Arleth Santos Borges, Marcelo Fontenelle e Silva, Andressa Brito Vieira e Soraia Weba Santos.
Introdução
As recorrentes tragédias e emergências climáticas justificam que se coloque a pauta ambiental no centro do debate público, entre agentes políticos e sociedade em geral. Entretanto, pesquisas qualitativas realizadas pelo LEGAL nos estados da Amazônia apontam que essa temática não figura entre os problemas que cidadãos identificam como centrais e é constante a manifestação de que não veem políticos engajados ou identificados com essa causa. Insistindo nesse debate, o presente Boletim analisa a produção da Assembleia legislativa do Maranhão voltada à pauta ambiental, destacando as proposições apresentadas na atual legislatura (2019-2021), o desempenho de parlamentares, do Executivo e partidos políticos e o exame mais detalhado de dois casos de relevante impacto para o meio ambiente no estado.
A região amazônica é uma das mais afetadas pela devastação do meio natural, e o Maranhão, que integra esse bioma com 79.3% do seu território na chamada Amazônia Legal, também é cenário dos problemas ambientais que afetam a região, com destaques à perda da cobertura florestal por queimadas e desmatamentos e violências contra populações tradicionais. Esta situação é agravada pelo fato do Maranhão, que também possui áreas de cerrado, integrar o projeto MATOPIBA, voltado à ampliação da fronteira agrícola com extensas monoculturas.
O “Meio Ambiente” na ALEMA
Na atual legislatura da ALEMA, a pauta “Meio Ambiente e Energia”[1] correspondeu a 5%, de toda a produção legislativa – ocupando a 9ª posição nas preocupações dos proponentes, está materializada em 87 proposições[2], sendo 80 propostas por deputados/as e 07 pelo Poder Executivo; nenhum outro ator institucional submeteu matérias sobre esta temática. O ritmo de tramitação dessas matérias indica que entre os legisladores não há pressa em relação a essa pauta, uma vez que a maioria das proposições permanece indefinida, ou seja, sem aprovação ou reprovação (Gráfico 1). Apenas 23 proposições foram aprovadas, sendo 06 apresentadas pelo poder executivo e 17 pelo legislativo. Das 07 proposições do executivo, 06 foram aprovadas, o que lhe confere uma taxa de aprovação da ordem de 85,71%, enquanto o Legislativo, que propôs 80 e aprovou 17, essa taxa é de 21,25%.
Gráfico 01 – Tramitação de matérias sobre meio ambiente e energia na ALEMA
Fonte: Elaboração dos autores, a partir do Banco de Dados da ALEMA (2022).
Em relação ao conteúdo dessas proposições legislativas, o tema que lidera é “Direitos dos Animais”, mais especificamente destinadas aos animais domésticos, com 38 projetos (44%) seguidos de longe por “Coleta, destinação e reciclagem de resíduos”, e depois, outros temas com um número aproximado de proposições, todas com menos de 10 projetos (Gráfico 2), representando menos de 10%, cada.
Gráfico 2 – Temáticas das proposições sobre Meio Ambiente
Fonte: Elaboração dos autores, a partir do Banco de Dados da ALEMA (2022).
Em se tratando de proposições, salta aos olhos a predominância dos direitos dos animais, destacando-se, inclusive que nessa legislatura, vários deputados disputaram a afirmação e o reconhecimento como representante e porta-voz dessa pauta, incentivados, provavelmente, pelo crescente número de pessoas que se ocupam com pets, por apelos da mídia local relacionados ao abandono de animais e pela insuficiência de políticas públicas nesta área. As proposições, por sua vez, contemplam o incentivo à adoção, promoção da saúde, criação de farmácia e serviços de atendimento móvel, combate a maus tratos e criação de políticas estruturantes, como o Código Estadual de proteção aos animais domésticos e criação do fundo estadual de proteção. Entretanto, apesar do grande número de projetos, apenas 05 já foram aprovadas, o que sugere escasso interesse dos demais parlamentares por essa pauta, e também, escasso poder de pressão tanto dos proponentes como dos setores da sociedade civil organizados em torno desta agenda. Se no nível das proposições os “direitos dos animais” têm nítida liderança, no campo das aprovações, sua situação não se distingue das demais.
Em segundo lugar, com 18 proposições (21%), das quais foram aprovadas apenas 03 na categoria ambiental tem-se a “Coleta, destinação e reciclagem de resíduos”, pauta de grande relevância local, devido à gravidade dos índices de poluição associada ao volume de resíduos domésticos, aumento da atividade industrial e inadequado descarte desses resíduos, muitas vezes agravando os recursos hídricos do estado, como os rios Itapecuru, Pindaré, Balsas, Tocantins e Bacanga, fundamentais para o abastecimento de água nas maiores cidades do estado. Inobstante a importância dos recursos hídricos e das graves situações em que se encontram, essa temática foi objeto de 02 proposições (2%) sendo 01 aprovada.
O desmatamento é outro problema grave no estado, com a retirada de madeiras para madeireiros e para a expansão da fronteira agrícola – somente entre 2019 e 2020 foram 190 Km2 (INPE) em ação, muitas vezes criminosa, acarretando perda de biodiversidade, alteração no clima, além de constantes conflitos agrários com povos indígenas e outras populações tradicionais, que colocam o Maranhão como o líder no ranking dos conflitos agrários no país, registrando-se em 2021 nove assassinatos. Na mesma linha, as queimadas, intensificaram -se no estado desde o início da pandemia (março 2020), crescendo 175%, segundo o INPE. Nesta seara, de “Parques, reservas, florestas e biomas”, a ALEMA teve 5 (6%) matérias legislativas, 4 das quais foram aprovadas. Cinco matérias (6%) legislativas deste segmento trataram de Saneamento Básico – sendo que todas ainda estão em tramitação, o que parece modesto à vista o tamanho desse problema em um estado, onde até janeiro de 2020, apenas 12,1% da população tinha coleta de esgoto, e mesmo avançando para 32,49% no final do ano (SNIS, 2021), ainda é um número insuficiente.
As barragens são um problema sensível no estado, que conta com 11 unidades, sendo 7 de contenção de resíduos e 4 de vazão de rios[3]. Embora importantes e sujeitas a severos riscos, têm recebido pouca atenção em relação à proposição de projetos, registrando-se nesta legislatura apenas 01[4] projeto voltado à segurança de barragens, localizado na categoria “Programas e Normas”, e que foi aprovado com veto parcial.
Outro aspecto a ser observado é a posição dos partidos em relação à pauta ambiental. A esse respeito, o Gráfico 03 mostra o escasso investimento da maioria dos partidos nessa questão, com notória exceção para o PSDB, cujo único deputado é autor de quase metade das proposições; em seguida vem o PCdoB, PROS, Solidariedade e PV, que apresentaram pelo menos 07 proposições ao longo da legislatura. Juntos, esses partidos respondem por mais de 76% das proposições sobre meio ambiente, enquanto os restantes 10 partidos apresentaram propostas, mas em número bem reduzido e os 05 restantes dos 20 presentes na ALEMA), ignoraram o assunto.
Gráfico 03 – Os Partidos e a temática ambiental
Fonte: Elaboração dos autores, a partir do Banco de Dados da ALEMA (2022)
A composição e funcionamento da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável[5] (CMADS), uma das comissões permanentes da Casa é outra dimensão em que se pode observar a atuação dos partidos. É composta[6] por sete deputados titulares e igual número de suplentes, sendo 08 deputados de partidos de esquerda (PSB, PDT, PC do B, PT), 01 de centro (MDB) e 05 de direita (PP, PL, DEM, PSD). O número total sugere uma preponderância de integrantes de partidos de esquerda, mas considerando apenas os titulares, essa preponderância desaparece. Em relação à ocupação desses parlamentares, 05 são empresários, 05 são professores, 03 são advogados, 02 administradores de empresa e mais um engenheiro civil, um farmacêutico, um médico, e um odontólogo. Destes, apenas 06 fizeram proposições sobre meio ambiente, um deles com 04 projetos e os demais com um ou dois, o que sinaliza modesto engajamento dos membros na agenda ambiental.
Uma das mais importantes atribuições das Comissões legislativas é o aprofundamento informacional e político sobre as questões em debate na Casa, mediante diálogo com especialistas e com a população. Para o primeiro caso, a Assembleia deve contar com consultores especializados e, no segundo, promover audiências públicas com participação de segmentos sociais interessados e/ou vinculados à temática. Na presente legislatura a CEMADS realizou, até março de 2022, 05 Audiências Públicas, sendo uma delas na forma de ciclo de debates que aconteceu em 8 municípios maranhenses. Os temas das Audiências de 2019 foram: Água – um direito de todos não pode ser lucro de alguns e Consolidação da criação do Pré-Comitê da Bacia do Rio Itapecuru; em 2020: Dia Nacional e Internacional de Luta das Populações Atingidas por Barragens; em 2021: Ciclo de Debates sobre políticas públicas estaduais de saneamento básico e tratamento de resíduos sólidos em 8 cidades; e em 2022: Segurança de Barragens no Maranhão.
Ressalte-se que boa parte desses raros momentos de participação popular, na forma de audiência, oitivas ou escutas por videoconferência, ocorreram devido a solicitações de movimentos sociais, sindicatos e ONGs, motivadas por emergências ambientais, como foi em 2022, o rompimento de uma barragem associada à exploração aurífera por uma multinacional canadense no município de Godofredo Viana, com graves prejuízos ao abastecimento de água para a população; na mesma linha, houve reunião com professores e ambientalistas para a criação de um Comitê para a preservação do Rio Pindaré, devido a preocupação de integrantes de uma organização não-governamental com o aumento do assoreamento e degradação do rio; em 2021 foram realizadas seis Escutas Públicas (virtuais) para captar as sugestões da sociedade para um anteprojeto da Lei de Comissão de Juristas encarregada de aperfeiçoar e consolidar a legislação ambiental, em especial o Código de Proteção do Meio Ambiente do Estado do Maranhão (Lei nº 5.405/1992). Interessados puderam se inscrever e enviar sugestões, mas no site da ALEMA não há informações sobre todas essas audiências, escutas e oitivas e tampouco sobre desdobramentos ou ações concretas decorrentes desses eventos.
A produção legislativa da ALEMA dialoga com a agenda ambiental do Maranhão?
Estudos de casos: diretrizes para a verificação da segurança de barragens de qualquer natureza e de depósitos de resíduos tóxicos industriais e instituição de microrregiões de saneamento básico
Para uma apreciação mais detalhada, selecionou-se duas matérias legislativas com potencial de impacto para o meio ambiente no estado. Uma, relaciona-se à segurança de barragens (PLO 016/2019) de autoria do deputado Wellington do Curso (PSDB), da bancada de oposição ao governo, e outra, relacionada a regiões de saneamento (PLC 008[7]/2021), de autoria do poder executivo, ambas com tramitação ordinária.
A primeira proposição é justificada pelo propósito de fiscalizar possíveis irregularidades de funcionamento e manutenção das barragens do estado e sanar omissões na legislação federal com a finalidade de conferir maior segurança aos cidadãos maranhenses que habitam próximos às barragens ou depósitos de resíduos sólidos industriais; se justifica também pela “competência residual do estado para complementar regulamentação sobre matéria não abrangida pela legislação federal”. O projeto foi apresentado no período do deslizamento da barragem em Brumadinho (MG), quando também ocorreu, no Maranhão, a inundação de barragem de Pericumã, no município de Pinheiro, desabrigando mais de 100 pessoas. Apesar da tragédia local, é razoável considerar que a inusitada atenção a um problema recorrente no estado foi impulsionada pela repercussão nacional do caso de Brumadinho. Mas nem a comoção nacional ativou esse debate na ALEMA. O PLO tramitou durante 308 dias, não passou na Comissão de Meio Ambiente e não foi objeto de discussão em audiência pública. Foi aprovado em 1ª e 2ª votação, mas recebeu veto parcial do governador, fragilizando o alcance da lei em pontos da maior importância, como a obrigação dos proprietários/responsáveis legais pela barragem de instalar e gerenciar o funcionamento de um sistema de alerta para desastres e catástrofes e a obrigatoriedade retroativa de proprietários ou responsáveis legais por barragens e depósitos de resíduos tóxicos industriais já instalados apresentarem o estudo técnico, entre outros pontos. O resultado foi tal que o Movimento dos Atingidos por Barragens, pouco tempo após a aprovação desta lei (Nº 200/19), publicou em suas redes sociais: “… o Maranhão não tem política estadual de segurança de barragens[8] ”.
O segundo projeto escolhido para análise é relativo a saneamento Básico; uma iniciativa do Poder Executivo voltada à adequação do estado às atualizações do Marco legal do Saneamento Básico no Brasil, instituída pela Lei Federal nº 14.026/2020, que estabelece que “o serviço de saneamento básico passa a ser de interesse comum, sendo de titularidade dos Estados e dos Municípios”. Com essa proposta, os entes compartilham responsabilidades e ações acerca da organização, planejamento e execução dos serviços de saneamento básico de interesse comum, por meio de um sistema integrado e articulado de planejamento, projetos, estruturação financeira, implementação, operação e coordenação”.
Este projeto foi enviado à ALEMA com farto material de justificativa produzido pelo Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos; foi discutido na CMADS que, inclusive, realizou um Ciclo de Debates sobre políticas públicas estaduais de saneamento básico e tratamento de resíduos sólidos em oito cidades e, afinal, foi aprovada em 1º e 2º turnos no prazo relativamente curto de 113 dias, mas ainda aguarda sanção do governador.
Considerações Finais
A agenda ambiental da ALEMA é, no mínimo, desproporcional aos problemas ambientais que o estado enfrenta: é relativamente pequeno o número de proposições; poucas são aprovadas, e é escasso o debate parlamentar sobre o assunto. Diante dos grandes problemas socioambientais enfrentados no estado, essa pauta não é alvo de atenção para a maioria dos parlamentares individuais, para os partidos, o legislativo e até para o poder executivo.
Bastante inusitada é a ostensiva prioridade dada aos direitos dos animais, pois embora haja uma carência de políticas públicas para esse segmento no estado, a atenção dada a esta pauta parece desproporcional em relação aos outros graves problemas – que inclusive são colocados na agenda pública através de inúmeras matérias jornalísticas e por diversos segmentos sociais, como movimentos sociais. Podemos citar, como exemplos, os desmatamentos, a contaminação do solo, poluição hídrica e atmosférica associada às monoculturas extensivas, à pecuária e à mineração, a insegurança de barragens e os licenciamentos ambientais sem maiores cuidados.
Todos estes problemas fomentam o recrudescimento dos danos ambientais e da violência. Parte deles têm tido outras formas de enfrentamento, como a iniciativa de algumas Câmaras de Vereadores que, na ausência da ALEMA, adotaram leis proibindo a pulverização de venenos por via aérea nas grandes lavouras, com graves prejuízos diretos para o entorno.
À despeito de tais problemas, assistimos algumas iniciativas relevantes, como os dois casos analisados acima. Em um deles, a morosidade e a ausência de debate deram a tônica, resultando em uma lei bastante enfraquecida. No outro, que foi de iniciativa do Poder Executivo, houve maior debate, celeridade e participação, apesar de que ainda de forma modesta. Em conjunto, tais elementos demonstram fragilidades do nosso poder legislativo estadual, instituição cujo bom funcionamento é essencial para a qualidade de nossa democracia.
Referências
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Essa categorização acompanha a adotada nos estudos legislativos da Câmara Federal. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/atividade-legislativa/estudos- e-notas-técnicas). ↑
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Inclui dados disponibilizados sobre projetos de lei ordinárias, leis complementares, emendas constitucionais e medidas provisórias de 2019 a novembro de 2021, mês de realização do levantamento ↑
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Essas barragens localizam-se em São Luís, onde há reservatórios com a chamada “lama vermelha”, resultante da produção de alumínio e alumina, pela empresa ALUMAR, em operação desde 1984; no município de Godofredo Viana, a empresa Aurizona mantém uma barragem em sua atividade de mineração de ouro. As barragens em rios localizam-se no rio Itaqui Bacanga (São Luís), de Pericumã (Pinheiro), Rio das Flores (Joselândia) e Hidrelétrica de Estreito (Estreito). ↑
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Dadas as fronteiras inevitavelmente porosas das classificações da produção legislativa, pode haver projetos sobre barragens em outras categorias, caso do Projeto de Lei Nº 066/2021 que cria a Política Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Lei N°11.687/2022), classificado na categoria “Direitos Humanos ↑
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Criada em 22/11/2010, tendo como campos temáticos ou áreas de atividades: a) política e sistema estadual do meio-ambiente e da legislação de defesa ecológica; b) atividades relacionadas à preservação e exploração racional da flora e fauna regional, recursos naturais renováveis, solo, edafologia e desertificação; c) gestão, planejamento e controle dos recursos hídricos, regime jurídico de águas públicas e particulares (REGIMENTO INTERNO DA ALEMA, 2021, Art. 30). ↑
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A composição da CMADS adotada nesta análise, é a que está disponibilizada no campo “Comissões” do site da ALEMA, mas acredita-se que nesta legislatura tenha havido alterações. ↑
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Na montagem do banco de dados, em novembro de 2021, este projeto ainda estava em tramitação, por isso ele ainda está contabilizado no Gráfico 01 como em tramitação, no entanto, para efeito do estudo de caso neste tópico, apresentamos as suas informações atualizadas, ou seja, seu status de aprovado (aguardando sanção). ↑
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Disponível em: <https://mab.org.br/2021/04/23/com-previsao-de-novas-hidreletricas-maranhao-nao-tem-politica-estadual-de-seguranca-deBarragens/#:~:text= No%20Maranh%C3%A3o%2C%20n%C3%A3o%20existe%20uma,onde%20estas%20barragens%20ser%C3%A3o%20constru%C3%ADdas.> ↑