Marilene Corrêa da Silva Freitas, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite e Simone Machado de Seixas
O propósito deste boletim é examinar os efeitos dos índices de volatilidade eleitoral, fragmentação partidária e fracionalização parlamentar no subsistema multipartidário amazonense ao longo da experiência democrática dos últimos vinte anos (2002-2018). Os índices aqui compilados e analisados foram extraídos dos resultados das eleições estaduais para a composição dos 24 assentos e da dinâmica do multipartidarismo na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). Os três índices, já consagrados na literatura de Ciência Política, permitem que possamos mensurar e analisar com clareza o desenvolvimento institucional tanto da política nacional quanto das unidades subnacionais.
Para fins práticos de orientação geral para a elaboração do boletim, adotamos o seguinte esquema de análise: 1) explicação teórico-conceitual dos índices de volatilidade eleitoral, fragmentação partidária e fracionalização parlamentar, e a sua proeminência para os estudos eleitorais, partidários e legislativos no contexto institucional das unidades subnacionais; 2) elaboração dos índices, descrição dos dados empíricos e analise à luz dos gráficos produzidos pela equipe local; 3) exame da história política estadual com destaque para os atores políticos fundamentais; as mudanças e continuidades dos partidos políticos, correlação de forças, alianças e deserções das principais lideranças; 4) prospecção do cenário para as eleições de 2022.
Por definição, volatilidade eleitoral mensura a variação de votos conquistados por um determinado partido político entre uma eleição e outra. Em outros termos, busca entender a dinâmica dos partidos ao longo de duas ou mais legislaturas. Nas palavras de Arquer (2014, fl. 2), “para calcular a volatilidade é preciso subtrair a porcentagem de votos obtidos por cada um dos partidos em duas eleições [legislativas] consecutivas. Em seguida, essa diferença é somada, desconsiderando o sinal, e dividida por dois. Assim, obtemos a variação de votos entre os partidos para cada par de eleições.”
Já o índice de fragmentação do sistema partidário mensura a força ponderada dos partidos políticos como um todo, ou seja, o cálculo da taxa de fragmentação indica o quantitativo de partidos que verdadeiramente contam. Logo, o Número Efetivo de Partidos (NEP) define o peso relativo dos partidos no processo decisório nas casas legislativas, na montagem dos governos e na governabilidade. Tecnicamente, de acordo com Laakso e Taagepera (1979), o NEP é estimado ao se dividir um (1) pelo somatório do quadrado das proporções de votos válidos ou assentos obtidos pelos partidos legislativos em uma determinada corrida eleitoral.
Por fim, utilizamos o índice de fracionalização parlamentar que mensura a magnitude da oferta de partidos em um sistema político-parlamentar. A inflação de partidos indica alta na fracionalização, que produz um multipartidarismo de elevado custo de transação. A proposta de Rea (1967) para o índice assume os seguintes contornos: o índice “é obtido a partir da subtração de hum (1) do somatório proporções de votos ou cargos obtidos pelos partidos políticos”.
Onde, v é a proporção de votos recebidos por um dado partido. O coeficiente de F é operacionalizado da seguinte forma: a quantidade de votos recebidos por um dado partido é elevado ao quadrado, de modo a obter o somatório de todos os partidos. O resultado do somatório é subtraído por hum (1). Segundo Rae (1967, p. 57), o índice é, portanto, “baseado na probabilidade de que dois eleitores escolhidos aleatoriamente tenham votado em partidos diferentes em uma dada eleição.”
A análise do índice de volatilidade eleitoral no Amazonas nas últimas quatro eleições para a formação do legislativo estadual evidenciou duas orientações. Em primeiro lugar, observamos uma taxa relativamente alta de volatilidade eleitoral – 64,54% – para o hiato eleitoral de 2002-2006. A eleição de 2002 mudou o perfil eleitoral e ideológico da política amazonense (e brasileira) com a eleição do governador Eduardo Braga (PPS) e a formação de um parlamento ideologicamente plural com quatro partidos de esquerda, dois de centro e seis de direita. Na eleição seguinte, a de 2006, manteve os mesmos números para os partidos de esquerda e direita, porém o centro partidário saltou de dois para seis. Logo, a variação na taxa de volatilidade eleitoral foi causada pela inclusividade dos partidos centristas na ALEAM. Pode-se dizer também que a volatilidade eleitoral desse período resultou no movimento para o centro dos partidos de direita ou no esvaziamento do campo de partidos políticos da direita
O processo eleitoral do biênio 2006-2010 foi marcado pela estabilidade ideológica. Uma explicação possível talvez seja o fato de Eduardo Braga (MDB) ter submetido o seu nome para uma reeleição segura, dado o elevado índice de aprovação de sua gestão. Assim, processos de deserção ou migração são igualmente mais contidos. Em reeleições certas – tudo o mais constante –, é possível, sim, identificar um viés de interação Executivo-Legislativo na coordenação estratégica do aparato político do Estado por meio da delegação de cargos do Executivo para os deputados.
A volatilidade do período 2010-2014, por sua vez, foi um importante ponto de inflexão se comparado com a série eleitoral do status quo ante. Afinal, mesmo no contexto de continuação do grupo político – Dilma Rousseff (PT) e Omar Aziz (PMN) foram apoiados por Luiz Inácio Lula da Silva e Eduardo Braga, respectivamente – houve uma expansão considerável dos partidos de oposição, notadamente mais conservadores, liberais e centristas, localizados à direita e à centro-direita do espectro ideológico. Dos dezesseis partidos vitoriosos nas eleições de 2010, dez são de direita, quatro de esquerda e dois de centro. A eleição seguinte, do mesmo modo, reservou pouco espaço representativo à mudança da escolha do eleitorado. Em vista disso, os centristas mantiveram seus assentos incólumes, a esquerda logrou mais uma vaga e a direita recuou duas casas, perdendo um par de assentos.
Gráfico 1 – Volatilidade eleitoral das eleições para a Câmara dos Deputados e a Assembleia Legislativa do Amazonas (2002-2018)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do repositório eleitoral do TSE
De certa maneira, o biênio 2014-2018 reequilibrou as forças dos principais polos em conflito. Esquerda conquista cinco cadeiras, ao passo que a direita ficou com sete; já o centro atingiu o total de sete. O reequilíbrio das forças assegura a existência de um sistema mais aberto à contestação e ao pluripartidarismo. No âmbito da política estadual, a instabilidade no período se deveu fundamentalmente às denúncias de corrupção contra José Melo de Oliveira (PROS), que resultaram na cassação de seu título de governador e a realização de uma eleição direta que elegeu Amazonino Mendes (PDT). Na eleição legislativa de 2018, a esquerda perde uma cadeira, a direita ganha mais duas.
Já a análise da fragmentação partidária explicita uma realidade patente: o irrefreável crescimento do Número Efetivo de Partidos- NEP ou NPE no multipartidarismo estadual. Os dados aqui examinados são conclusivos e categóricos quanto à expansão do NEP. Em resumo, o crescimento do NEP expande ainda mais o multipartidarismo na ALEAM. Em 2002, o número era de 12,03 e manteve-se estatisticamente equilibrado até 2010. A partir da eleição de 2014, o índice progrediu até chegar em 17,47 em 2018. Assim, é possível observar que houve um crescimento sustentado, constante e irrestrito do índice ao longo da série histórica aqui examinada a partir dos subsídios estatísticos do Gráfico 2.
Gráfico 2 – Fragmentação partidária da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do Amazonas (2002-2018)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do repositório eleitoral do TSE
O índice de fragmentação partidária consegue mensurar com objetividade a quantidade de partidos efetivos no jogo parlamenta. Afinal das contas, o NEP é um dado fundamental para se entender “quais” e “quantos” são os partidos verdadeiramente importantes na composição das forças políticas na interação entre Executivo e Legislativo. Em suma: quanto maior o índice NEP, maior é a quantidade de partidos relevantes no jogo parlamentar e, seguramente, maior é a fragmentação partidária. Considerando a experiência democrática de outros países, é perceptível como o Brasil se destaca de outras realidades legislativas em matéria de fragmentação partidária. Com o Congresso Nacional, iniciado na presente legislatura 2018-2022, o índice passou de treze partidos, da legislatura 2014-2018, para dezesseis, na presente. O índice da legislatura 2010-2014, para efeitos de ilustração, era de dez partidos efetivos. Países como Indonésia, Israel, Bélgica, Argentina (NPE=8); Marrocos (NPE=7); Libéria, Dinamarca, Colômbia, Finlândia (NPE=6); Ilhas Faroé, Quênia e Lituânia (NPE=5) acumulam igualmente índices modestos de fragmentação partidária.
Mas quais são as consequências objetivas de uma fragmentação elevada? Resposta: coalizões com elevados custos de transação na cooperação entre o governador e sua base parlamentar. Vale dizer, a base governista precisará ampliar seu arco de aliados, incorporando os partidos, com o objetivo claro de aprovar projetos e garantir a governabilidade. Isto quer dizer que quanto maior o índice de NEP ou NPE, maior será proporcionalmente o custo da governabilidade. Este é o cálculo político que sustenta o presidencialismo de coalizão quer no âmbito do governo federal quer nas unidades subnacionais.
Por fim, com a análise da fracionalização parlamentar é possível entender que os valores numéricos do índice apresentam uma escalada coesa e consistente na fragmentação do bloco parlamentar no nível estadual, mas que em nada se distancia da factualidade de outras unidades subnacionais. A dispersão parlamentar na ALEAM, de acordo com os números apurados pela pesquisa, mantém o valor mínimo em 2002 – 0,86 – e máximo em 2018 – 0,91 – da série. Ou seja, o índice conserva um valor contíguo ao longo do tempo. Pode-se dizer, portanto, que o índice preserva a constância elevada e padroniza no tempo o alinhamento multipartidário e uma identidade partidária no interior do Poder Legislativo estadual.
Gráfico 3 – Fracionalização parlamentar da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do Amazonas (2002-2018)
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do repositório eleitoral do TSE
À guisa de conclusão é possível perceber que a volatilidade eleitoral não respeita um padrão sequencial, uma vez que o índice partiu da alta para a baixa. Por isso, pode-se deduzir que os partidos, suas lideranças e seus principais candidatos são substituídos sucessivamente nos processos eleitorais. A aleatoriedade demonstra, outra vez mais, que os candidatos majoritários para o governo estadual são capazes de controlar ou promover mudanças profundas na composição dos partidos na ALEAM. A lógica da volatilidade no Amazonas aparenta ter uma oportuna abertura e preponderância ideológica, sobretudo para os partidos de centro-direita e direita. Em se tratando de fragmentação partidária, pudemos identificar o crescimento constante do NEP na série histórica em tela. Conforme já apontado na análise do texto, NEP elevado pode produzir dois efeitos práticos: por um lado, aumento dos custos de transação na interação Executivo-Legislativo; por outro, balcanização dos partidos e refreamento das identidades partidárias. E, por fim, a fracionalização parlamentar manteve uma média alta e relativamente agrupada, ou seja, o sistema manteve-se continuamente multipartidarizado. Quanto aos incontáveis incentivos à fracionalização parlamentar, podemos apontar desde a funcionalidade das regras eleitorais – representação proporcional com lista aberta, financiamento de campanha ou coligações – até o efetivo controle de agenda dos governadores vitoriosos sobre os deputados, a base aliada, as bancadas e as comissões. Em suma, pode-se dizer que o sistema político amazonense caracteriza-se por ter um multipartidarismo assimétrico, o qual é marcado pela elevada rotatividade dos partidos nas eleições, pela crescente fragmentação dos programas e identidades partidárias e, ainda, pela dispersão parlamentar alta e constante ao longo da série histórica.
Análise prospectiva
2018 foi um ano eleitoral disruptivo. As eleições do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do governador Wilson Lima (PSC) alteraram profundamente a correlação de forças nos seus respectivos distritos. Se Bolsonaro conseguiu romper a polarização histórica entre PT e PSDB, Wilson Lima igualmente consegue superar o pacto da elite estadual que remonta à década de 1950. Plínio Coelho, Gilberto Mestrinho, Amazonino Mendes, Eduardo Braga, Omar Aziz e José Melo são de uma linhagem política comum que, ao longo das décadas, mantêm uma estratégica comum de recrutamento, socialização e sucessão do controle político do Estado. A natureza disruptiva, contudo, pode não se manter em 2022, pois tanto Lula quanto Amazonino apresentam-se como candidatos bastante competitivos. Ou seja, a conjuntura eleitoral de 2018 pode não se repetir em 2022, de acordo com pesquisas de opinião recentes. Outro aspecto importante diz respeito às alianças possíveis entre bolsonarismo, petismo, cirismo e Terceira Via vis-à-vis o posicionamento estratégico das lideranças e dos partidos políticos no Amazonas. Exceto Ciro Gomes que já constituiu o seu palanque no Amazonas, todas as outras candidaturas ainda estão em intensa negociação.
Referências
LAAKSO, Markku; TAAGEPERA, Rein. The “effective” number of political parties: a measure with application to West Europa. Comparative Political Studies, v. 12, n. 1, p. 3-27, 1979.
PEDERSEN, Mogens. Changing patterns of electoral volatility in european party systems, 1948-1977: explorations in explanation. In: DAALDER, H.; MAIR, Peter. Western european party systems: continuity and change. Beverly Hills: Sage, 1983.