Competição eleitoral no Mato Grosso: aspectos ideológicos das eleições para o Executivo (Federal e Estadual) e Legislativo (2002 e 2018)

Adilson Vagner de Oliveira, Aryeh Hessel Craveiro, Maria Cristina M. de F.  Bacovis e Raimundo França

A ideologia[1] é uma variável fundamental para compreender o comportamento político de qualquer sociedade, especialmente no que concerne à competição política institucional. Neste sentido, este Boletim informativo analisa brevemente, a partir da variável ideológica, como tem ocorrido a disputa pelo Poder no Executivo (Federal e estadual) e Legislativo (Federal e estadual) entre  2002 e 2018 e suas peculiaridades, tendo o estado do Mato Grosso como recorte.

No cenário político brasileiro, o Mato Grosso representa 1,5% do eleitorado brasileiro, tendo, em termos “quantitativos”, pouca relevância eleitoral no plano das disputas nacionais quando comparado aos grandes e médios colégios eleitorais brasileiros. Apesar disso, desde a década de 2000, o estado do Mato Grosso tem aumentado significativamente sua importância econômica no que se refere à composição da Balança Comercial brasileira, estando desde 2010 entre os principais exportadores de commodities do mundo e no cenário brasileiro, mantendo-se sempre entre os primeiros. Esses fatores têm elevado sua importância na Agenda Política nacional, especialmente com a audiência dada pelos diversos Presidentes da Repúblicas (2002 a 2022) às principais lideranças do setor agrícola mato-grossense.

Neste contexto, ao analisar-se a Fig. 1, observa-se nitidamente que em termos de disputas para o cargo de Presidente, há um equilíbrio entre a Esquerda e o Centro, basicamente em quatro dos cinco pleitos disputados, quando analisado o 1º Turno das Eleições Presidenciais. Apesar disso, quando verificamos o 2º Turno Eleições observamos que o Centro tem sido a principal escolha dos mato-grossense nos pleitos presidenciais, sendo que, em 2006, 2010 e 2014, o partido escolhido pelos eleitores mato-grossense foi o PSDB que venceu as eleições, no Mato Grosso, com Geraldo Alckmin; José Serra e Aécio Neves, restando à Esquerda, a vitória de Luís Inácio Lula da Silva (PT), em 2002.

Gráfico 1 – eleições para Governador do Mato Grosso (2002 a 2018)
(Fonte: Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, a partir do Tribunal Superior Eleitoral, 2022)

Em relação às disputas pela Governadoria mato-grossense, observa-se preponderância dos governadores eleitos por partidos à Esquerda do espectro político, como demonstra a Fig.2. Mais precisamente, em 2002, com eleição de Blairo Maggi – Partido Popular Socialista (PPS) e 2006 reeleito, também, pelo PPS, migrando após a eleição para o Partido Republicano (PR).  Em 2010, Silva Barbosa, então Vice-governador, foi eleito por um partido de centro, neste caso, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em 2014, Pedro Taques, do Partido Democrático Trabalhista, é eleito Governador do Estado do Mato Grosso, depois migra para o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Em 2018, observa-se uma mudança vertiginosa no comportamento do eleitorado, quando comparado ao período analisado na Figura 1, e Mauro Mendes é eleito governador do Estado pelo partido Democratas (DEM). Não obstante, caso Mauro Mendes tivesse permanecido em seu antigo partido, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), quando fora Prefeito, em tese, os partidos considerados à Esquerda do espectro político teriam logrado êxito em 4 dos 5 pleitos eleitorais disputados.

Gráfico 2 – eleições para Governador do Mato Grosso (2002 a 2018)
(Fonte: Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, a partir do Tribunal Superior Eleitoral, 2022)

­­­As disputas para a Senatoria no Mato Grosso revelam, como demonstra a Fig. 3, amplo domínio dos partidos à Direita do espectro político. Em 2002, Jonas Pinheiro, do Partido da Frente Liberal (PFL) e Serys Slhessarenko, do  Partido dos Trabalhadores (PT) foram  eleitos para o Senado Federal. Em 2006, Jayme Campos (PFL) foi eleito para o Senado Federal. Em 2010, Blairo Maggi (PR) e Pedro Taques (PDT)  foram eleitos para o Senado Federal. Em 2014, Wellington Fagundes (PR) foi eleito.  Em 2018, Selma Arruda[2] (PSL) e Jayme Campos (PFL) foram eleitos para o Senado Federal.

Em síntese, as eleições para o legislativo estadual e federal de Mato Grosso caracterizam-se pela contínua predominância de partidos políticos de direita, com pautas específicas tradicionais que se relacionam aos núcleos  comuns de poder econômico do estado. Assim, a história política de Mato Grosso reflete uma relação antagônica entre os votos para o executivo estadual e para o legislativo estadual e federal, no que diz respeito às ideologias partidárias.

Gráfico 3 – eleições para Senador pelo Mato Grosso (2002 a 2018)

(Fonte: Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, a partir do Tribunal Superior Eleitoral, 2022)

As disputas para a Câmara Federal no Mato Grosso indicam (Fig. 4) certa estabilidade dos partidos de Direita ao longo do período, com picos de competividade por parte dos partidos de esquerda, apenas nos pleitos eleitorais de 2006 e 2014, e predomínio dos partidos de Direita na eleição de 2018, elegendo 60% dos Deputados Federais.
Gráfico 4 – eleições para deputado federal pelo Mato Grosso (2002 a 2018)
(Fonte: Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, a partir do Tribunal Superior Eleitoral, 2022)

As disputas no âmbito do Poder Legislativo estadual revelam (Fig.5) preponderância dos partidos de direita ao longo do período, salvo, nas eleições de 2006, quando os partidos de esquerda obtêm a mesma proporção de eleitos.

Gráfico 5 – eleições para Deputado estadual do Mato Grosso (2002 a 2018)
(Fonte: Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal, a partir do Tribunal Superior Eleitoral, 2022)

O quadro exposto revela alguns pontos importantes para a compreensão do cenário político ideológico mato-grossense: predominância dos partidos ao Centro e à Direita nas disputas presidenciais; certo predomínio dos partidos de esquerda nos pleitos eleitorais pelo Poder Executivo estadual; e; domínio dos partidos à Direita e ao Centro nas disputas pelo Parlamento (Federal e estadual).

Como fora demonstrado, é possível dizer que, se o crivo ideológico não é por si, suficiente para compreensão da competição política mato-grossense, ainda  assim ele é importante no contexto institucional para análise da dinâmica partidária no Estado, cabendo uma análise de conteúdo para entender se a correspondência entre partido e coerência ideológica no contexto da prática política, que podem vir a responder algumas incógnitas quanto ao comportamento conservador da prática política mato-grossense que o mero enquadramento partidário institucional não consegue responder com propriedade.

Em termos institucionais, a atenção dada pela maioria dos eleitores ao viés ideológico dos partidos políticos pode ter tido pouco efeito sobre a sua decisão no passado, ou mesmo para as próprias legendas que trabalhavam com pautas muito próximas, e consequentemente, as diferenças tornam-se pouco perceptíveis aos eleitores. Pode-se afirmar que poucos partidos no país conseguem manter-se coerentes com suas premissas de origem, e no cenário local esse fenômeno se reproduz ao longo das últimas décadas. 

Na competição mato-grossense, o ruralista Blairo Maggi, eleito pelo PPS em 2002 para o governo do estado, pode ser um expoente dessa situação, pois pertencia a um partido historicamente alinhado à centro-esquerda, mesmo que o ex-governador representasse o agronegócio do qual sempre fez parte. Mas, as últimas eleições forneceram mudanças enormes nessa perspectiva do eleitor, uma vez que os partidos de direita se tornaram amplamente defensores de suas prerrogativas ideológicas, distanciando-se de pautas híbridas ou confusas ao eleitor médio do passado.

Portanto, os aspectos ideológicos dos partidos, principalmente nas pautas culturais e morais, passaram a fazer parte da competição eleitoral de maneira mais intensa do que no passado, com destaque às eleições legislativas estaduais e federais.

A identificação dos eleitores com a visão conservadora dos partidos de direita fez com que as eleições de 2018 produzissem um cenário coeso entre legislativo e executivo estadual. O atual governador, Mauro Mendes, foi eleito pertencendo ao partido Democratas(DEM), partido de centro-direita, e em 2022, passou a integrar o União Brasil (UNIÃO), resultante da fusão do PSL e DEM, tendo como vice-governador, o empresário e agropecuarista, Otaviano Pivetta[3] (Sem partido), logo, uma frente partidária de viés conservadora explicitamente tomou o controle também do executivo estadual, demonstrando um relativo ineditismo, pelo menos nas últimas décadas. 

Por último, importa ressaltar que o posicionamento ideológico identificado na pesquisa, sofre grande influência da volatilidade eleitoral (como a mudança de partidos entres políticos), mas no caso do Mato Grosso, ainda assim, esta volatilidade partidária tende em direção aos partidos de direita.

Referências

ALMT. Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Disponível em <https://www.al.mt.gov.br/> Acesso em 17/03/2022.

CÂMARA. Projeto de lei nº337/2022. Altera a redação do inciso I do art. 3º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para excluir o Mato Grosso da Amazônia Legal. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2314952> Acesso em 17/03/2022

LEGAL. Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal. Instituto de Estudos Sociais e Políticos – UERJ. Disponível em <http://www.iesp.uerj.br/> Acesso em 17/03/2022.

Timothy J. Power e CESAR ZUCCO JR. ESQUERDA, DIREITA E GOVERNO: A ideologia dos partidos políticos brasileiros. In: Timothy J. Power e CESAR ZUCCO JR. O Congresso por ele mesmo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.

  1. Não há um consenso na literatura política quanto ao conceito puro de ideologia, mas para efeitos deste boletim, tomamos emprestado a metodologia desenvolvido por  Cesar Zucco Jr sobre a autopercepção dos parlamentares quanto ao seu enquadramento ideológico, para compreensão crivo ideológico dos partidos de Direita, de Centro e de Esquerda no Parlamento Federal brasileiro

  2. A Senadora Selma Arruda foi cassada pelo Senado, havendo a necessidade de Eleição Suplementar, realizada em 2020, junto às eleições municipais, cujo eleito foi Carlos Fávaro (PSD).

  3. O Vice-governador compôs a Chapa majoritário filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PDT) e despois se desfilou do Partido.