância da prefeitura em ações centrais para o meio ambiente, como a coleta e destinação adequada de lixo, o saneamento básico e o zoneamento da cidade, endo em vista o plano diretor recém aprovado.

Os Planos de Governo dos dois principais concorrentes não ignoraram por completo a questão ambiental. O atual prefeito, Eduardo Braide, elencou 55 propostas prioritárias para a sua gestão. Oito delas têm a ver, direta ou indiretamente, com a questão ambiental, envolvendo: proteção animal; viabilização de transportes sustentáveis; implementação de iluminação pública com menor gasto energético, via LED. Especificamente sobre a questão ambiental, há 4 importantes propostas, com potencial de impacto significativo na vida da cidade, mas que carecem de maior detalhamento: a revisão da Lei de Zoneamento de São Luís, implantação do plano de arborização de São Luís, elaboração e implementação do plano de ação climática da cidade, e realização de novas obras de drenagem profunda, para acabar com alagamentos na cidade.

Por sua vez, o candidato Duarte Junior, traz um conjunto de 40 diretrizes de governo, das quais 09 estão ligadas, direta ou indiretamente, à questão ambiental: garantia de atendimento veterinário pela Prefeitura; incentivo à agricultura familiar e pesca artesanal; instalação de infraestrutura para carregamento de veículos elétricos e utilização de energias renováveis por edifícios públicos. As outras propostas possuem um maior potencial de impacto positivo, a depender de como forem formuladas e implementadas; trata-se do estabelecimento de sistema de coleta seletiva em todos os bairros; revisão do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do solo; investimento em tecnologia de análise e monitoramento ambiental, incluindo a reativação do comitê gestor de limpeza urbana; criação de planos específicos para cada tipo de emergência climática (chuvas, enchentes, secas, ondas de calor) e estabelecimento de ações conjuntas para implementação integrada dos planos de contingência.

HÁ MENOS DE UM MÊS DAS ELEIÇÕES

Até o momento, pode-se afirmar que o atual prefeito mantém seu favoritismo nas intenções de voto e, segundo dados da última pesquisa do Instituto Datailha, conta também com confortáveis níveis de aprovação a seu governo (70%) e rejeição relativamente baixa (8,9%), além das já citadas vantagens de ser incumbent. Estes dados, aliados à rejeição de seu principal concorrente, Duarte, que chega a 14,7%, estimulam a ideia do “já ganhou”, mas seria precipitado tomar o pleito como já decidido, dado que o candidato favorito acumulou desavenças significativas (em especial, na Câmara de Vereadores) e enfrenta um adversário com muitos poderes por ocupar a posição do grupo político que representa o stablishment da política estadual. Admitindo que partidos e vereadores têm especiais oportunidades de capilarizar bases de apoio nas diversas regiões da cidade, vale ter em mente que o PSB, partido de Duarte Jr, é o maior partido da Câmara de Vereadores, com 11 das 31 cadeiras, seguido do PSD, partido de Eduardo Braide, que possui apenas 4 cadeiras; o PSB está no comando do executivo estadual e é, também, o maior partido da Assembleia Legislativa, com 11 candidatos eleitos em 2022, seguido do PCdoB e PL, com 05 eleitos cada, enquanto o PSD elegeu apenas dois deputados estaduais. Tudo isto são fatores que podem dar impulso à candidatura de Braide, embora, como já mencionado, essas organizações não atuem completamente unificadas.

Quanto à pauta ambiental, percebe-se que os candidatos trouxeram uma quantidade significativa de propostas – algumas, apesar do caráter genérico, com potencial de forte impacto na vida da cidade. Porém, ainda é necessário saber qual a disponibilidade deles para investir esforços na real elaboração destas propostas e sua efetiva implementação. No caso do atual prefeito e favorito nas intenções de voto, cumpre notar que a Secretária municipal de meio ambiente teve pálida atuação, ilustrada, exemplificada com a não realização, em 2024, de uma única reunião do Conselho da Cidade[8], órgão encarregado de deliberar sobre diretrizes para a formulação e implementação da política de desenvolvimento urbano e rural da cidade, além da completa paralisia diante do alarmante quadro de poluição ambiental em São Luís.

Há menos de um mês das eleições, a pesquisa da Quaest, realizada entre 6 e 8 de setembro, confirma e aprofunda o favoritismo do candidato à reeleição, trazendo Braide com 60% das intenções de voto, contra 21% de Duarte[9]. Este resultado sugere que os impactos das denúncias de corrupção contra o prefeito foram assimilados sem maiores prejuízos, sendo comuns relatos que indicam uma ressignificação do caso por seus eleitores, que enxergam essas denúncias como uma “perseguição ao prefeito”, visto como realizador de importantes obras e de muitas para a população. Adicionalmente, a ausência de debates (recusados por Braide e Duarte), com as acareações e confrontos peculiares a estes eventos, concorrem para uma campanha morna, sem discussão da cidade e, até o momento, sem eventos capazes de modificar as posições estabelecidas desde o início da disputa.

A surpresa fica por conta da manutenção do favoritismo de Braide, indiferente aos muitos problemas que a cidade apresenta, à posição isolada do prefeito em relação a outros agentes da elite política local e ao fato de que, pelo menos até agora, as vantagens de Duarte relativamente à grande coligação partidária, apoios de poderosos e o triplo de tempo no horário eleitoral, pouco se converteram em apoios eleitorais.

Agradecimentos: Iniciativa Amazônia +10

Placa branca com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

  1. Tendo em vista a concentração da grande maioria dos votos nestes dois candidatos, desconsideramos as informações relativas aos demais candidatos.



  2. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/09/maranhao-e-lider-em-coligacoes-entre-pt-de-lula-e-pl-de-bolsonaro.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa



  3. Ver: https://boletimluanova.org/politica-e-meio-ambiente-no-maranhao/



  4. Classificação do IBGE, disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/geologia/15819-amazonia-legal.html



  5. https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2023/10/13/qualidade-do-ar-em-sao-luis-atinge-niveis-de-emergencia-por-causa-da-emissao-de-gases-poluentes.ghtml
    https://www.brasildefato.com.br/2021/01/25/estudo-alerta-para-poluicao-acima-do-limite-na-regiao-portuaria-de-sao-luis entre outros.



  6. https://www.mpma.mp.br/sao-luis-audiencia-apresenta-dados-sobre-poluicao-do-ar-na-capital/



  7. https://www.mpma.mp.br/sao-luis-audiencia-apresenta-dados-sobre-poluicao-do-ar-na-capital/



  8. Na página do Conselho, constam atas de duas reuniões, entretanto, ambas trazem a informação de que, por falta de quórun, as reuniões não aconteceram.



  9. https://g1.globo.com/ma/maranhao/eleicoes/2024/noticia/2024/09/09/quaest-braide-tem-60percent-e-duarte-tem-21percent-das-intencoes-de-voto-para-prefeitura-de-sao-luis.ghtml