Marilene Corrêa da Silva Freitas, Ludolf Waldmann Júnior, Paula Mirana Sousa Ramos, Breno Rodrigo de Messias Leite, Simone Machado de Seixas, Tereza de Sousa Ramos
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a Amazônia ganhou significativo destaque na agenda global ambiental em razão das mudanças climáticas e do crescimento significativo do desmatamento, das queimadas e a intensa exploração predatória dos recursos naturais na região, intensificadas durante a presidência de Jair Bolsonaro (2019 -2022). Nesse sentido, como contraponto ao antigo presidente, o governo Lula (2023 – hoje) tem dado grande destaque à agenda ambiental na Amazônia, apesar das críticas que apontam seus esforços como insuficientes.
Pese a relevância do governo federal e de seus órgãos no esforço de preservação do bioma amazônico, outros importantes atores governamentais estão envolvidos nas políticas ecológicas na região. Os estados são especialmente relevantes, considerando que sua presença e recursos os tornam estratégicos nos programas voltados para preservação ecológica e desenvolvimento sustentável. Desta maneira, o objetivo do presente boletim é fazer um balanço das principais políticas ambientais realizadas pelo estado do Amazonas durante as duas administrações de Wilson Lima, de 2019 até os dias atuais. Para isso, utilizamos as informações disponíveis no site da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA-AM), complementadas com consultas realizadas em portais de notícias.
O caso amazonense mostra-se relevante não apenas pelas dimensões do estado, o maior da região amazônica, mas também por evidenciar as mudanças nas políticas ambientais nos últimos anos. O Amazonas é (ao lado do Amapá) o estado na Amazônia Legal que mais conservou sua cobertura vegetal nativa, bem como um pioneiro e referência em projetos de preservação ecológica, política ambiental de desenvolvimento sustentável que alcançava parte significativa do estado. No entanto, os últimos anos foram marcados pelo crescimento significativo do desmatamento, de crimes ambientais e crises climáticas, evidenciadas tanto em cheias e secas históricas, bem como pela fumaça que cobre anualmente a cidade de Manaus oriunda das queimadas florestais.
WILSON LIMA E AGENDA AMBIENTAL
Em 2018, durante a campanha ao governo do estado, o então candidato Wilson Lima (então no Partido Social Cristão, PSC) pouco abordou sobre a agenda ambiental, focando-se num discurso com uma pauta punitivista ligada à segurança pública, que em grande medida refletia suas posições enquanto apresentador de programas policiais e que tinha grande eco no eleitorado amazonense. Assim, suas propostas sobre o meio ambiente eram um tanto vagas, ao mesmo tempo em que se alinhou com Jair Bolsonaro como forma de mobilizar votos – seu adversário no segundo turno, Amazonino Mendes (Partido Democrático Trabalhista, PDT), também fez acenos para o campo bolsonarista. Dessa maneira, mesmo antes do resultado das eleições para o governo estadual, especialistas já se mostravam pessimistas quando à pauta ambiental no Amazonas.
O primeiro governo de Wilson Lima (2019-2022) foi marcado pelo alinhamento com o presidente Bolsonaro, cujas políticas públicas ambientais foram notadamente marcadas por retrocessos. Dessa maneira, apesar de ter cumprido diversas de suas promessas sobre o meio ambiente ainda no primeiro ano de seu governo, o Amazonas assistiu à um crescimento exponencial no desmatamento e nas queimadas, particularmente na região sul do estado. Os dados de 2021 já indicavam um aumento de 62% na área desmatada em relação ao ano anterior e o Amazonas passou a ser o segundo estado que mais desmatou no Brasil. Wilson Lima, em particular, acabou virando alvo de diversas ações, tanto no Tribunal de Contas do estado, que o acusava de omissão no combate aos crimes ambientais, cobrando providências para reduzir os índices recordes de devastação, como no Ministério Público de Contas estadual, que denunciou um mau uso dos recursos públicos no combate ao desmatamento.
Da mesma maneira, alguns acontecimentos revelaram o descaso, quando não a conveniência, de setores de seu governo com os crimes ambientais praticados no estado. Destacam-se, de um lado, o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no extremo oeste do estado, em junho de 2022, que geraram grande repercussão internacional e amplificaram as críticas feitas à política ambiental brasileira e amazonense. De outro, cabe lembrar que houve denúncias e investigações sobre a cúpula da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) de envolvimento com o garimpo ilegal de ouro no estado, contribuindo para a queda de dois titulares da pasta, em 2021 e em 2023.
Apesar do cenário de aumento expressivo da destruição ambiental, incluindo queimadas e fumaça cobrindo a cidade de Manaus, principalmente durante o verão amazônico, os programas de governos dos candidatos ao Executivo amazonense, nas eleições de 2022, pouco tratavam sobre a agenda ecológica, sobre o desenvolvimento sustentável ou propostas em relação às mudanças climáticas. A situação foi a mesma no segundo turno, onde tanto Wilson Lima (agora no União Brasil, UB) como Eduardo Braga (Movimento Democrático Brasileiro, MDB) desconsideravam a questão da alta do desmatamento e apostavam em propostas com alto risco ambiental, como a reconstrução da BR-319 – que conecta a capital amazonense com Boa Vista e é vista como potencializadora para ampliação do “arco de desmatamento” do sul do estado –, a mineração e exploração de gás natural. Mesmo em meio à uma seca histórica e à revelia da desastrosa atuação durante a pandemia de Covid-19, Lima venceu o pleito com 56,65% dos votos válidos.
No âmbito nacional, o terceiro governo Lula reverteu grande parte das políticas ambientais de seu antecessor e anunciou a Amazônia como uma de suas prioridades. Dessa maneira, houve uma redução considerável dos índices de desmatamento, pesem as críticas recentes à atuação do governo em meio à novas queimadas e na seca histórica que o país viveu neste ano. Nesse novo cenário, Lima reajustou seu discurso em sua nova administração, a partir de 2023, passando a defender metas mais ambiciosas para o controle do desmatamento e buscando captar recursos no exterior. Ambientalistas, pesquisadores e órgãos indígenas criticam o governador por apresentar um discurso ecológico no exterior ao mesmo tempo em que defende medidas de alto impacto ambiental dentro do estado, como a mineração e as obras na BR-319.
Dessa maneira, o governo de Wilson Lima tem se mostrado contraditório em sua agenda ambiental, marcado por retrocessos significativos em seu primeiro mandato e uma reorientação no discurso durante segundo, pese a ausência de políticas públicas mais efetivas e encorpadas. A SEMA-AM aponta, em seu site, vinte e quatro (24) programas e ações realizados pelo governo do estado no que se refere ao meio ambiente, que constituem as principais políticas realizadas durante os dois mandatos de Wilson Lima. Cabe destacar que grande parte delas foi gestada e implementada durante o seu segundo mandato. Reunimos aqui as políticas a partir de eixos temáticos, considerando que alguns programas/ações tratam de assuntos similares.
PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Amazonas (PPCDQ-AM) é um programa que prevê ações bienais de fiscalização e prevenção. Iniciado em 2020, está hoje em sua quarta fase e visa reduzir em 10% o desmatamento e em 15% os focos de calor no estado. Toma como áreas prioritárias a região metropolitana de Manaus, cidades do sul do estado e os municípios de Maués e Tapauá, integrando ações realizadas por diversas secretarias estaduais e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).
Seus resultados, em particular durante suas primeiras fases, foram consideravelmente negativos. Quando anunciou o plano, em 2020, Lima apontava que a expectativa era reduzir o desmatamento até 2022 em 15% em relação a 2019, porém o que se viu em 2022 foi que o Amazonas se tornou o segundo maior estado desmatador no país, com crescimento constante nos índices de devastação florestal. No que se refere às queimadas, os últimos anos tiveram um crescimento expressivo nos focos de incêndio do estado, com um número recorde em 2024. Manaus foi frequentemente coberta por nuvens de fumaça e por diversas vezes esteve entre as cidades com piores índices de qualidade do ar do mundo; numa tentativa de se deslocar dessa crise, Lima chegou a atribuir o fenômeno às queimadas no Pará, apesar da posição unânime de pesquisadores e ambientalistas que sua origem estava no sul do Amazonas.
Ainda no que se refere à prevenção e fiscalização do desmatamento e outros crimes ambientais, o governo do estado realiza o Projeto Floresta Viva, executado em parceria do SEMA-AM, SSP-AM e IPAAM, com recursos repatriados pela Operação Lava Jato, com foco também no sul do Amazonas e na região metropolitana de Manaus. O Programa Guardiões da Floresta, por sua vez, é uma reestruturação do antigo Bolsa Floresta. Iniciado ainda no primeiro mandato de Lima e uma de suas promessas ambientais para a reeleição, foi o seu fortalecimento. Essencialmente, a iniciativa visa oferecer recompensas financeiras para populações tradicionais que assumem o compromisso formal do desmatamento ilegal zero e a participação em atividades que promovam a conservação. Essa política, que beneficiou mais de 8 mil famílias, está inserida no Programa Amazonas 2030, para ser financiado a partir da venda de créditos de carbono.
O Programa Agentes Ambientais Voluntários (AAV) visa capacitar e conscientizar lideranças comunitárias nas Unidades de Conservação (UC) Estaduais, com foco na educação ambiental e mobilização social, em apoio às atividades de monitoramento, preservação e conservação da biodiversidade. O programa, realizado desde 2008, precede o governo Wilson Lima e já capacitou mais de 2,3 mil voluntários. No início deste ano, o Amazonas também se tornou o primeiro estado brasileiro a adotar o Aplicativo Smart, que consiste num software já utilizado em 55 países que serve de base de coleta e armazenamento de dados ambientais, permitindo a análise automática da biodiversidade da área, bem como a avaliação do nível de conservação ou de perturbação do ambiente. Assim, representa uma aposta no uso da tecnologia como forma de fortalecer o monitoramento da biodiversidade e facilitar a gestão das UC, além de formulação de políticas públicas para benefício de populações tradicionais. Essa iniciativa conta com apoio de importantes organizações não-governamentais (ONGs), como a Wildlife Conservation Society e World Wide Fund for Nature (WWF).
Uma das principais apostas de Wilson Lima na área ambiental é o Programa REDD+, que começou a ser construído em 2020 e foi uma de suas promessas apresentadas em sua campanha de reeleição. O projeto é um conjunto de incentivos econômicos, que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal. A proposta do sistema é recompensar financeiramente países em desenvolvimento (como o Brasil) por seus resultados relacionados à recuperação e conservação de suas florestas. Foi desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em 2013.
Desta forma, o Amazonas foi o primeiro estado do Brasil a ter um sistema de REDD+, implementando projetos nas áreas das UC amazonenses a partir de parcerias público-privadas com metas de redução do desmatamento e projetos de crédito de carbono. Para o recebimento das verbas oriundas das reduções, será criado o Fundo Amazonas 2030, gerido pela Companhia Amazonense de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos (CADA), que captará recursos para a agenda de desenvolvimento sustentável e combate aos impactos das mudanças climáticas, conforme os eixos prioritários descritos no programa.
Em um primeiro viés, o modelo resolve um problema crônico que desafiava a implementação do mercado de carbono no Amazonas, a regularização fundiária, tendo em vista a legitimidade das terras públicas. De igual forma, o projeto se consolida como inovador ao destinar 85% de todo o recurso obtido com a venda dos ativos para o Estado, dos quais 50% devem ser obrigatoriamente voltados a investimentos dentro da própria UC que gerou os créditos.
O Projeto REDD+ sofreu uma série de críticas em relação a sua execução e o Ministério Público Federal (MPF) recomendou, em agosto de 2024, a suspensão das atividades em razão da falta de consulta prévia das comunidades selecionadas, possibilitando a violação dos direitos dessas comunidades, pois o programa do governo não deixa claro se as comunidades receberão alguma compensação dos benefícios. Além da recomendação do MPF, o projeto sofre críticas em relação a sobreposição com territórios indígenas, a possibilidade de ineficácia do projeto em mitigar os impactos da crise climática, a supervalorização que pode prejudicar a economia de países em desenvolvimento, além de denúncias de fraudes investigadas pela Polícia Federal no Amazonas.
Outros programas envolvem parcerias com órgãos internacionais, como o Projeto Floresta em Pé, que faz parte do programa de Florestas Tropicais do KfW (Banco de Desenvolvimento Alemão) e prevê investimentos de 13 milhões de euros para a fiscalização de crimes ambientais, fortalecimento da gestão ambiental de municípios e fomento para projetos em bioeconomia. Apesar de aprovado, o programa ainda não teve início. O programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), por sua vez, é uma iniciativa conjunta patrocinada por agências governamentais e não governamentais para expandir a proteção da floresta amazônica. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, tem o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) como gestor e executor financeiro, com financiamentos do KfW, Global Environment Facility (GEF) por meio do Banco Mundial, a Fundação Gordon and Betty Moore, a AngloAmerican e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
Esse projeto antecede o governo de Wilson Lima, lançado em 2002 pelo Governo do Brasil e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, atuante desde o seu lançamento. A principal meta do programa ARPA é, até 2039, apoiar a conservação e o uso sustentável de 60 milhões de hectares, o equivalente a 15% da Amazônia brasileira. No Amazonas, recursos do ARPA têm apoiado atividades de gestão em 24 UCs em 34 municípios do Amazonas, assim como a criado mecanismos que garantam o desenvolvimento sustentável das áreas protegidas contempladas.
Similarmente, o Projeto Paisagens Sustentáveis, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, atua em apoio à expansão das áreas sob proteção legal e a melhoria da sustentabilidade dos sistemas de UC. Em colaboração com órgãos estaduais, a proposta visa promover a redução de ameaças à biodiversidade, a recuperação de áreas degradadas, o aumento dos estoques de carbono, além do desenvolvimento de boas práticas de manejo florestal e o fortalecimento de políticas e planos voltados à conservação e recuperação ambiental na Amazônia.
A iniciativa é executada pela Conservação Internacional Brasil (CI Brasil), Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com Instituições de Meio Ambiente Nacionais e Estaduais, como a Sema, e financiado pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e implementado pelo Banco Mundial. Envolve ações como atividades de inventário florestal em áreas de UC na região sul do Amazonas, plantio de espécies nativas em áreas degradadas, concessões florestais estaduais para uso sustentável, implementação de acordos com pescadores e formação de agentes ambientais voluntários.
BIOECONOMIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A ideia da sustentabilidade, integrando a preservação do meio ambiente com a geração de renda e riquezas, estrutura diversas políticas ambientais realizadas pela SEMA-AM nos últimos anos. Nessa dimensão, podemos destacar a política de Concessões Florestais, que visa promover a produção sustentável, o desenvolvimento econômico regional e a conservação das florestas públicas estaduais. Essa política tem suas origens na lei estadual de Gestão de Florestas (Lei nº 4.415/2016), que antecede a administração de Lima, mas foi implementada a partir de projeto aprovado em 2020.
Para sua realização, a partir de 2023 o governo do estado publicou o Plano de Outorga Florestal do Estado (POFE), que é um documento anual elaborado para a concessão de florestas públicas estaduais, considerando exceções como as UCs de proteção integral, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), das reservas extrativistas, das reservas de fauna e das áreas de relevante interesse ecológico, bem como de terras indígenas, das áreas ocupadas por comunidades locais e das áreas de interesse para a criação de UCs. Dessa maneira, foram selecionadas oito florestas públicas para concessão (Florestas Estaduais de Apuí, Aripuanã, Manicoré, Sucunduri, Canutama, Tapauá, Maués e do Rio Urubu) e, atualmente, a Floresta Estadual de Maués está em vias de se tornar a primeira delas em concessão.
O Projeto Consolidando é realizado pela SEMA-AM, desde 2021, junto à Agência Amazonense de Desenvolvimento Econômico Social e Ambiental (Aadesam), para fortalecer a implementação das políticas socioambientais nas UCs do Estado do Amazonas. A proposta é apoiar e melhorar as boas práticas de produção rural e dos produtos da bioeconomia de forma alinhada às iniciativas de conservação e recuperação ambiental. Para tanto, o projeto tem avançado na contratação de pessoal, para ampliar as atividades de campo, além de realizar diagnósticos das cadeias produtivas e capacitações visando o empoderamento comunitário.
Seus objetivos são: a) fortalecimento das políticas socioambientais para contribuir com a conservação da biodiversidade de forma estratégica; b) o desenvolvimento do estado do Amazonas no âmbito sustentável; c) promoção do uso consciente dos recursos naturais dentro das áreas das UCs e áreas de entorno. Diante disso, o projeto está em andamento nos municípios de Tefé, Novo Airão, Manaus, Maués, Beruri, Canutama, Novo Aripuanã e Manicoré.
Além dessas políticas relacionadas às áreas florestais, a dimensão da sustentabilidade também é um eixo nos Acordos de Pesca, que busca implementar políticas ambientais que facilitem a pesca por comunidades tradicionais ribeirinhas de forma sustentável, especialmente nas UCs. O Projeto de Implementação do Cadastro Ambiental Rural no Amazonas (ProjeCar) realiza o cadastro de imóveis no interior do estado e é coordenado pela SEMA-AM em parceria com o IPAAM e o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal do Amazonas (IDAM). Implementado a partir de 2020, conta com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) através do Fundo da Amazônia com atuação em 36 municípios amazonenses.
RECURSOS HÍDRICOS, GESTÃO DE RESÍDUOS E BEM-ESTAR ANIMAL
Complementando a proteção das áreas florestais e de projetos de desenvolvimento sustentável, a SEMA-AM também implementou políticas públicas dedicadas aos recursos hídricos e proteção dos grandes rios que cortam o Amazonas, em grande medida em parcerias com organismos nacionais e internacionais. Nesse sentido, o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) foi criado em 2020, o primeiro produzido em vinte anos, para reunir as diretrizes que orientam as ações do poder público em prol da conservação e da recuperação da qualidade das águas de rios, igarapés, lagos e águas subterrâneas no estado.
O projeto de Gerenciamento Integrado de Bacias Hidrográficas do Rio Putumayo-Içá é uma iniciativa coletiva, realizado pela Wildlife Conservation Society (WCS) e financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente do Banco Mundial, do qual a SEMA-AM participa. Seu objetivo é promover a gestão compartilhada da bacia hidrográfica do rio Putumayo-Içá, que é o único rio da bacia amazônica que drena territórios do Brasil, Colômbia, Peru e Equador, com duração prevista em cinco anos, entre 2022 e 2027. O Brasil foi o primeiro país a assinar o acordo de cooperação técnica com a WCS para implementação da ação, mas somente neste ano que os demais formalmente o fizeram. Seu propósito é assegurar a gestão sustentável dessa bacia hidrográfica, unindo sua preservação com a preocupação em garantir a qualidade de vida das populações que dependem dessas águas para viver.
A SEMA-AM, em cooperação com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), realizam diversos programas específicos para a gestão dos recursos hídricos no estado. O Progestão é um programa de incentivo financeiro, no qual a ANA faz desembolsos para o estado mediante o alcance de metas de planejamento e gestão de recursos hídricos no âmbito do Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SIGRH). Existente desde 2013, o programa atua através de ciclos quinquenais, estando já em seu terceiro ciclo.
Similarmente, o Programa de Estímulo à Divulgação de Dados de Qualidade de Água (Qualiágua) realizada em parcerias entre a ANA e estados, cuja execução ocorre no Amazonas por meio da SEMA-AM desde 2020. Da mesma forma que o Progestão, o programa realiza o repasse de recursos mediante o cumprimento de metas, que consistem em fazer o monitoramento da qualidade das águas superficiais no Amazonas, com a padronização dos critérios e métodos, e dar publicidade aos dados gerados, a fim de contribuir com a implementação da Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade das Águas (RNQA). Por sua vez, o Programa Nacional de Fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas (Procomitês), também realizado por ANA e estados, foi implementado no Amazonas a partir de 2018, com duração até 2023. Da mesma forma que o Progestão e o Qualiágua, o programa realiza o repasse de recursos mediante o cumprimento de metas, que consistem em fortalecer as atividades do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu (CBHTA). O programa destaca a formação de parcerias com instituições e/ou outros poderes públicos, especialmente na esfera federal.
No que se refere ao tratamento de resíduos, a SEMA-AM elaborou, durante o governo Lima, o Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS), que trata sobre o manejo e gerenciamento de rejeitos sólidos. Outra ação foi o decreto estadual de Logística Reversa, realizado em 2023, que busca complementar a Política Estadual de Resíduos Sólidos do Amazonas de 2017, que estabelece as regras para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes a estruturarem uma logística reversa de embalagens na etapa posterior ao consumo. O IPAAM é o órgão responsável pelo recebimento das informações e prestações de contas das entidades gestoras da logística reversa no estado. Considerando que os resíduos sólidos são um dos maiores desafios de municípios e governo estadual, essas iniciativas visam incentivar a reciclagem e reduzir o descarte inadequado de lixo em rios e igarapés.
Essa preocupação também se evidencia no projeto “Recicla, Galera”, que surgiu na edição de 2019 do Festival Folclórico de Parintins e se consolidou como a maior iniciativa, segundo o governo do estado, para incentivar a destinação correta de resíduos recicláveis e promover, ao mesmo tempo, a educação ambiental e geração de renda sustentável para coletores de materiais recicláveis. Esse programa implementou Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) e doações de equipamentos para associações de catadores locais. Seu ponto alto ocorre durante as três noites do festival, quando as torcidas dos bois Caprichoso e Garantido são convidadas para uma disputa de reciclagem, em que vence aquela que mais destinar resíduos corretamente, gerando o título de “campeão sustentável” que se converte em investimentos para a agremiação. Em 2023, o projeto se expandiu para o município de Apuí e há um esforço em estender a iniciativa para outros grandes eventos na capital e interior.
Outros projetos da SEMA-AM tratam sobre o bem-estar de animais selvagens e domésticos. O programa Monitoramento de Quelônios é realizado com apoio de agentes ambientais voluntários, comunitários e, em algumas UCs, junto a integrantes do Projeto Pé-de-Pincha, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O seu objetivo é garantir a reprodução de diversas espécies de tartarugas nativas, impedindo sua captura ilegal e assegurando o aumento de suas populações selvagens. Assim, os monitores percorrem as regiões onde as fêmeas depositam seus ovos e seus ninhos são monitorados até o nascimento dos filhotes; em alguns casos, onde as ameaças são maiores, os ovos são realocados em “berçários”, ambientes que imitam o habitat natural dos animais. Após a eclosão dos ovos, os filhotes são colocados em tanques e permanecem neles até atingirem um tamanho ideal para serem soltos na natureza em segurança.
Outra iniciativa é o “Castramóvel”, que é o apelido para a Unidade Móvel de Castração do governo do estado, com funcionamento desde 2020, quando a SEMA-AM passou a contar com um setor exclusivo para a agenda, a Assessoria de Bem-Estar Animal e Fauna Doméstica (ASSBEA). Por meio dessa unidade móvel, são realizadas castrações solidárias diárias de cães e gatos, serviço oferecido tanto em Manaus como no interior, em ações itinerantes. Assim, sua relevância se evidencia na promoção da saúde pública, onde desempenha um papel na prevenção de doenças que podem afetar humanos e animais, e no controle populacional de animais, especialmente em áreas de difícil acesso. Por fim, há o projeto Cadastro de Protetores, que visa identificar pessoas que cuidam, alimentam e acolhem animais de rua de forma definitiva ou provisória, de forma a intermediar doações. O intuito é facilitar o acesso aos programas públicos gratuitos, como como atendimentos prioritários no “Castramóvel” e no Hospital Público Veterinário do Estado, que está em fase final de implementação, oferecendo um apoio estrutural e institucional a estes cuidadores e protetores do bem-estar animal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos avaliar, a política ambiental do Amazonas sob o governo de Wilson Lima é marcada por suas contradições e mudanças de orientação em suas administrações. Deve-se destacar que essa agenda não foi prioritária nem em suas campanhas eleitorais, nem durante os seus governos. Dessa forma, muitas de suas políticas ambientais foram herdadas de governos anteriores ou então fruto de parcerias com órgãos federais ou ONGs internacionais.
Nesse sentido, durante seu primeiro mandato, Wilson Lima manteve um alinhamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o que teve implicações importantes para a política ambiental estadual. Assim como ocorria na esfera federal, sua administração tinha poucas preocupações ecológicas, com uma atitude débil no combate ao desmatamento, queimadas e garimpo ilegal. Apesar das metas estabelecidas na SEMA-AM, o que se viu foi um aumento significativo na devastação do bioma amazônico e nos crimes ambientais que, em alguns casos, envolviam figuras relevantes da cúpula de órgãos do estado. A única pauta dessa agenda que parece ter avançado um pouco, nesse momento, foi a de cuidados com animais domésticos.
Com o início da terceira presidência de Lula, houve uma reorientação das políticas ambientais, que foram reestruturadas e fortalecidas. Nesse novo cenário, em que o governo federal se comprometeu com a preservação do bioma amazônico e que voltou a ter acesso aos recursos do Fundo da Amazônia, Lima readequou seu discurso de forma estratégica, anunciando novas políticas voltadas para a obtenção de recursos externos ao Amazonas para a conservação da floresta e promoção do desenvolvimento sustentável no modelo de parcerias público-privadas. Destacam-se, neste aspecto, o Projeto REDD+ (associado ao mercado do crédito de carbono) e políticas de concessão de UCs.
No entanto, cabe reforçar que estas ações foram bastante criticadas por especialistas e mesmo ao MPF, que recomendou a suspensão do REDD+. No âmbito do debate público amazonense, o governo estadual ainda é considerado permissivo (se não conivente) com o desmatamento, queimadas e garimpo ilegal, assim como outras atividades econômicas com alto impacto ambiental. Ou seja, a dimensão de projetos importantes fica obscurecida com a permissividade e autorização de práticas predatórias que foram e ainda são desenvolvidas e tolerados no governo Wilson Lima. Considerando a importância e o pioneirismo do Amazonas na proteção do bioma, especialistas torcem para que os próximos governos estaduais retomem sua tradição e assumam um compromisso com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Agradecimentos: Iniciativa Amazônia+10
Referências
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PONTES, Fábio. Com política ambiental vaga, Wilson Lima é reeleito enquanto Amazonas sofre com seca. O Eco. Novembro de 2022. Disponível em: https://oeco.org.br/reportagens/com-politica-ambiental-vaga-wilson-lima-e-reeleito-enquanto-amazonas-sofre-com-seca/.
RADAR AMAZÔNICO. Wilson Lima é alvo de representação do MPC por mau uso dos recursos públicos no combate ao desmatamento no AM. Radar Amazônico. Dezembro de 2021. Disponível em: https://radaramazonico.com.br/wilson-lima-e-alvo-de-representacao-do-mpc-por-mau-uso-dos-recursos-publicos-no-combate-ao-desmatamento-no-am/.
SASSINE, Vinicius. MPF critica terceirização e recomenda suspensão de projetos de créditos de carbono no Amazonas. Folha de São Paulo. Agosto de 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/08/mpf-critica-terceirizacao-e-recomenda-suspensao-de-projetos-de-creditos-de-carbono-no-amazonas.shtml.
TEIXEIRA JR, Sérgio. Por que o Amazonas foi ‘all in’ nos créditos de carbono. Reset. Agosto de 2024. Disponível em: https://capitalreset.uol.com.br/carbono/creditos-de-carbono/por-que-o-amazonas-foi-all-in-nos-creditos-de-carbono/.