A agenda ambiental da Assembleia Legislativa do Estado do Acre na atual legislatura.

Luci Maria Teston, Ermício Sena, Manoel Valdemiro F. Rocha e Rosa Indira Alves

Como última fronteira a ser incorporada ao sistema econômico dominante, a Amazônia vem se tornando o centro de discussões globais envolvendo o meio ambiente. Parte deste debate relaciona-se aos desafios decorrentes da exploração predatória de madeira, da ofensiva agropecuária e da mineração, os quais tem elevando os índices de desmatamento.

Esses desafios perpassam os nove estados situados na região amazônica. No Acre, não é diferente. Com amplas florestas, o estado vivenciou um período marcado pelo conflito entre populações tradicionais, dispostas a resistir em suas terras, e empresários do Centro-Sul, os quais haviam comprado as terras dos antigos seringalistas falidos com a finalidade de implantar a pecuária extensiva ou por simples especulação fundiária. Estes conflitos demandaram soluções políticas representadas por ações e discursos envolvendo a temática ambiental.

O Governo da Floresta e a experiência da Florestania

No campo político, no período de 1999 a 2006 houve a construção de um discurso que caracterizou certa relação do acreano com a floresta, estimulando a origem de novos referenciais simbólicos. Nascia o “Governo da Floresta”, slogan da administração de Jorge Viana no Executivo estadual acreano. Preservação ambiental, exploração do meio ambiente de forma sustentável e o respeito aos povos da floresta faziam parte do discurso político.

Nessa época, a “florestania” era o termo que traduzia a “experiência de sustentabilidade do Acre”. Indicava um conjunto de ideias e propostas direcionadas aos problemas do desenvolvimento econômico do estado. O discurso estava relacionado ao respeito aos povos tradicionais, com destaque à valorização da cultura amazônica, bem como na busca por aliar o desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente, ou seja, em um equilíbrio entre as ações e as relações com o ambiente1.

No entanto, as políticas públicas estaduais, muitas vezes insuficientes ou desarticuladas, não impediram o avanço da degradação ambiental ocasionada, em grande medida, pela expansão das pastagens para criação de gado em regime extensivo, provocando a conversão de extensas áreas florestais. Esta frente agropecuária tende a derrubar a floresta e a criar um sistema de especulação fundiária que desconsidera as populações tradicionais. Como consequência, o extrativismo deixa de ser a base do setor econômico produtivo no estado2.

Atualmente, como um dos resultados desse processo de conversão de extensas áreas florestais na Amazônia, a população do Acre convive com escassez de recursos hídricos, poluição ambiental e alterações no clima. Exemplo disso são os quase nove mil focos de queimadas registrados no território do Acre em 2021, concentrados nos meses de julho a outubro, de acordo com registros do programa de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

No âmbito da legislação, a Constituição do Estado do Acre destina uma seção específica ao meio ambiente no qual as florestas recebem especial atenção. Portanto, é importante monitorar a produção da Assembleia Legislativa do Estado do Acre no sentido de observar como os legisladores estaduais estão atuando e buscando soluções aos problemas ambientais.

A Agenda Ambiental na Assembleia

Dos 658 projetos de lei apresentados nos três primeiros anos da atual legislatura (2019 a 2021) apenas 13 proposições envolveram a temática do meio ambiente e energia, representando 1,97% do total de projetos apresentados (gráfico 1). As proposições de natureza ambiental trazem como assuntos recursos hídricos, serviços ambientais, reciclagem, energia solar e gestão de florestas públicas.

Gráfico 1 – Projetos de Lei apresentados na última legislatura (2019 – 2021)
Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria.

Em paralelo às proposições envolvendo meio ambiente e energia, na vanguarda da produção legislativa dos parlamentares estão os projetos de lei classificados como honoríficos e simbólicos, que tratam de concessões de título de cidadão acreano e de instituição de dias, semanas e prêmios, respectivamente. Estes, representam 24,16% do total de projetos de lei apresentados no período.

Das 13 proposições envolvendo o meio ambiente, até o momento, três delas foram aprovadas, sendo duas de autoria do Executivo. Um projeto apresentado por parlamentar foi aprovado e outro foi objeto de veto governamental. Apesar de os parlamentares apresentarem mais projetos relacionados ao meio ambiente, foi o Executivo quem conseguiu aprovar mais e com menor tempo de tramitação (gráfico 2).

Gráfico 2 – Tramitação dos Projetos de Lei envolvendo Meio Ambiente e Energia (2019-2021)
Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria.

O projeto aprovado de autoria parlamentar foi o PL 41/2019, do deputado Janilson Leite (PSB), pré-candidato ao governo do estado. O projeto, que originou a Lei n. 3.541, de 4 de novembro de 2019, proíbe a distribuição e a venda de canudos plásticos descartáveis em restaurantes, bares, lanchonetes, quiosques e estabelecimentos similares. Como justificativa, o parlamentar argumentou tratar-se de um instrumento de preservação do meio ambiente, pois os canudos plásticos não são absorvidos pela natureza, dificilmente reciclados e, se eliminados por incineração, são altamente poluentes.

Já o projeto com veto governamental foi proposto pelo deputado Pedro Longo (PV), o qual, inclusive, é o atual líder do governo na Aleac. O PL 68/2021 acrescentava dispositivo na legislação que dispõe sobre a política ambiental do Estado do Acre, ao propor dispensar do licenciamento ambiental a atividade de extração de piçarra e barro, para utilização, exclusivamente, na conservação, recuperação e melhoramento de ramais, estradas vicinais e ou reparos emergenciais em rodovias, das propriedades que não estão em Área de Preservação Permanente ou em reserva legal, desde que não sejam para uso comercial e que sejam adotadas as providencias para o nivelamento do solo e o controle erosivo.

Para justificar o projeto, o deputado alegou que a alteração permitiria aos agricultores familiares realizarem mutirões de tapa-buracos, sem o óbice do regramento ambiental, dispensando assim o licenciamento ambiental para a extração de barro e piçarra, desde que fosse para recuperação dos ramais, estradas vicinais e reparos emergenciais em rodovias, garantindo segurança jurídica aos pequenos agricultores familiares, sem ferir o princípio fundamental que assegura um meio ambiente equilibrado e sustentável.

Com pouco debate no âmbito dos movimentos ambientalistas, o PL 68/2021 foi apresentado pelo parlamentar em maio de 2021. Foi aprovado em Plenário, porém, houve o veto do Executivo (veto n. 17/2021). No retorno à Aleac, o veto foi rejeitado e o projeto promulgado pelo presidente da Casa, originando a Lei n. 3.780, de 20 de setembro de 2021.

Os dois projetos do Executivo aprovados tratam do mesmo objeto, a instituição de um fundo especial para recuperação da bacia do igarapé São Francisco, que corta a cidade de Rio Branco, capital do Acre. O PL 205/2020, que originou a Lei n. 3.674, de 31 de dezembro de 2020, instituiu o fundo especial. Porém, no início de 2021, o governador encaminhou à Aleac um novo projeto (PL 11/2021) alterando a Lei no que compete à administração do Fundo Especial, que passou para outro órgão governamental (Lei n. 3.720, de 2 de fevereiro de 2021).

Atualmente, dos 13 projetos de lei apresentados, nove seguem em tramitação (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Situação atual dos projetos apresentados relacionados ao Meio Ambiente e Energia (2019 a 2021)
Fonte: Subsecretaria de Atividades Legislativas/ALEAC. Elaboração própria.

Dos projetos em tramitação, um carece de uma descrição mais detalhada, pois envolve alterações na gestão das florestas públicas no território do Acre.

Concessão de Florestas Públicas Estaduais

O PL 225/2020, de autoria do Executivo e em tramitação, trata de concessões de florestas públicas para a produção sustentável. A concessão florestal é uma permissão dada pelo governo por meio de licitação para uma pessoa jurídica (empresa, associação ou cooperativa) utilizar os produtos e serviços florestais de uma área pública por um período de tempo por meio de práticas de manejo florestal sustentável.

Como justificativa para a apresentação do projeto, o governo alega a necessidade de alcançar as inovações legislativas ocorridas no âmbito federal que tratam de temas associados à gestão de florestas públicas. Propõe a adequação da legislação estadual à legislação federal e busca cobrir lacunas que geram insegurança jurídica na implantação de um programa de gestão de florestas públicas.

O projeto foi apresentado à Aleac em dezembro de 2020 e recebeu o apelido de “PL de concessão de florestas públicas”. Ambientalistas, organizações representativas de extrativistas e povos indígenas alegam que as concessões florestais, da forma como está disposto no projeto, podem causar impactos ambientais e no modo de vida das populações tradicionais.

O estado do Acre possui cinco florestas públicas estaduais: A Floresta do Antimary (criada em 1997), a Floresta do Afluente do Complexo do Seringal Jurupari (criada em 2017) e o complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório, formado pela Floresta do Rio Gregório, do Rio Liberdade e do Mogno. Estas três últimas florestas, localizadas no município de Tarauacá e criadas em 2004, seriam passiveis de exploração via concessão para manejo florestal, conforme prevê o projeto.

O complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório compreende uma área de mais de 600 mil hectares de florestas públicas passíveis, segundo o governo, de exploração sustentável. Se concedidas para manejo florestal, as três florestas públicas se tornarão uma das cinco maiores concessões florestais do Brasil.

Em maio de 2021 foi realizada uma audiência pública com deputados, lideranças indígenas, ribeirinhas, extrativistas e organizações da sociedade civil ligadas ao tema. O projeto foi criticado por deputados de oposição ao governo e por representantes de movimentos ambientalistas, indigenistas e extrativistas, que viram problemas, em especial, em relação ao impacto socioambiental que geraria caso fosse aprovado da forma como propõe o Executivo.

Na audiência, representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente reforçaram que a discussão sobre manejo florestal não é recente, perpassando governos, independentemente de bandeira partidária. Ressaltaram ainda estudos publicados sobre a eficiência do manejo florestal. Dentre os benefícios, haveriam os sociais, a partir da geração de trabalho e renda, os ambientais, decorrentes do uso sustentável das florestas, bem como os econômicos, a partir da arrecadação de recursos.

Entretanto, para membros da sociedade civil presentes na audiência pública, o projeto carece de melhor discussão, a partir da inclusão de dispositivos de controle legal e de incentivos para participação de cooperativas e associações no processo de licitação. Um dos pontos passíveis de questionamento seria a entrada de dezenas de máquinas pesadas na floresta, ocasionando impactos em espécies animais, muitas delas fundamentais para a sobrevivência das comunidades tradicionais que habitam a região.

Outra questão apontada seria a possível exploração indiscriminada de árvores, a exemplo da copaíba, considerada madeira nobre, de alto valor agregado, mas que também possui propriedades medicinais, sendo muito utilizada pela população local.

Além disso, ambientalistas enfatizam que o projeto desconsidera que no Acre há populações vivendo nas florestas, diferentemente de outras regiões do país. A possibilidade de o Estado conceder a terceiros e não a moradores locais o manejo florestal estaria autorizando a entrada na floresta pública de um terceiro com o direito de explorar uma área com ocupação originária. Seria, na opinião de um participante da audiência, uma autorização oficial da invasão das posses.

Portanto, para ambientalistas participantes da audiência pública, o arcabouço da lei traz como objetivo principal a concessão da floresta pública à iniciativa privada. Isto estaria retirando o direito de autonomia das comunidades tradicionais e, por consequência, a possibilidade de se focar no plano de manejo florestal comunitário com a participação das populações tradicionais existentes.

Trazer dispositivos que garantam maior participação e monitoramento por parte das comunidades como obrigatoriedade no âmbito do projeto de lei seria um passo importante segundo ambientalistas ouvidos na audiência. Desta forma, haveria a necessidade de se garantir que as organizações locais consigam competir com as grandes empresas privadas.

Para os parlamentares que integram a frente de oposição ao governo, o projeto precisa ser aperfeiçoado. Há moradores originários que não podem ser expulsos de dentro da floresta. Além disso, é preciso criar mecanismo legais por meio de políticas públicas para que a comunidade possa efetivamente participar do processo de concessão de áreas de manejo florestal.

Quadro 1 – Principais argumentos presentes na audiência pública referente à gestão de Florestas Públicas Estaduais (PL 225/2020)
Fonte: Audiência Pública nas Comissões de Constituição e Justiça, Serviço Público e de Legislação Agrária.

GOVERNO

SOCIEDADE CIVIL

PARLAMENTARES

Adequação da legislação estadual à legislação federal

Impactos ambientais, em especial, pela entrada de dezenas de máquinas pesadas na floresta

Projeto precisa ser aperfeiçoado

Discussão antiga sobre manejo florestal, perpassando governos

Impactos no modo de vida das populações tradicionais

Há moradores originários que não podem ser expulsos de dentro da floresta

Estudos publicados sobre a eficiência do manejo florestal

Impactos em espécies animais que habitam a floresta

Projeto precisa avançar no âmbito das Comissões

Benefícios sociais via geração de trabalho e de renda

Exploração indiscriminada de madeira

Garantias que as comunidades locais tenham a oportunidade de concorrer de forma equânime com empresas privadas (grande capital)

Benefícios ambientais por meio do uso sustentável das florestas

Projeto desconsidera que há populações vivendo dentro das florestas públicas

Concessionários devem proteger biomas e fauna, mitigando impactos

Benefícios econômicos decorrentes da arrecadação de recursos financeiros por parte do Estado

Possibilidade de o Estado conceder a terceiros e não a moradores locais o direito de explorar uma área com ocupação originária

Garantias mais explicitas no projeto quanto aos benefícios que o concessionário irá gerar para as comunidades tradicionais locais

Evitar invasões à floresta

Objetivo principal da lei relacionado à concessão da floresta pública à iniciativa privada

Criar dispositivos que garantam a participação de entidades locais no processo de licitação das áreas a serem concedidas para o manejo florestal

Respeito aos moradores locais por meio da participação da comunidade em todo o processo de concessão das florestas públicas

Necessidade de maior participação e de monitoramento por parte das comunidades locais em todo o processo de concessão das florestas públicas

 

Observa-se que o debate ainda não está esgotado. A matéria foi discutida em audiência pública nas Comissões de Constituição e Justiça, Serviço Público e de Legislação Agrária. Após estes debates, o projeto foi encaminhado à Comissão de Serviços Públicos e aguarda, atualmente, parecer para ser votado no plenário da Casa Legislativa.

Estrada transfronteiriça dentro de Unidade de Conservação de Proteção Integral

Para além das proposições citadas, há importantes questões ambientais que não estão presentes na agenda de discussão da Assembleia. Uma delas é o plano de extensão da rodovia BR-364 que liga o estado de São Paulo ao Acre. Conduzida pelos governos federal e estadual, a proposta pretende estender a rodovia conectando a região acreana do Juruá à Pucallpa, no Peru. Para isto, a estrada entraria por cerca de 20 quilômetros no parque que abriga povos indígenas, inclusive com registros de grupos não contactados, e que contém uma das maiores biodiversidades do planeta, o Parque Nacional da Serra do Divisor.

O objetivo da rodovia é encurtar o caminho do Brasil a mercados e portos marítimos peruanos, facilitando o envio de commodities agrícolas das regiões norte e central do Brasil para a Ásia. Atualmente, a BR-317 desempenha a função de ligação terrestre entre o Acre e o Peru, só que com uma extensão maior se comparada a proposta que corta o Parque, a qual abreviaria a distância e, como consequência, reduziria os custos de transporte.

Esse projeto enfrenta a resistência de povos tradicionais que teriam seus territórios modificados e de pesquisadores, que temem o impacto sobre as espécies nativas que ocupam o parque. Além disso, haveria a questão do incentivo ao desmatamento ilegal, extração mineral e ao tráfico de drogas.

Em outubro do ano passado a Assembleia Legislativa promoveu uma audiência pública no município de Cruzeiro do Sul para tratar sobre a Interligação Cruzeiro do Sul/Pucallpa por meio da BR-364. O Presidente da Assembleia manifestou-se favorável à construção da rodovia e enfatizou a sua importância, a qual seria fundamental para o desenvolvimento da região e ao fomento das exportações. Representantes dos povos tradicionais, por outro lado, tem se manifestado contra o projeto.

Organizações indígenas e de populações extrativistas, ambientalistas e indigenistas tem impetrado ações na justiça no sentido de interditar o processo relacionado à condução das obras, no sentido de haver possíveis danos regionais com a construção da estrada. No entanto, o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) tem buscado retomar os estudos para implementação da rodovia.

No âmbito da Câmara Federal, tramita um projeto de lei (PL 6024/2019) que propõe mudar o status do parque, passando de unidade de conservação integral para área de proteção ambiental, uma categoria mais flexível dentre as unidades protegidas no Brasil, que reduz de forma considerável o nível de proteção.

A despeito das proposições no âmbito nacional, para além da audiência pública, não se observa, no parlamento acreano, movimentações no sentido de discutir de forma aprofundada esta temática.

Portanto, da análise à produção legislativa, observa-se que, apesar dos problemas ambientais e da prerrogativa constitucional relacionada ao meio ambiente, a questão ambiental não ocupa um espaço relevante na agenda legislativa quando observada a atual legislatura, apesar dos mais diversos desafios relacionados à proteção ambiental.

Referências

1 MORAIS, Maria de Jesus. Acreanidade: invenção e reinvenção da identidade acreana. Rio Branco: Edufac, 2016.

2 FRANKE, Idésio Luis. Governança e gestão florestal no Acre: instituições e atores em busca do Desenvolvimento Sustentável. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, Brasília, 2012.