Bruno Marques Schaefer, João Feres Júnior, Fabiano Santos e Matteo de Barros Manes
Introdução
O objetivo deste boletim é analisar, de maneira histórica e comparada, dados da administração pública nos municípios do estado do Acre. Coletamos informações sobre orçamento, peso da administração pública e composição de recursos humanos.
Este boletim é o primeiro de uma série sobre Executivos municipais no Acre, mas o sexto fruto da parceria entre a Universidade Federal do Acre (UFAC) e o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (SCHAEFER et al., 2024a). Os demais podem ser encontrados no repositório Open Science Framework. Ali constam também todos os materiais necessários para a replicação dos resultados aqui apresentados.
Como destacamos em outro boletim (SCHAEFER et al., 2024b), o município é um objeto central da Ciência Política. Após a Constituição de 1988, é neste nível da estrutura federativa brasileira que a grande maioria das políticas públicas é implementada (SIMONI; SALLES, 2024). São os municípios os principais encarregados pela oferta de políticas sociais universais, como saúde, educação e assistência social, descentralizadas do governo federal.
Apesar de consideráveis percalços (ABRUCIO et al., 2020), o federalismo brasileiro teve relativo sucesso na redução de desigualdades territoriais. Isso se deu através de regras que vinculam as receitas dos governos subnacionais ao gasto em políticas específicas (ARRETCHE, 2010), como saúde e educação. Mesmo assim, ainda há grandes diferenças entre os municípios quando consideradas suas características socioeconômicas, capacidade de arrecadação tributária própria (via ISS, IPTU e ITBI), formação de recursos humanos, e resultados na provisão de bens públicos. Nas próximas seções, exploramos esses dados a partir de comparação no tempo (intervalo temporal de 2011 até 2021) e no espaço (o Acre, demais estados da Amazônia e o restante do Brasil).
Tributação
Um dos grandes desafios dos municípios brasileiros envolve o seu financiamento. Apesar das cidades possuírem instrumentos de arrecadação tributária própria (via ISS, IPTU e ITBI), a maioria delas depende, quase que exclusivamente, de transferências de outros entes (estados e União). Na figura 1, expomos dados do índice de autonomia da Firjan, um dos componentes do IFGF (Índice Firjan de Gestão Fiscal). O IFGF: “(…) é inteiramente construído com base em resultados fiscais oficiais, declarados pelas próprias prefeituras. Essas informações são disponibilizadas anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), por meio do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi)” (FIRJAN, 2024). O IFGF Autonomia é calculado através do cálculo: receita local menos a estrutura administrativa, dividido pela receita corrente líquida. Quanto mais próximo de 1, melhor a autonomia.
Os resultados indicam que, em média, os municípios acreanos estão em situação pior do que a média da Amazônia Legal e do restante do Brasil. A média é de situação crítica (abaixo de 0,4 pontos). É interessante perceber que no último ano da série, há melhoria da situação fiscal, mas não no caso acreano.
Figura 1: perspectiva histórica e comparada (IFGF Autonomia)
Na figura 2, expomos os dados dos municípios acreanos para o IFGF Autonomia em 2021. O único município com gestão de excelência conforme os critérios da FIRJAN (resultados superiores a 0,8 pontos) é Rio Branco. Na maioria dos municípios a situação é crítica, os recursos próprios arrecadados não dão conta de financiar a estrutura administrativa.
Figura 2: distribuição no estado (IFGF Autonomia)
Peso da Administração Pública
Apesar da situação fiscal complicada, os municípios acreanos, em média, possuem grande dependência de recursos públicos. Na figura 3, apresentamos dados do peso da administração pública na economia. Este valor é calculado pela divisão entre o Valor adicionado bruto a preços correntes da administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social e o Valor adicionado bruto do município. Extraímos os dados do IBGE (DAHIS et al., 2022). Em média, 50% dos valores gerados nos municípios do Acre provém da administração pública (apesar da queda em 2021). No restante do Brasil esse valor é de 30%, e na Amazônia Legal de 40%.
Figura 3: perspectiva histórica e comparada (Peso da administração pública)
Em relação a distribuição espacial do peso da administração pública, na figura 4 expomos os valores. Os municípios mais próximos de Rio Branco (31%) possuem, em média, valores menores dessa variável. Em especial, os municípios de Capixaba, Senador Guiomard e Epitaciolândia.
Figura 4: distribuição no estado (Peso da administração pública)
Composição da Administração Pública
Por fim, observamos dados da composição de recursos humanos da administração pública nos municípios. Prefeitos e prefeitas possuem um rol considerável de possíveis contratações. Desde contratações via concurso público de funcionários estatutários, até contratações temporárias, como cargos comissionados, CLT, estagiários e aqueles sem vínculo permanente. Os dados sobre recursos humanos são autoreportados pelas prefeituras, a partir da pesquisa MUNIC (realizada pelo IBGE). Calculamos a taxa de funcionários da prefeitura por 100 mil habitantes. Ou seja, a divisão do total de funcionários (nas diferentes categorias de contratação) pela população do município multiplicado por 100 mil.
Na figura 5, demonstramos a evolução da taxa de funcionários (em média), comparando os municípios acreanos com cidades da Amazônia Legal e do restante do Brasil. É perceptível que, no geral, há um crescimento da taxa de funcionários municipais entre 2011 e 2021 no caso da Amazônia Legal e no restante do Brasil. No Acre, há maior oscilação e médias menores. Em 2014, por exemplo, a taxa de funcionários por 100 mil habitantes é de mais de 5 mil, em média. Este valor cai para 3901 em 2021.
Figura 5: perspectiva histórica e comparada
Na figura 6, expomos os dados da taxa de funcionários no Acre. Esta taxa é mais elevada em municípios como Porto Walter, Santa Rosa do Purus e Assis Brasil. Em todos os casos, o IFGF Autonomia denota que os municípios não possuem receita suficiente para financiar o pessoal contratado (índices menores que 0,4). Ao mesmo tempo, são municípios que dependem mais de recursos da administração pública (Figura 7). O tipo de contratação também chama atenção, na medida em que a maior parcela de funcionários nos municípios acreanos não é estatutária. A média dos municípios do estado é de 35%. Ou seja, de cada 100 funcionários contratados, 75 possuem contratos temporários, são comissionados ou CLT. No restante do Brasil, este valor é de quarenta.
Figura 6: distribuição
Figura 7: Correlação entre Peso da Administração Pública na economia e taxa de funcionários
Considerações finais
Este boletim apresentou uma análise histórica e comparada de dados sobre administração pública nos municípios do Acre, destacando os desafios fiscais, o peso da administração pública na economia e a composição dos recursos humanos.
Os resultados indicam que os municípios acreanos enfrentam dificuldades significativas para alcançar autonomia financeira, com a maior parte das cidades dependendo quase exclusivamente de transferências de outros entes federativos. Além disso, o peso da administração pública na economia local é expressivamente maior do que a média nacional, refletindo a importância desse setor na geração de empregos e na manutenção da economia em áreas menos desenvolvidas do estado. Por fim, observamos uma alta prevalência de contratos temporários e comissionados na composição dos recursos humanos, o que pode gerar desafios adicionais para a produção de políticas públicas (MARENCO; STROHSCHOEN; JONER, 2017).
Este é o primeiro de uma série de análises voltadas para o estudo do Executivo nos municípios acreanos, com foco em temas centrais para o desenvolvimento de políticas públicas e fortalecimento da democracia. Como próximos passos, a pesquisa continuará com análises mais detalhadas sobre outros aspectos da gestão pública municipal, como: composição do secretariado, resultados de políticas, relações Executivo-Legislativo, entre outros.
Referências
ABRUCIO, F. L. et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 663–677, 28 ago. 2020.
ARRETCHE, M. Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos? Dados, v. 53, p. 587–620, 2010.
DAHIS, R. et al. Data Basis (Base Dos Dados): Universalizing Access to High-Quality Data. Rochester, NY, 5 jul. 2022. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/abstract=4157813>. Acesso em: 14 jun. 2024
FIRJAN. IFGf – Índice Firjan de Gestão Fiscal. Disponível em: <https://www.firjan.com.br/>. Acesso em: 27 nov. 2024.
MARENCO, A.; STROHSCHOEN, M. T. B.; JONER, W. Capacidade estatal, burocracia e tributação nos municípios brasileiros. Revista de Sociologia e Política, v. 25, p. 03–21, 1 dez. 2017.
SCHAEFER, B. M. et al. Projeto LEGAL-Acre. https://osf.io/ec395/, 26 fev. 2024a.
SCHAEFER, B. M. et al. Boletim de Eleições Municipais no Acre: Políticas Públicas e Desafios. OSF, , 13 set. 2024b. Disponível em: <https://osf.io/gb3k8>. Acesso em: 22 out. 2024
SIMONI, S.; SALLES, N. Eleições 2024: a reeleição para além das emendas. Boletim Lua Nova – CEDEC, 12 nov. 2024. Disponível em: <https://boletimluanova.org/eleicoes-2024-a-reeleicao-para-alem-das-emendas/>. Acesso em: 27 nov. 2024