Ivan Silva, Paulo Gustavo Correa, Marcus Cardoso, Giovanna Lourinho
Apresentação
Compreender a natureza dos sistemas partidários e eleitorais se converteu, nos últimos anos, em um instrumento estratégico na análise política das democracias competitivas mundo afora, bem como, em um objetivo central para a Ciência Política contemporânea. Sobretudo quando consideradas as democracias pluripartidárias, o grau de enraizamento dos partidos e de coesão partidária e ideológica nos padrões de voto passaram a representar, em grande medida, ferramentas importantes na aferição da vitalidade democrática dos sistemas políticos. Para tanto, dois indicadores, em especial, assumiram centralidade epistemológica: o Número Efetivo de Partidos (NEP), definido por Laakso e Taagepera (1979) – cuja fórmula é conhecida pela sigla NLT –, e o índice de volatilidade eleitoral, em especial o Índice de Volatilidade de Pedersen (IVP), formulado por Mogens Pedersen (1983).
O NLT permite a compreensão do peso relativo dos partidos que compõem um sistema partidário a partir de um escalonamento da diferença de poder entre eles. Ou seja, para além da simples constatação do número de partidos com representação parlamentar, o indicador aponta quais os partidos que efetivamente possuem relevância em dado sistema eleitoral e partidário. O índice pode ser subdividido em dois: Número Efetivo de Partidos Eleitoral (NEP) e Número Efetivo de Partidos Parlamentar (NEPP), e é calculado a partir da análise do número de votos que cada partido recebe em cada eleição.
O IVP é calculado a partir da comparação das proporções de votos recebidas por um partido em eleições consecutivas, buscando, assim, aferir a variação existente entre um pleito e outro. Quanto maior a volatilidade verificada nas votações ao longo do tempo, maior o grau de instabilidade de um sistema eleitoral, e, por conseguinte, menor seu grau de institucionalização.
Ambos os indicadores foram aplicados, aqui, para a análise do sistema eleitoral amapaense. Foram consideradas as eleições para a Assembleia Legislativa do Amapá (ALAP) entre 2002 e 2018, e os dados foram coletados e sistematizados com o apoio do software R.
Número Efetivo de Partidos (Eleitoral)
O primeiro indicador mobilizado é o NEP eleitoral:
Gráfico 1 – Número Efetivo de Partidos Eleitoral na disputa pela ALAP (2002-2018)
(Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE)
A elevada dispersão eleitoral e partidária verificada no sistema político amapaense (com cada partido elegendo entre um e quatro parlamentares, no máximo, em todos os pleitos) fez com que a flutuação dos valores no Gráfico 1 fosse bastante pronunciada. Enquanto em 2002, 2006 e 2014, o número efetivo de partidos do ponto de vista eleitoral flutuou entre 11,61 e 18,13, nos anos de 2010 e 2018 esse número foi de apenas 1,38 e 1,91, respectivamente.
A concentração eleitoral verificada nesses dois pleitos – em que o número de partidos efetivos não chegou a dois – não coincide com votações expressivas para o Governo do Estado do Amapá (GEA). Em 2010, o PDT fez a maior bancada da ALAP com quatro parlamentares enquanto os demais conquistaram, no máximo, duas cadeiras. No mesmo ano, após dois mandatos à frente do GEA, o Governador Waldez Góes (PDT) concorreu a uma vaga no Senado e, no entanto, ficou apenas em quarto lugar, e o candidato ao GEA apoiado pelo PDT, Pedro Paulo (PP), sequer foi ao segundo turno. Em 2018, embora o Governador Waldez Góes tenha sido reeleito, o PDT elegeu apenas uma deputada, e o maior partido na ALAP passou a ser o PR, com quatro parlamentares.
Número Efetivo de Partidos (Parlamentar)
Se, por um lado, o NEP parlamentar reforça o diagnóstico de fragmentação do sistema partidário amapaense já verificado no NEP eleitoral, por outro, a sua evolução ao longo do tempo não apresenta flutuações significativas:
Gráfico 2 – Número Efetivo de Partidos Parlamentar na ALAP (2002-2018)
(Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE)
A evolução do NEPP ao longo dos cinco pleitos evidencia um padrão de relativa estabilidade no número de partidos que efetivamente possuem relevância dentro da ALAP: a despeito de um leve crescimento entre 2014 e 2018 (pouco acima de três pontos), entre 2002 e 2014 o número permanece praticamente inalterado. Um dado, entretanto, merece destaque: o elevado número de partidos efetivos ao longo de toda a série histórica: com um total de 24 cadeiras, a Assembleia Legislativa do Amapá contou durante todo o período com por volta de 12 partidos relevantes no parlamento estadual (média de dois/duas parlamentares por partido), dado que aponta grande fragmentação partidária do sistema político amapaense.
Consideradas todas as legislaturas analisadas, nunca um partido conseguiu eleger mais do que quatro parlamentares, sendo este o número máximo alcançado por PMDB e PSB, em 2002, PDT, em 2010, PRB, em 2014, e PR, em 2018. A última eleição foi marcada pelo maior grau de dispersão partidária na ALAP: 19 partidos conquistaram representação parlamentar, e 16, dentre os quais, com apenas um(a) deputado(a) eleito(a).
O forte predomínio do PDT no âmbito do Executivo estadual tampouco parece ter exercido grande influência no padrão de voto para o Legislativo. Embora o Governador Waldez Góes tenha sido eleito por quatro vezes no período analisado (2002, 2006, 2014 e 2018), essa pujança eleitoral do partido não se manifestou no âmbito da ALAP: ainda que o PDT tenha se convertido no maior partido na Assembleia em 2006, quando da primeira reeleição do Governador Waldez Góes, o partido não conseguiu superar o número de quatro cadeiras. Nas demais eleições a situação é ainda mais evidente, já que em 2002 o PDT não conquistou nenhuma cadeira, e, em 2014 e 2014, conquistou duas e uma cadeira, respectivamente. Essa dissociação no padrão de voto entre Executivo e Legislativo coaduna com o mesmo fenômeno verificado em âmbito nacional, e amplamente analisado pela literatura da Ciência Política no Brasil.
Volatilidade Eleitoral
Além do elevado grau de fragmentação partidária – evidenciado tanto pelo NEP eleitoral como pelo NEP parlamentar –, o sistema eleitoral amapaense também é marcado, no período em análise, por índices consideráveis de volatilidade eleitoral:
Gráfico 3 – Índice de Volatilidade Eleitoral na disputa pela ALAP (2002-2018)
(Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TSE)
Nos quatro pares de eleições para a ALAP, observa-se valores de Pedersen que praticamente não se alteram ao longo do tempo: a média do IVP é de 29,25, e os valores mínimo e máximo se situam muito próximos dela – 28,42 e 30,66, respectivamente. A estabilidade desses valores sugere uma dificuldade mais estrutural de institucionalização do sistema partidário no estado, hipótese, aliás, reforçada pela alta fragmentação partidária e, por extensão, pelo baixo enraizamento social dos partidos políticos.
A clara hegemonia eleitoral do candidato do PDT ao GEA (que venceu quatro das cinco eleições no período) não se traduziu em uma fidelização do voto para o Legislativo estadual, e está, assim, mais ligada a uma identificação pessoal com o Governador Waldez Góes do que com o partido pelo qual concorreu em todos esses pleitos. Vale ressaltar, ainda, que a única deputada estadual eleita pelo PDT em 2018 (ano da segunda reeleição do governador pedetista) é sua esposa, Marília Góes.
Conclusão
A instrumentalização analítica do Número Efetivo de Partidos e do Índice de Volatilidade Eleitoral para o caso da Assembleia Legislativa do Amapá nas eleições realizadas entre 2002 e 2018 evidencia um sistema partidário altamente fragmentado e marcado por uma dispersão crescente na ocupação de cadeiras no Legislativo estadual, que chega, em 2018, a um quadro de 19 partidos com representação na ALAP em um universo de apenas 24 vagas. Sistemas partidários marcados por elevados índices de fragmentação apresentam desafios importantes, sobretudo em duas chaves: na coordenação de políticas públicas, por um lado, e na própria construção da governabilidade, por outro – já que a dinâmica de negociações tende a ser operada mais no varejo, dada a profusão de legendas representadas no Legislativo.
Aliada à fragmentação do sistema partidário amapaense, está, também, a trajetória praticamente inalterada de índices de volatilidade eleitoral que flutuam em torno de 29,25, o que evidencia o baixo grau de identificação do eleitorado no Amapá com os partidos em disputa.
Somadas, as evidências sugerem um sistema político ainda com dificuldade de institucionalização, e marcado pela instabilidade e pelo personalismo, dada a baixa capilaridade social dos partidos.
Vários fatores concatenados ajudam a explicar esses dados, mas, dois, em especial, merecem destaque: em primeiro lugar, a alta fragmentação do sistema partidário não é exclusividade do Amapá – entre 2002 e 2018, o Brasil saiu de um total de 25 partidos com registro no TSE para 37 –, e tampouco o é a dissociação entre os padrões de voto para o Executivo e o Legislativo; em segundo lugar, é preciso levar em consideração as especificidades da trajetória política e institucional do estado, que, até 1988, foi um Território Federal. Embora o Amapá reflita, localmente, características nacionais do sistema político brasileiro, seu recente processo de constituição em estado parece agudizar traços mais disfuncionais da dinâmica partidária e eleitoral no país.
Referências
LAAKSO, Markku; TAAGEPERA, Rein. The “effective” number of political parties: a measure with application to West Europa. Comparative Political Studies, v. 12, n. 1, p. 3-27, 1979.
PEDERSEN, Mogens. Changing patterns of electoral volatility in european party systems, 1948-1977: explorations in explanation. In: DAALDER, H.; MAIR, Peter. Western European party systems: continuity and change. Beverly Hills: Sage, 1983.