João Paulo S. L Viana; Patrícia M. C. de Vasconcellos; Melissa V. Curi; Roberta Mendonça De Carvalho; Gabriel Ximenes da Rocha Souza
1. Introdução
A eleição de 2024 para a prefeitura de Porto Velho tem se caracterizado, fundamentalmente, pelo predomínio de candidaturas conservadoras sob forte influência evangélica e um notório distanciamento das pautas ambientais. No contexto de uma grave crise ambiental vivida pela cidade e o estado de Rondônia desde o início de agosto, impressiona a forma como a temática do meio ambiente tem sido tratada. Apenas um candidato tem abordado o assunto frequentemente no HGPE. Entre os principais nomes, a questão é ainda mais negligenciada: nenhuma das três candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas tem mostrado real interesse no assunto.
O presente boletim tem como objetivo apresentar um panorama da eleição à prefeitura na capital rondoniense e as perspectivas para a questão ambiental na cidade. Inicialmente, a análise aborda a dinâmica da competição política com as principais candidaturas, partidos e coligações. Posteriormente, o foco é a pauta do meio ambiente no programa de governo dos candidatos. Por último, traçamos um balanço da campanha nessa reta final, com ênfase na relação entre a política e a temática ambiental em Porto Velho.
2. A conjuntura eleitoral em Porto Velho
Porto Velho pode ser considerada a capital do estado brasileiro de maior adesão ao bolsonarismo e à direita radicalizada. Ainda que historicamente, quando comparado com o interior rondoniense, especialmente, a parte leste da BR-364, a cidade tenha uma trajetória eleitoral mais aberta ao campo progressista, seguramente, nos dias atuais, a capital de Rondônia também se constitui como um dos maiores redutos da nova direita brasileira. Governada há quase oito anos por Hildon Chaves (PSDB), ex-promotor de Justiça e empresário do ramo educacional, eleito em 2016 como um outsider em meio à onda antipolítica que varreu o país em importantes capitais, Chaves finaliza seu segundo mandato com uma taxa superior a 80% de aprovação popular.
Embora avanços tenham ocorrido durante a gestão do tucano, principalmente em relação às questões de infraestrutura, a cidade segue como a pior capital do país em qualidade de vida. Esse dado baseia-se no ranking do Índice de Desafios da Gestão Municipal (IDGM, 2021) das capitais brasileiras, que leva em consideração quatro áreas essenciais para a qualidade de vida da população: educação, saúde, segurança e saneamento/sustentabilidade. Conforme dados do Instituto Trata Brasil, divulgados em abril de 2024, menos da metade da população de Porto Velho possui acesso à água potável (41,8%), apenas 9,9% tem coleta de esgoto, e a cidade trata somente 1,7% do esgoto gerado.
Além disso, desde o mês de agosto a capital rondoniense enfrenta uma crise ambiental aguda com milhares de focos de incêndio. Durante dois meses a população portovelhense conviveu com uma das piores qualidades do ar no mundo. No contexto de uma cidade detentora de títulos indesejáveis, é possível ter uma ideia dos principais desafios do próximo prefeito da capital rondoniense.
Na disputa ao prédio do relógio, sede da prefeitura, sete nomes concorrem ao cargo. Conforme dados da segunda pesquisa Quaest divulgada em 17 de setembro, a ex-deputada federal Mariana Carvalho (União Brasil) continua isolada com 56% das intenções de votos. Em segundo lugar, após queda substancial em relação à pesquisa de agosto, aparece o ex-deputado federal Léo Moraes (Podemos) com 11%, seguido pela juíza aposentada Euma Tourinho (MDB), que cresceu e atingiu 10%, empatada tecnicamente com o segundo lugar. O candidato da frente de esquerda, o advogado pedetista Célio Lopes ocupa a quarta colocação, com 6% das intenções de votos. Samuel Costa (REDE) com 1% aparece empatado com Benedito Alves (Solidariedade) e Ricardo Frota (NOVO) ambos também com 1%.
De fato, é inconteste o favoritismo de Mariana Carvalho (União). A candidata do União Brasil construiu um amplo leque de alianças, com um total de 12 partidos, e conta com o apoio do governador, Cel. Marcos Rocha (União Brasil), do senador Marcos Rogério (PL), do prefeito Hildon Chaves (PSDB), de lideranças da bancada federal, da assembleia legislativa e praticamente a totalidade dos 21 vereadores. Além de uma campanha com muitos recursos financeiros e tempo de rádio e TV bem superior aos demais candidatos. Inclusive, na última quinta-feira, dia 26 de setembro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve em Porto Velho para um grande evento de apoio à candidatura de Mariana. Certamente, podemos afirmar que são iminentes as possibilidades de a eleição ser decidida já em 06 de outubro.
Não obstante, há duas candidaturas que podem evitar a vitória de Mariana ainda no primeiro turno. Restando cerca de uma semana de campanha, o ex-deputado federal Léo Moraes (Podemos) é um ator de relevância na política rondoniense. Político experiente e puxador de votos reconhecido, Moraes foi eleito o parlamentar federal mais votado do estado em 2018. Embora em queda nas pesquisas, ainda pode surpreender na reta final da campanha, especialmente, a partir dos debates eleitorais que se iniciaram, apenas, no sábado, dia 28 de setembro.
A juíza aposentada Euma Tourinho (MDB) é outro nome com chances na disputa. De família tradicional da capital, Tourinho sabe que o atual governador do estado e o prefeito de Porto Velho chegaram às urnas como ilustres desconhecidos da grande parcela do eleitorado. Ainda que a conjuntura não seja a mesma de 2016 e 2018, quando outsiders alcançaram o poder em vários lugares do país, a dinâmica da política brasileira nos últimos anos tem mostrado que conjunturas podem mudar rapidamente. Como exposto acima, a candidata apresenta atualmente tendência de crescimento, porém não sabemos a intensidade dessa trajetória crescente da campanha da emedebista. Todavia, qualquer possibilidade de segundo turno passa por um bom desempenho de Léo Moraes e Euma Tourinho.
Nome do PDT avalizado pelo ex-senador Acir Gurgacz na disputa, o jovem advogado Célio Lopes ganhou o apoio da federação de PT-PV-PC do B, mas até agora não se apresentou como a candidatura de Lula na disputa, embora seja o candidato da frente de partidos de esquerda e centro-esquerda. Esse fato tem incomodado setores do PT que abriram mão de candidatura própria. Assim, é notória a possibilidade de parte considerável do eleitorado petista abandonar a candidatura de Lopes.
Cumpre mencionar que, sob muito fogo e fumaça das queimadas a campanha em Porto Velho se iniciou trazendo consigo um elemento já observado em disputas anteriores, porém, de difícil compreensão no momento atual: o meio ambiente como antipauta. No primeiro dia de HGPE, por exemplo, no auge dos incêndios na cidade, apenas o candidato da REDE, Samuel Costa, abordou a questão ambiental.
Na seção seguinte analisaremos o tema do meio ambiente no programa de governo dos candidatos à prefeitura de Porto Velho, com base em matéria publicada pelo Nexo Jornal, de autoria da jornalista Mariana Vick, que teve como entrevistado o Prof. João Paulo Viana, coordenador estadual do LEGAL-RO. O especial do Nexo sobre a questão climática como antipauta na eleição portovelhense abordou recente pesquisa de autoria de Viana e da Profa. Patrícia Vasconcellos, também integrante da equipe do LEGAL-RO. A ordem de apresentação dos resumos das plataformas ambientais de campanha leva em consideração a posição dos candidatos na segunda pesquisa Quaest.
3. O tema do meio ambiente nos programas dos candidatos a prefeito em PVH
Mariana Carvalho (União Brasil)
A candidata do União Brasil propõe “somar esforços” no combate às queimadas urbanas e ao desmatamento ilegal em Porto Velho, “protegendo as áreas de preservação permanente e unidades de conservação ambiental”. Também fala em recuperar áreas degradadas, com destaque para nascentes, margens e leitos dos rios e igarapés. Não cita, no entanto, a mudança climática, suas causas e relações com os problemas ambientais da cidade.
Léo Moraes (Podemos)
O candidato do Podemos não fala nas queimadas, na seca ou na mudança climática em seu programa de governo, apesar de dizer que Porto Velho tem um “compromisso com o planeta” por estar na Amazônia. O texto lista diferentes propostas na área ambiental, como incentivos à conservação ambiental, investimentos em energia renovável e limpeza de igarapés e córregos. Fala também em promover a participação da cidade em programas de crédito de carbono.
Juíza Euma Tourinho (MDB)
A candidata do MDB também não fala nas queimadas, na seca ou na mudança climática em seu programa de governo. Propõe, por outro lado, ações como a implementação de parques e áreas verdes em lugares sujeitos à poluição do ar e às ilhas de calor e a adoção de “medidas racionais para a redução de emissões de gases poluentes”. Foca também em áreas como saneamento e reciclagem.
Célio Lopes (PDT)
O candidato do PDT cita em seu plano de governo problemas como o desmatamento, as queimadas, o assoreamento de rios e os eventos climáticos extremos. O texto fala, por exemplo, em investimentos em energia renovável e na criação de um plano de mitigação de riscos de enchentes e deslizamentos, “com mapeamento de áreas vulneráveis e ações preventivas”. Não há propostas específicas para as queimadas, embora o programa as aponte como um desafio.
Samuel Costa (REDE)
O candidato da Rede faz diversas menções à mudança climática. Propõe, por exemplo, “promover medidas” de prevenção, mitigação e adaptação, atingir “níveis sustentáveis” de gases de efeito estufa e integrar a política de proteção climática às áreas de energia, transporte, resíduos, agricultura e florestas. Fala pouco, no entanto, no problema específico das queimadas.
Ricardo Frota (Novo)
O candidato do Novo não fala nas queimadas ou na seca em seu programa de governo. Dá pouco espaço à mudança climática — apenas numa proposta de “dar suporte para a Defesa Civil para ampliar a sua capacidade de previsão de eventos climáticos, aperfeiçoando o sistema de alerta”. Propõe o uso de energia solar na prefeitura, ações para tratamento de resíduos sólidos, a “modernização das leis municipais” e a simplificação de atividades de licenciamento.
Dr. Benedito Alves (Solidariedade)
O candidato do Solidariedade dedica pouco espaço ao meio ambiente e não cita as queimadas, a seca ou a mudança climática, a não ser num momento em que fala em “reprimir a criminalidade” nas “questões climáticas e sociais”. Propõe recuperar nascentes, combater a poluição do ar e promover a arborização, sem dar detalhes. Também diz querer implementar um projeto urbanístico na orla do Madeira, com parques, ciclovias e outros equipamentos públicos.
4. Balanço em forma de conclusão
Embora a conjuntura eleitoral seja favorável à grande coligação formada por partidos de centro-direita, direita e direita radical, construída em torno da campanha de Mariana Carvalho (União), constituindo um arco de alianças em torno do bolsonarismo, ainda não podemos afirmar que a eleição será decidida em primeiro turno. Na reta final da disputa, o cenário está em aberto com chances ainda de um segundo turno entre Mariana Carvalho (União) e Léo Moraes (Podemos), ou entre a candidata do União Brasil e a juíza Euma Tourinho (MDB).
A estadia do ex-presidente Bolsonaro (PL) em Porto Velho fortaleceu ainda mais campanha de Mariana Carvalho (União), acarretando, inclusive, uma série de ataques oriundos, principalmente, da candidata do MDB, juíza Euma Tourinho. De fato, o ex-presidente é um ator de enorme relevância na eleição portovelhense, a ponto de Mariana ser acusada pelos adversários por, supostamente, não ser uma autêntica “bolsonarista”. Em uma conjuntura marcada por uma guinada radical à direita em Rondônia, quadro que se repete em Porto Velho, os principais candidatos reivindicam para si o legado de Bolsonaro, buscando convencer o eleitor de sua “verdadeira” proximidade e alinhamento ao bolsonarismo.
Assim, como não seria diferente, a pauta dos valores e costumes assumiu inequívoca importância na eleição portovelhense, sendo o voto evangélico decisivo na disputa. Não à toa que os dois candidatos que lideram as pesquisas, Carvalho (União) e Moraes (Podemos), possuem pastores evangélicos como vice em suas respectivas chapas. Até mesmo o candidato da frente de esquerda, o pedetista Célio Lopes (PDT), possui uma pastora com vice em sua coligação.
Do ponto de vista do meio ambiente, a análise dos planos de governo explicitou a forma como o tema tem sido tratado pelos candidatos durante a disputa eleitoral. Em sua grande maioria, propostas vagas e descoladas da realidade, principalmente, no tocante às queimadas e desmatamento. Como explicitado anteriormente, apenas o candidato da REDE, Samuel Costa, abordou o tema com frequência durante o período eleitoral. Assim, tudo indica que durante nos próximos quatro anos são iminentes as possibilidades de esvaziamento da pauta ambiental na relação Executivo-Legislativo no plano municipal em Porto Velho, tal como ocorrido nos últimos tempos.
Por fim, cumpre mencionar que pesquisas realizadas nas principais cidades da região amazônica pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL) tem apontado para uma relação de trade-off entre o tema do meio-ambiente e a economia. Trata-se de um “conflito de escolhas”, o cidadão tem consciência da importância do tema, se mostra preocupado com as queimadas, desmatamentos e demais formas de degradação ambiental. Contudo, avalia que se tiver que optar entre a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento econômico, não hesitará em seguir com a segunda opção.
Enquanto isso, a classe política dotada de uma visão arcaica de desenvolvimento, que, por vezes, remonta o período da transição território-estado, entre as décadas de 1970 e 1980, ciente de que a opinião pública observa os temas como excludentes entre si, prefere não abordar o assunto sob o risco de perder votos. Embora não seja uma característica apenas de Porto Velho, impressiona, tendo em vista a realidade local, o esvaziamento de um tema, literalmente, tão candente atualmente.
Agradecimentos: iniciativa Amazônia +10
5. Referências
PIMENTA, Guilherme. Disputa em Porto Velho pode ser decidida em primeiro turno. Valor Econômico. Setembro de 2024. Disponível em: Disputa pela Prefeitura de Porto Velho pode ser definida em primeiro turno | Eleições 2024 | Valor Econômico (globo.com).
VIANA, João Paulo S. L.; VASCONCELLOS, Patrícia M. C.. O meio ambiente como (anti) pauta: a supermaioria legislativa do Executivo e o esvaziamento da agenda ambiental em Porto Velho. Paper apresentado no 14º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). Salvador, 2024
VIANA, João Paulo S. L.; VASCONCELLOS, Patrícia M. C.. Entre fogo e fumaça o esvaziamento da agenda ambiental em Porto Velho. Legis-Ativo Congresso em foco. Setembro de 2024. Disponível em: Entre fogo e fumaça: o esvaziamento da agenda ambiental em Porto Velho – Congresso em Foco (uol.com.br)
VIANA, João Paulo S. L. Os paradoxos eleitorais em Porto Velho, a capital do bolsonarismo. Carta Capital. Setembro de 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/os-paradoxos-eleitorais-em-porto-velho-a-capital-do-bolsonarismo/
VICK, Mariana. Como o clima virou uma antipauta na eleição de Porto Velho. NEXO JORNAL. São Paulo. Setembro de 2024. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/09/19/eleicao-2024-em-porto-velho-clima-e-mudancas-climaticas-em-debate