Os seringueiros e o governo: a relação entre o movimento dos seringueiros e os governos do PT no Acre (1999-2018)

Francisco Afonso Nepomuceno, Sabrina Miranda Areco

A concentração fundiária caracteriza a posse de terra no Brasil, servindo como reserva de valor e instrumento de poder do proprietário (Starling & Schwarcz, 2016). Como consequência, organizam-se os movimentos de reforma agrária e de luta pela terra que sofrem violenta repressão. Na Amazônia Ocidental, a conquista de territórios demarcados como um tipo específico de reserva (reserva extrativista), de usufruto da população extrativista que vive no território, ocorreu apenas depois do emblemático assassinado de seu líder Chico Mendes, que hoje dá nome a uma RESEX[1].

O movimento dos seringueiros no Acre, surgido no final da década de 1970, passou por um período de maior embate contra fazendeiros e o Estado na década seguinte (anos 1980), quando registrou o maior nível de mobilização e organização sindical, passando por mudanças depois da efetivação da Resex, isto é, a partir dos anos de 1990.

O presente boletim tratará das relações do movimento dos seringueiros com o governo e com o Partido dos Trabalhadores, em um momento no qual os seringueiros assumiram duas atitudes diante das instituições. A primeira, como interlocutor dos governos petistas que se sucederam no Acre a partir de 1999 e a segunda, como militantes, colocando-se eles mesmos nas disputas eleitorais para cargos no Legislativo e Executivo. Para explorar o tema, utilizaremos o arcabouço legal do que foi aprovado no período em favor das propostas historicamente defendidas pelos seringueiros, políticas públicas direcionadas para a RESEX e entrevistas com integrantes do movimento.

A relação entre movimentos sociais e Estado é tema de vasta literatura (Gohn, 1997; Lavalle & Szwako, 2015), assim como entre partidos e movimentos sociais, embora para Meza e Tatagiba (2016, p. 35), “o tema da relação entre movimentos sociais e partidos não tem sido tratado de forma sistemática e segue, no geral, sub teorizado”. O caso específico de governos, movimentos e partidos de esquerda também foi explorado considerando a diversidade de políticas implementadas pela esquerda ou governos que podem ser chamados de progressistas (Abers & Serafim et al, 2014; Bringel & Falero, 2016). Aqui partimos da definição do Estado como um conjunto de instituições, o que permite explorar suas contradições, agências, disputas internas e relações de força (Poulantzas, 2019; Gramsci, 1977); ainda que seja, também, uma relação objetiva de poder. Em dadas conjunturas ou circunstâncias, pode manifestar-se mais ou menos poroso diante das demandas de grupos e movimentos sociais progressistas e de esquerda. Por outro lado, deve-se considerar que o século XX foi o tempo de forte expansão da atuação estatal, alcançando a esfera econômica, mas também no que diz respeito à organização da sociedade e da criação do consenso (Gramsci, 1977; Buci-Glucksmann, 1980). Considerando esta definição de Estado torna-se mais complexa a análise, contribuindo com a superação de dicotomias predominantes nas investigações dos anos 1970-1980: Estado e sociedade civil; cooptação X autonomia; conflito X consenso, sem deixar de levar em conta o elemento de dominação e exploração.

Interações e intersecções: formação, eleição e políticas públicas

Para Pereira (2022, p. 473), as relações entre os partidos e os movimentos sociais podem ser de três ordens: “a) interações e intersecções entre movimentos-partidos e encaixes partidários; b) encaixes eleitorais; c) mobilização de encaixes partidários e eleitorais para influenciar políticas públicas”. Partimos dessa tipologia na medida em que serve para registrar convergências políticas entre o movimento e o partido, ao mesmo tempo que permite considerar aproximações mais episódicas e mesmo divergentes. No caso dos seringueiros e o PT no Acre, identificamos três ordens de interação/intersecção: 1) na origem do partido e do movimento, o que fez com que os militantes e membros dos partidos pertencessem simultaneamente ao partido e ao movimento; 2) nas eleições, seja apoiando o partido ou com os militantes colocando-se eles mesmos nas disputas e 3) influenciando as políticas públicas do governo.

Desde a regularização da RESEX Chico Mendes, a luta incessante dos moradores passou a ser pela busca de uma economia sustentável, voltada para o bem-estar dos moradores e as políticas sociais, principalmente saúde e educação (Almeida, 2004; Almeida, Allegretti & Postigo, 2018). Nos dois casos, a relação com os governos estadual e municipais se fazia necessário por envolver políticas públicas nesses segmentos. Infraestrutura de ramais, compra de alimentos, preço da castanha e da borracha, construção de escolas e postos de saúde, além de formação de professores e agentes comunitários de saúde. Esse cenário estimulou a ação orientada pelo diálogo e formulação de demandas de políticas públicas com incidência prática na vida dos moradores. Portanto, pode-se dizer que se tratava de uma relação de tipo cooperativa (Pereira, 2022).

O Partido dos Trabalhadores governou o Acre por 20 anos durante cinco mandatos consecutivos. Sua primeira vitória ocorreu em 1998, tendo como governador eleito o engenheiro florestal Jorge Viana. Na plataforma do novo governo havia inúmeras bandeiras desfraldadas historicamente pelo movimento dos seringueiros e a conexão adquiriu maior visibilidade quando o governo anunciou o seu slogan, Governo da Floresta. Tendo como ícone uma castanheira estilizada que passou a ser utilizada em bottons, camisetas, bonés, placas de obras, nas repartições públicas, papel timbrado na burocracia e nas peças publicitárias do governo, tornando-se uma verdadeira grife.

Nesse aspecto, houve uma convergência programática e também discursiva, do movimento com o partido, o que não necessariamente foi de mesma intensidade em diferentes mandatos, sendo mais evidente durante os governos de Jorge Viana (1999-2006) e Binho Marques (2007-2010). Os vínculos programáticos discursivos e os possíveis afastamentos e aproximações decorreram também de estratégias e cálculos eleitorais. Apesar disso, ações voltadas para atender demandas represadas do movimento dos seringueiros podem ser registradas desde o início dos governos do PT. Ao longo do primeiro ano, por iniciativa do governo, foram aprovadas leis voltadas para atender a pauta do movimento dos seringueiros e fortalecer o meio ambiente, com destaque para a Lei nº 1.277 (Concessão de Subvenção Econômica aos Produtores de Borracha Natural Bruta do Estado do Acre), denominada de subsídio da borracha, do dia 13 de janeiro de 1999. No dia 6 de abril do mesmo ano, através do Decreto nº 503, o governo instituiu o Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-econômico do Estado do Acre, uma norma estratégica para definir as regras de proteção ambiental e o desenvolvimento econômico.

Além das leis que instituíram normas e regras como garantias para a vida dos moradores da Reserva Extrativista, iniciativas foram adotadas pelo governo para viabilizar o extrativismo, a economia florestal e com isso melhorar a vida dos moradores da RESEX. Em 3 de maio de 2002, por exemplo, foi instituído através da Lei nº 1.460, o Programa de Apoio às Populações Tradicionais e Pequenos Produtores – Pró-Florestania[2]. A fábrica de preservativo[3], como ficou conhecida, inaugurada em 7 de abril de 2008, foi outro empreendimento dos governos do Partidos dos Trabalhadores visando contribuir com as condições de vida dos moradores da RESEX.

Várias lideranças do Movimento dos seringueiros se aventuraram na política partidária principalmente em Xapuri, todos pelo Partido dos Trabalhadores. Além de vereadores eleitos, Júlio Barbosa, sucessor de Chico Mendes na presidência do Conselho Nacional dos Seringueiros, foi duas vezes eleito prefeito do município de Xapuri – 1996 e 2000. Raimundo Mendes de Barros, primo de Chico Mendes, após quatro mandatos de vereador foi candidato a prefeito para suceder Júlio Barbosa, mas não foi eleito.

A interlocução com um governo de perfil mais receptivo, promotor de políticas públicas dialogando com as demandas do movimento dos seringueiros, colaborou com esse novo momento. A presença de várias lideranças do movimento dos seringueiros em postos de cargos de confiança nos governos petistas atesta a relação de cooperação. No mandato de Binho Marques, 2007 a 2010, a militante do movimento dos seringueiros, Leide Aquino, exerceu o cargo no primeiro escalão de Assessora Especial da Mulher. Além dela, outras lideranças ocuparam cargos de confiança nos diferentes mandatos: Raimundo de Barros, José Maria de Aquino (ex-presidente do CNS), Assis Oliveira (ex-presidente do STR de Xapuri), Luiz Mendes (dirigente do STR de Epitaciolândia), Jaira Silva (Dirigente do Sindicato do STR de Brasiléia).

A relação partido-movimento e encaixe partidário fica evidenciada. A circulação de ideias, de propostas, de militantes e agentes políticos de uma esfera à outra, e também a capacidade de mobilização e pressão interna no partido, está ligada à origem comum do partido e do movimento. O PT no Acre foi fundado em 1980 por muitos militantes de esquerda, o movimento dos seringueiros teve uma participação importante no processo, isso explica o fato de Chico Mendes ter sido o seu primeiro presidente estadual. Além dos seringueiros, convergiram para o partido também os movimentos urbanos e estudantis e que viriam, mais tarde, se tornar a elite partidária como no caso dos governadores Jorge Vianna (1999-2007), Binho Marques (2007-2010) e Tião Viana (2011-2019).

A concepção do que seria Reserva Extrativista propugnada pelos seus idealizadores, desde Chico Mendes, sempre considerou como sendo estratégico a presença da comunidade para a preservação da Floresta. Assegurar em leis as regras e normas orientadoras da conservação ambiental não constitui garantia de êxito antecipado e a presença dos seringueiros e de suas famílias no interior da Reserva era considerada uma variável central para a manutenção da floresta por dois motivos: o primeiro, a luta pela posse da terra tinha, na ótica dos seringueiros, um valor social, econômico e cultural e era a defesa do seu modo de vida. O segundo, o discurso ambiental foi incorporado ao movimento através da interface com intelectuais e ativistas, emergindo fortemente no contexto de luta para a criação da Reserva Extrativista (Almeida, 2004).

Os seringueiros, portanto, eram personagens centrais da política ambiental, ao mesmo tempo em que estavam organizados junto ao partido. A circulação – e as disputas – entre quadros e ideias; o contexto nacional e internacional que se mostrava mais favorável para as questões ambientais, de defesa da floresta e dos povos tradicionais, mediado pelo debate com militantes e intelectuais, também ajudavam a criar um cenário adequado para que o partido assumisse as pautas dos seringueiros. O clima de democratização após o fim da ditadura, com a ampliação da participação e da mobilização social, colocou novos atores políticos em cena também na Amazônia, com o aumento da mobilização de grupos tradicionais e indígenas (Becker, 2005). Esse cenário foi arrefecendo, especialmente a partir dos anos 2000, em conjunto com mudanças de ordem econômica e social no âmbito estadual e nacional.

A desmobilização dos seringueiros

Em entrevista com uma das principais lideranças vivas do movimento dos seringueiros de Xapuri, uma reflexão acerca dessa mudança foi feita aduzindo as razões do fenômeno:

Olha, eu acredito que após a morte do Chico aconteceram muitas coisas desagradáveis. Aconteceu coisas boas após a morte do Chico sem dúvida nenhuma, o reconhecimento da luta dos seringueiros através do poder público nacional com a criação da Reserva foi uma coisa boa. Aquilo que o Chico tinha desenhado junto com a gente pela criação de um espaço na floresta onde garantisse aos seringueiros não mais serem violentados pelo latifúndio e isso se concretizou na sua morte e tantas e tantas coisas. Houve muitas coisas desagradáveis que foi a concorrência de muitos outros setores que se mostravam sensíveis à nossa luta, mas na verdade o que queriam era o status e interesse pessoais isso fez com que fosse travada uma determinada luta pela direção do sindicato e tivemos a infelicidade de termos na presidência do sindicato pessoas que participaram do movimento, mas com interesses pessoais e desconectados de uma preocupação verdadeira do que se precisava e do que estava sendo feita a luta que era coletiva e não individual. Então isso fez com que deixasse de produzir novas lideranças […], então houve essa despolitização, mas em seguida houve essa outra coisa para essa razão de produzir novos militantes (Entrevistado 1, 2024).

Essa fala demonstra pessimismo com a situação da RESEX e com o movimento dos seringueiros. A disputa política do sindicato dos seringueiros teria contribuído com a desmobilização. O entrevistado indica a existência de personalismo e desconexão entre interesses privados e coletivos, além de indicar a dificuldade da formação de novos militantes. Na continuidade da fala, destaca a relação entre o movimento e os governos petistas, indicando conquistas e também prejuízos para a organização:

[…]com a chegada do PT ao poder em que muitos militantes achou (sic) que não se necessitava mais de se fazer militância sindical, militância popular, o nosso governo traria tudo aquilo que a gente aspirava, trabalhava que na realidade vieram, vieram muitas coisas boas, mais muitas coisas boas no governo Lula, no governo Jorge aqui no Acre, mas o melhor deixou de vir que era olhar para o processo de organização dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais né, principalmente os extrativistas. Como os extrativistas é, não olharam para esse lado o poder público olhou para as coisas que vieram pra fazer e não perceberam que isso para o futuro seria uma lacuna muito grande, então foi isso que fez com que não se produzisse mais lideranças (Entrevistado 1, 2024).

A fala reforça a relação de cooperação que existia entre o partido e os seringueiros, de maneira que o movimento se sentiu contemplado com a chegada do PT ao Executivo estadual. Ela nota a ausência de uma formação de novos quadros militantes e atribui a responsabilidade ao partido, ao governo e aos seringueiros. Não indica que a atuação isolada de uma instituição seja capaz de explicar a lacuna na formação de novos militantes nas gerações mais recentes. As conquistas obtidas foram importantes, é salientado, porém poderia se dizer que o horizonte político do movimento acabou limitado por tais conquistas. Como consideraram Bringel & Falero (2016, p. 36), observando em contextos diversos a relação entre movimentos sociais e governos progressistas:

(…) la crisis de los actores clásicos de mediación entre sociedad y política, durante el siglo XX, en América Latina, lleva a la emergencia de nuevos formatos de relación entre movimientos y Estado, pero también, muchas veces, a una mayor desconexión entre los movimientos sociales y el resto de la sociedad, principalmente cuando muchos de ellos dejan de lado el trabajo de base para volcarse principalmente en la incidencia política en las instancias institucionales.

A questão é: é possível estabelecer uma relação direta entre a crise do movimento dos seringueiros à presença do PT nos governos? Para além de uma convergência temporal, quais elementos explicitam tal relação de causa e efeito? O vínculo com o PT e o governo não poderia ter tido outro tipo de resultado do que o arrefecimento do movimento dos seringueiros?

A solução de continuidade na formação de novas lideranças e a ausência de um ambiente de disputa política, por si só, formador de quem dele participa, está presente no conteúdo de várias entrevistas realizadas para este trabalho. Nesse sentido, poderia se dizer que há, efetivamente, uma menor mobilização dos seringueiros. As buscas pelas causas têm indicado que tal desmobilização pode ser resultado dos fins dos subsídios e benefícios que existiam nos governos do PT, o que levaria à necessidade de uma substituição do modo de vida tradicional e, por fim, colocaria em risco a identidade que pautava o movimento (Pantoja, Costa & Postigo, 2010). Por outro lado, nos anos de 2010, a crise do lulismo explicitou uma mudança profunda no tecido social, que colocou, no limite, o fim do governo legítimo do PT no Executivo federal e também impactou diferentes movimentos e grupos que de alguma forma se vinculavam às lutas sociais e aos grupos que surgiram na oposição à ditadura e que tinham bases semelhantes e que dialogam com o PT (Singer, 2018).

Na entrevista com uma das lideranças integrantes do Coletivo Varadouro, um grupo de jovens da Reserva Extrativista Chico Mendes voltado para a resistência como eles mesmos se autodefinem, ouvimos a seguinte avaliação:

(…) Estamos tendo esse trabalho nessa busca de conscientização e aí é onde entram todos para se conscientizar uma nova geração, nossos pais ainda estão vivos e meus avós ainda estão vivos, eu ainda estou nesse lado de conscientização, eu já me sinto conscientizada que nós precisamos do planeta porque a quentura não se reflete só no povo da floresta, ela vai refletir no mundo. Então é isso, eu acho que, eu acho que nós precisamos juntos é, arrumar a casa como diz o seu Júlio: tá desorganizada e realmente eu sou a favor porque eu sou filha e neta de seringueiro e estou me sentindo ameaçada (Entrevistado 2, 2024).

A convergência entre os interesses dos seringueiros e da coletividade é evidenciada nesta fala. O combate ao aquecimento global também retoma a proposta presente na origem do movimento e das lideranças consagradas, construindo uma relação de filiação com os primeiros lutadores. As ameaças manifestam-se dentro da reserva com queimadas, extração de madeira e criação de gado. E a luta:

É pra vida no planeta. O planeta depende sim da Amazônia para a vida no planeta, as vezes o pessoal fala assim, a Amazônia é nossa, a Amazônia é nossa, a Chico Mendes é nossa, porque os nossos guardiões do passado, lutaram para que hoje nós estivéssemos aqui e aqui nós estamos para continuar sim essa luta, essa, esse algo assim que é a luta pela vida. A vida continua, não é assim? Então a nossa luta pela vida é continuar que o Chico Mendes, seu Raimundão e os meus avós e várias outras pessoas tá (sic) nos passando essa experiência de vida e o que nós precisamos é isso, olhar pra eles, ouvir as histórias deles e aprender com eles porque se não, logo eles se vão e ninguém poderá ser o nosso professor né! Então os pais em casa precisam ser os professores dos seus filhos, porque nós não vermos o Chico Mendes, o seu Raimundão passar para nós essas aulas nós não vamos aprender nada (Entrevistado 3, 2024).

Conclusão

Da mobilização e do conflito que marcaram a atuação dos seringueiros no final dos anos 1970 e toda a década de 1980, viu-se a partir da conquista do território uma postura de cooperação com os governos durante a gestão petista (1999-2018). A origem do partido com presença de seringueiros, a convergência do debate ambiental colocado pelos seringueiros, intelectuais e militantes com certa visão de mundo presente no PT e um cenário internacional também marcado pelos debates ambientais: todos esses elementos ajudam a entender a relação entre os seringueiros e o partido, e depois com o governo petista no Acre e no Brasil a partir de Lula 1 e 2 (2002-2010) e Dilma Rousseff 1 e 2 (2011-2016).

A cooperação pode ser verificada em três eixos: na origem do partido e, por isso, compartilharam programas, agentes e estratégias políticas; nas disputas eleitorais, seja com o PT assumindo pautas dos seringueiros ou com a disputa de cargos por militantes do movimento social; e na formulação de políticas públicas, pressionando ou convergindo com elaborações feitas pelo governo e que atenderam as demandas do grupo. A busca pela aprovação de leis e a implementação de políticas públicas garantidoras da melhoria da qualidade de vida da comunidade extrativista requeria uma conduta dos líderes voltada para a interlocução, ainda que a pressão e os conflitos se manifestassem de forma episódica. O diálogo no período referido passou a ser realizado entre companheiros, visto que a maioria das lideranças do movimento dos seringueiros, nas entidades CNS e STRs, era filiada ao Partido dos Trabalhadores.

A relação de cooperação do partido teve implicações na organização rural e sua forma de atuação. Não obstante, outros elementos devem ser considerados: desde a fragilidade crescente de sindicatos no mundo, passando por crises políticas recentes no Brasil que respingaram em grupos e associações ligadas ao partido. É inegável, no entanto, que o perfil da luta se modificou, ficando circunscrito às disputas de ordem institucional. Porém, mesmo para buscar ocupar espaços na institucionalidade é preciso formação política, o que está bastante fragilizado atualmente. O Coletivo Varadouro, formado por jovens que se reivindicam como de resistência, herdeiros do ideário de Chico Mendes e seus companheiros, é a garantia que o movimento dos seringueiros ainda tem fogo para queimar, ou para apagar.

Referências

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Almeida, M. W. (2004). Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19, 33-52.

Almeida, M. W., Allegretti, M. H., & Postigo, A. (2018). O legado de Chico Mendes: êxitos e entraves das Reservas Extrativistas. Desenvolvimento e Meio Ambiente. https://doi.org/10.5380/dma.v48i0.60499

Becker, B. K. (2005). Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, 19, 71-86.

Bringel, B., & Falero, A. (2016). Movimentos sociais, governos progressistas e Estado na América Latina: transições, conflitos e medições. Caderno CRH, 29(sp3), 27-45. https://doi.org/10.1590/S0103-49792016000400003

Buci-Glucksmann, C. (1980). Gramsci e o estado (2a ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Chacchi Ruiz, R., et al. (2022). Políticas públicas ambientais do Estado do Acre: 1988 a 2021. Instituto Clima e Sociedade. Disponível em:

https://climaesociedade.org/de-1988-ate-2021-a-historia-das-politicas-ambientais-no-acre/ [Acesso em 23 de dez. 2024].

Barros, R. M. (2023). Entrevista com. Morador da RESEX Chico Mendes, 15 de dezembro de 2023.

Gramsci, A. (1977). Quaderni del carcere (Edição crítica do Instituto Gramsci, V. Gerratana, Ed.). Turim: Giulio Einaudi.

Gohn, M. G. M. (1997). Teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Edições Loyola.

Lanes, I. P. da S. (2023). Entrevista com. Moradora da RESEX Chico Mendes, 20 de dezembro de 2023.

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Pantoja, M. C., Costa, E. L., & Postigo, A. (2010). A presença do gado em reservas extrativistas: algumas reflexões. Revista Pós Ciências Sociais, 6(12), 115-130.

Poulantzas, N. (2019). Poder político e classes sociais (1ª ed.; M. L. F. R. Loureiro & D. E. Martuscelli, Trad.). Campinas: Editora da Unicamp.

Schwarcz, L. M., & Starling, H. (2018). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.

Singer, A. (2018). O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016)*. São Paulo: Companhia das Letras.

  1. A Reserva Extrativista Chico Mendes é uma unidade de conservação federal do Brasil categorizada como reserva extrativista e criada por Decreto Presidencial em 12 de março de 1990. Outras reservas extrativistas foram criadas posteriormente no Brasil e no Acre existem atualmente cinco reservas deste tipo.
  2. Tinha a finalidade de criar oportunidade de investimento com fins produtivos para pequenos produtores e populações tradicionais, visando melhorar suas condições de bem-estar, de acordo com os padrões do desenvolvimento humano sustentável, combatendo a pobreza e reduzindo a degradação ambiental.
  3. A NATEX, ou fábrica de preservativo, foi uma iniciativa voltada para fomentar a cadeia produtiva do látex envolvendo as famílias da RESEX Chico Mendes. Eram 150 empregos diretos e 500 indiretos. A valorização do preço da matéria prima aquecia a economia do município de Xapuri, gerava renda, mantinha as famílias na RESEX, preservava o meio ambiente e contribuía com a saúde pública.