(Texto publicado originalmente no dia 30 de setembro de 2022)
João Paulo S. L. Viana; Patrícia M. C. de Vasconcellos; Melissa V. Curi; Jamila Martini
1. Introdução
Nas eleições de 2018, Rondônia evidenciou-se como um importante reduto bolsonarista no País. Além de constituir-se, proporcionalmente, um dos maiores eleitorados entre as unidades federadas, o estado foi o único em que o Jair Bolsonaro (PL) venceu em todos os municípios, em 1⸰ e 2⸰ turno. Na disputa eleitoral desse ano, Rondônia, com aproximadamente 0,8% do eleitorado nacional, apresenta um quadro completamente favorável ao bolsonarismo com os principais candidatos nas eleições majoritárias e proporcionais reivindicando o apoio ao atual presidente, independente dos partidos políticos aos quais estão filiados.
No tocante ao eleitorado rondoniense, cumpre mencionar que, durante o período de transição do antigo território ao estado há um notório deslocamento do poder político de Porto Velho à parte leste rondoniense, região da BR-364 (VIANA, 2019). Embora o processo de mudança geográfica da elite política de Rondônia se consolide apenas na primeira metade da década de 1990, essa nova dinâmica estava em curso antes mesmo das eleições inaugurais de 1982 para a ALE-RO. O poderio econômico da região da BR-364, aliado ao aumento substancial do eleitorado comparado à capital Porto Velho, foram alguns dos determinantes para que essa nova elite política se tornasse hegemônica, em meados da década de 1990.
Nesse contexto, analisar a distribuição espacial da votação dos principais puxadores de votos nas eleições proporcionais de 2018 e seus financiadores de campanha torna-se imprescindível para uma melhor compreensão da representação política no estado. Naquela eleição, embora tenha se mantido o padrão de maioria dos eleitos à Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa possuir reduto eleitoral em municípios na parte leste rondoniense, especialmente, no corredor BR-364, os campeões de votos nesses níveis de disputa vieram do trecho Madeira-Guaporé, da capital Porto Velho e do Vale do Guaporé, respectivamente. Nossa hipótese é de que isso tenha ocorrido pela alta competitividade de candidatos com base eleitoral na região leste rondoniense, o que fragmentaria o voto nesta área do estado, mesmo com um maior número de representantes eleitos.
Assim, no presente boletim, inicialmente, apresentaremos uma breve retrospectiva da trajetória política, assim como a distribuição da votação dos campeões de votos nas eleições à Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa em Rondônia, Leo Moraes (Podemos) e Lebrão Clemente (União Brasil), respectivamente. Posteriormente, realizaremos um levantamento dos principais financiadores de campanha. Por fim, avaliamos as perspectivas sobre as candidaturas de Leo Moraes ao governo estadual e de Lebrão Clemente à Câmara dos Deputados.
2. Deputado Federal Leonardo Barreto de Moraes (Léo Moraes) – Podemos
Léo Moraes nasceu em Foz do Iguaçu, migrando para Porto Velho ainda com poucos meses de idade. Filho do já falecido delegado de polícia civil, Paulo Moraes, ex-deputado estadual e ex-presidente da Câmara Municipal de Porto Velho, sua mãe, Sandra Moraes, servidora de carreira da Justiça do Trabalho, também foi presidente da Câmara de Vereadores. Formado em Direito pela PUC-PR, Moraes foi presidente do Diretório Central dos Estudantes daquela instituição. De volta a Porto Velho, em 2012 sagrou-se vitorioso a uma vaga na Câmara de Vereadores pelo PTB, assegurando, dois anos depois, uma cadeira na Assembleia Legislativa. No ano de 2016, ainda pelo PTB, concorreu à prefeitura de Porto Velho, sendo derrotado no segundo turno da disputa pelo atual prefeito Hildon Chaves (PSDB).
Após conquistar expressiva votação à prefeitura de Porto Velho, Léo Moraes, agora filiado ao Podemos, foi eleito em 2018 o deputado federal mais votado do estado. Na atual legislatura, desempenhou a função de líder da bancada do Podemos na Câmara dos Deputados. Esse ano, concorre ao cargo de governador e está atualmente na 3ª colocação, segundo a última pesquisa IPEC. Político moderado, ideologicamente de centro-direita, embora tenha apoiado o atual presidente em diversas votações no parlamento, Moraes busca apresentar-se como uma alternativa à polarização entre o bolsonarismo e o petismo, no estado.
Na eleição de 2018, Léo Moraes obteve 46.985 votos na capital, o que representa mais de 2/3 de sua votação, de um total de 69.565 escrutínios. No mapa 1, do índice de Moran, é possível verificar que nas áreas vermelhas há uma aglomeração (cluster) de municípios em que Léo Moraes recebeu uma baixa concentração de votos em relação à cidade vizinha, Porto Velho. Ou seja, essas localidades, em vermelho, estão circundadas por áreas onde Léo Moraes recebeu uma alta concentração de votos, especificamente, a capital Porto Velho. Por exemplo, no município de Buritis o candidato recebeu apenas 250 votos, já no município vizinho, Porto Velho, Léo Moraes recebeu 46.985 votos. O mesmo ocorre com o município de Nova Mamoré. Embora Moraes tenha sido o mais votado naquela cidade, com 1.319 votos, por estar situada geograficamente ao lado de Porto Velho, a votação é muito inferior ao total de escrutínios recebidos pelo candidato na capital, o que justificaria a inclusão de Nova Mamoré no cluster em vermelho.
Mapa 1 Índice de Moran – Deputado Federal
Fonte: Equipe LEGAL -RO
No mapa 2, observam-se os mais votados para o cargo de deputado federal em cada um dos 52 municípios rondonienses. É possível visualizar que, além da capital, Porto Velho, Léo Moraes também se sagrou o mais votado no município de Nova Mamoré.
Mapa 2 Deputado Federal – mais votados por município
Fonte: Equipe LEGAL -RO
Conforme o mapa 3, podemos verificar o desempenho eleitoral de Léo Moraes em cada cidade rondoniense e a percentagem que a votação obtida em cada um dos 52 municípios representa no resultado total do candidato.
Mapa 3 Deputado Federal – votação de Léo Moraes por município
Fonte: Equipe LEGAL -RO
Reduto eleitoral de Léo Moraes, Porto Velho, fundado em 1914, é o município brasileiro mais extenso territorialmente, maior, inclusive, do que países como Bélgica e Israel. Durante muito tempo a cidade foi considerada uma “economia de contracheque”, pela forte dependência econômica com o funcionalismo público. Entretanto, há alguns anos a capital rondoniense vem se diversificando economicamente, o que resultou no aumento exponencial do PIB desde o final da primeira década deste século, período que coincide com a construção na cidade de duas das maiores hidrelétricas do País, Santo Antônio e Jirau. Atualmente, além do setor de serviços, a construção civil detém um papel importante na economia local, ao lado da pecuária, agricultura, com o cultivo de arroz, mandioca, milho, e também a exploração de minérios, especificamente, cassiterita e ouro. Porto Velho possui o quarto maior PIB da região Norte.
2.1 Financiadores de Campanha – Leo Moraes
Na eleição de 2018 Léo Moraes declarou à Justiça Eleitoral R$ 974.820,96 de gastos com sua campanha à Câmara dos Deputados. Desse montante, R$ 623.000,00, ou seja, mais de 60%, foi proveniente de doação do Fundo Eleitoral repassados pelo Podemos a sua candidatura. Moraes investiu R$ 206.010,00 de recursos próprios, o que equivale a pouco mais de 20% do total. O então candidato também contou com pequenas doações de pessoa física, contabilizando quase R$ 150.000,00. O gráfico 1 apresenta a receita total e os principais financiadores da campanha de Leo Moraes à Câmara Federal em 2018.
Gráfico 1: Receitas – Eleições 2018 – Léo Moraes
Fonte: TSE – Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
Cumpre mencionar que a disputa de 2018 é a primeira eleição geral após a proibição do financiamento empresarial de campanhas, ocorrido em 2015. Em um contexto de novas regras em vigor, por se tratar de uma liderança regional, com carreira política em ascensão, inclusive, tendo sido fundador do Podemos rondoniense, Léo Moraes foi contemplado com grande parte dos recursos financeiros destinados à legenda no estado. A tabela 1 apresenta a totalidade da receita de Moraes na eleição à Câmara Federal em 2018.
Tabela 1: Receitas – Eleições 2018 – Léo Moraes
Eleições 2018 – Léo Moraes |
Receitas |
Direção Nacional – Podemos |
623.000,00 |
Leonardo Barreto de Moraes |
206.010,00 |
José Moreira Pinto |
5.000,00 |
Jeferson Magalhães Pereira |
5.000,00 |
José Roberto Bento de Figueiredo |
3.285,00 |
Luiz Pereira |
2.500,00 |
Milene Sueli Souza Coelho |
2.300,00 |
José Antonio Alves Rodrigues |
2.000,00 |
Doações individuais de valores abaixo de R$ 2.000,00 |
125.725,96 |
Total |
974.820,96 |
Fonte: TSE – Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
2.2. Perspectivas para 2022
Embora com grandes possibilidades de repetir nas eleições de 2022 o êxito da votação à Câmara dos Deputados em 2018, Léo Moraes optou por candidatura própria ao executivo estadual. Ainda que durante seu mandato tenha apoiado o governo Bolsonaro (PL) em importantes votações no parlamento, inclusive, durante o período em que ocupou a liderança da bancada do Podemos, Moraes se distanciou da base governista durante a pandemia.
Na disputa atual ao governo rondoniense, Léo Moraes busca se apresentar como uma alternativa ao quadro de polarização entre o bolsonarismo e o petismo que marca a atual política brasileira. Não obstante, diante de uma conjuntura política radicalizada em Rondônia, com forte predomínio de políticos de extrema-direita, Moraes não tem conseguido crescer nas pesquisas. Apesar de ocupar a 3ª colocação, conforme a pesquisa IPEC divulgada no dia 17 de setembro, tudo indica que ficará fora do segundo turno que deverá ser disputado entre o atual governador Marcos Rocha (União Brasil) e o senador Marcos Rogério (PL), ambos apoiadores do bolsonarismo.
Se os prognósticos das pesquisas se confirmarem nas urnas, com a derrota, Léo Moraes deverá se preparar para disputar a prefeitura de Porto Velho em 2024. Certamente, trata-se de um político jovem, puxador de votos, de inegável carisma. Mesmo diante de uma realidade política dominada pelo ultraconservadorismo, que se perpetua desde 2018, Moraes pode ser consolidar como a liderança de uma direita moderada e fazer frente ao radicalismo atualmente no poder no estado.
3. Deputado Estadual Eurípedes Clemente (Lebrão) – União Brasil
Com base política na região do Vale do Guaporé, especificamente, nas cidades de Costa Marques, São Francisco do Guaporé, São Miguel do Guaporé e Seringueiras, tendo sido também o mais votado no pequeno município de Novo Horizonte D’oeste, o deputado José Eurípedes Clemente (União Brasil), o Lebrão, possui mandato na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia (ALE-RO) desde 2009, quando assumiu ainda como como suplente. Natural do estado de São Paulo, empresário do ramo madeireiro, Lebrão foi vice-prefeito de Costa Marques e construiu carreira política no MDB. Eleito, posteriormente, em 2010 e 2014, na eleição de 2018 Lebrão foi o campeão de votos para a ALE-RO.
Com 20.357 votos, Lebrão sagrou-se o candidato mais votado na disputa deputado estadual. No mapa 4 é possível verificar que aproximadamente metade da votação obtida pelo representante foi concentrada em importantes municípios do Vale do Guaporé, na qual Lebrão recebeu a maioria dos escrutínios nas cidades de São Francisco do Guaporé, Costa Marques e Seringueiras. No município de São Francisco do Guaporé, onde sua filha Lebrinha (União Brasil) foi prefeita recentemente por dois mandatos, o parlamentar obteve 4.624 votos, o que corresponde a 62,18% dos votos válidos da localidade, quase 1/4 de sua votação total. No mapa 4 é possível visualizar a expressiva votação de Lebrão nesses três municípios, onde ele sagrou-se campeão de votos, e também na cidade de São Miguel do Guaporé, localidade na qual o parlamentar obteve expressiva votação.
Mapa 4 Índice de Moran – Deputado Estadual
Fonte: Equipe LEGAL -RO
No mapa 5 é possível visualizar os candidatos mais votados para a Assembleia Legislativa de Rondônia na eleição de 2018. De um total de 52 municípios, o parlamentar alcançou cerca de metade de sua votação em cidades situadas no Vale do Guaporé. Ressalta-se também o município de Novo Horizonte D’oeste, pequena localidade na região da Zona da Mata, nas proximidades do Vale do Guaporé, na qual Lebrão também se sagrou o mais votado, obtendo 751 votos.
Mapa 5 Deputado Estadual – mais votados por município
Fonte: Equipe LEGAL -RO
O mapa 6 apresenta o desempenho de Lebrão nos 52 municípios rondonienses. Embora aproximadamente metade dos votos do parlamentar tenham sido obtidos em seu reduto eleitoral, no Vale do Guaporé, a conquista de uma expressiva votação também em outras cidades, como a capital, Porto Velho, maior colégio eleitoral do estado, contribuiu diretamente para que Lebrão se tornasse o mais votado na disputa à ALE-RO. É possível verificar também a percentagem que a votação obtida em cada um dos 52 municípios representa no resultado total do candidato.
Mapa 6 Deputado Estadual – votação de Lebrão por município
Fonte: Equipe LEGAL -RO
Reduto eleitoral de Lebrão, o Vale do Guaporé está localizado no oeste rondoniense, na divisa com a Bolívia. É em Costa Marques, cidade na qual Lebrão foi vice-prefeito, que fica situado o Forte Príncipe da Beira, maior construção militar portuguesa fora de Portugal, construída no século XVIII. No passado, a região foi uma importante produtora de borracha e ouro. Atualmente, possui como principais atividades econômicas a pecuária, a exploração de madeira, e a agricultura, com a produção de café, soja, arroz e milho, entre outros. A expansão da fronteira agrícola no Vale do Guaporé vem de encontro a questões de preservação ambiental na Amazônia.
3.1. Financiadores de Campanha – Lebrão Clemente
No pleito de 2018, Lebrão, então filiado ao MDB, declarou à Justiça Eleitoral o valor de R$ 323.801,70 gastos com sua campanha à Assembleia Legislativa. Desse total, R$ 150.000,00 foi proveniente de doação do Fundo Eleitoral repassado à campanha de Lebrão pelo candidato do MDB ao Senado Federal, o ex-governador Confúcio Moura. O então deputado federal e candidato à reeleição, Lúcio Mosquini, também repassou à campanha de Lebrão, via recursos do Fundo Eleitoral, o valor de R$ 100.000,00. Ambas doações conjuntamente correspondem a mais de 3/4 do total de gastos da campanha de Lebrão.
Confúcio Moura também doou R$ 66.000,00, o que equivale a cerca de 20% da receita total de campanha de Lebrão. Além disso, Lebrão contou com pequenas doações de pessoa física, contabilizando aproximadamente R$ 7 mil. Inclusive, o então presidente da ALE-RO e candidato do MDB ao governo, Maurão de Carvalho, aparece entre os pequenos doadores, com R$ 988,50
Importante frisar que, em princípio, a campanha de Lebrão apresenta um baixo custo financeiro. Não obstante, em se tratando de um político tradicional que disputava o seu quarto mandato para a ALE-RO, muito conhecido do eleitorado, com boa parte de sua votação concentrada em pequenos municípios que compõem uma mesma região, torna-se compreensível o valor declarado à Justiça Eleitoral pelo parlamentar. O gráfico 2 apresenta a receita e os principais financiadores da campanha de Lebrão a deputado estadual em 2018.
Gráfico 2: Receitas – Eleições 2018 – Lebrão
Fonte: TSE – Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
A tabela 2 reproduz com maior detalhamento a lista de financiadores do candidato Lebrão Clemente e os respectivos valores.
Tabela 2: Receitas – Eleições 2018 – Lebrão
Eleições 2018 – Lebrão |
Receitas |
Eleições 2018 Confúcio Aires Moura Senador – Fundo Especial |
150.000,00 |
Eleições 2018 Lucio A Mosquino Deputado Federal – Fundo Especial |
100.000,00 |
Confúcio Aires Moura |
66.840,00 |
Gilmaria Moura Ferreira |
3.020,00 |
Durle Serrate |
1.500,00 |
Almerindo Ribeiro Ferreira |
1.013,20 |
Maurão de Carvalho |
988,50 |
Financiamento Coletivo |
440,00 |
Total |
323.801,70 |
Fonte: TSE – Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.
3.2. Perspectivas para 2022
Na eleição de 2022, Lebrão, agora filiado ao União Brasil, disputa uma vaga na Câmara dos Deputados, enquanto sua filha, Lebrinha, ex-prefeita de São Francisco do Guaporé, também filiada ao União Brasil, concorre a uma cadeira na ALE-RO. Não há dúvidas de que se trata de um político experiente, puxador de votos, dono de vasta fatia do eleitorado em vários municípios na região do Vale do Guaporé.
Entretanto, denúncias recentes de corrupção envolvendo o candidato e sua filha podem impactar no desempenho de ambos nas urnas. Até mesmo pela mudança no nível de disputa, já que Lebrão concorre esse ano à Câmara dos Deputados, talvez a eleição de Lebrinha à ALE-RO seja algo mais provável, tendo em vista que, além de ex-prefeita por dois mandatos ela tende a receber boa parte do eleitorado do pai. De fato, Lebrão abandonou a tentativa de conquistar seu quinto mandato à ALE-RO, tida por analistas políticos regionais como certa, para alçar voos maiores na Câmara Federal. Resta saber se repetirá o feito de outras disputas do passado.
Referências
VIANA, João Paulo Saraiva Leão. Do Território ao Estado, de Porto Velho à BR-364: a mudança na elite política em Rondônia. Olhares Amazônicos, v. 7, 2019.